segunda-feira, 27 de maio de 2013

O Congresso

Tempo atrás, fui convocado para participar de um congresso internacional sobre o formidável avanço tecnológico da informação e comunicação, tudo patrocinado pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia. Lá fui eu, encontrando o magnífico Hotel em Copacabana lotado de sérias pessoas, todas preocupadas em demonstrar que o Brasil acompanha os países ricos na sofisticada rede informacional da nossa era. Fiquei emocionado ao ver tantos estrangeiros deixarem os seus países, as suas famílias, tudo pela causa da informação, e enfrentarem um prolongado fim de semana no Rio de Janeiro, com tudo pago pelo governo brasileiro. Em vista do calor, alguns já estavam caracterizados de cariocas, de bermudas floridas, chapéu de caçador e sandálias havaianas, o que achei bem razoável.

A reunião começou com o discurso de um russo, mas falando em inglês. Quem não entendesse o idioma podia usar aqueles equipamentos de ouvido, e escolher a tradução, mas, a maioria finge demonstrar que não precisa do tradutor. Não fica bem, afinal, a um congressista que não saiba, pelo menos, o inglês. Fui na onda e dispensei o equipamento, acreditando que o meu modesto conhecimento da língua anglo saxônica seria suficiente. Acontece que o inglês do sujeito tinha o sotaque de índio comanche discutindo com John Wayne. Olhei de lado e observei que todos prestavam muita atenção e fingiam rabiscarem anotações. Esticando mais os olhos, percebi que a mulher do meu lado escrevia a receita de uma banana caramelada. Tratei, então, de disfarçar também, abrindo a pasta ofertada pelo congresso e procurei selecionar os jogadores que deveriam compor a próxima seleção brasileira de futebol. Ronaldinho ou Kaká, uma dúvida cruel...

O segundo palestrante foi um mexicano gordo e bigodudo, felizmente falando em espanhol lento e pausado, enaltecendo as facilidades virtuais da comunicação mundial. De repente, ouve-se um chiado e o som emudece. Murmúrio na platéia, corre-corre da assessoria, entra um senhor de macacão azul, chinelo de dedo, carregando a maletinha de ferramentas. O mexicano aflito aguarda. Todos observam atentamente os gestos do senhor de macacão. Até aquele momento, ninguém tinha despertado tanto a atenção da platéia. Ele olha o equipamento, mexe daqui, mexe dali, levanta o corpo e fala alto: “O equipamento deu pau!”.

Um burburinho. O mexicano nada entende: Que sucede? Um executivo brasileiro prestativo tenta traduzir: “El equipamiento és pifado!”. Não sei se o mexicano entendeu. Uma situação deveras desagradável, principalmente levando em conta que o mexicano estava impedido de enaltecer a tecnologia da informação e comunicação diante da ausência do som. O senhor de macacão aproveita o momento para desabafar: “Eu avisei pro doutor! Fica comprando esses bagulhos chineses, é isso que acontece!”.  Esta foi a informação mais importante do congresso, demonstrando através de uma realidade inequívoca que a tecnologia da informação e comunicação é matéria globalizante.

O coordenador resolve o problema com uma decisão festejada por todos: antecipa o horário do coffee brake. Nesses congressos, o melhor momento é a hora do coffee brake. Ando até planejando organizar o Congresso do Coffee Brake, dando aos participantes o direito de ouvir nos intervalos de quinze minutos uma palestra sobre assunto qualquer. Vai ser um sucesso!

Outra vantagem do coffee brake é a excelente oportunidade de cair fora. Os gringos de bermudas já carregavam cadeirinhas de praia. Devorei uma parcela daquelas guloseimas, fui saindo de fininho, andando de costas e dei no pé. Evidentemente, sem falar com ninguém, para não dar margem a qualquer distorção na técnica da informação e comunicação. Sem dúvida, um senhor congresso!

quarta-feira, 22 de maio de 2013

A Praça

Teotevaldo Marilomba, insigne fazendeiro do Município de Santo Onofre do Cupinzeiro, tido e havido como doutor nas artes belicistas e magnífico feitor de mortes mandadas, veio a saber que a praça da cidade situava-se em área sem registro cartorial, considerada pública e inalienável.

Nada tendo a ver com essas questões legislativas, das quais nunca participou ou, pelo menos, nem convidado a tecer suas sempre razoáveis opiniões, além do fato de que ele tem coisas mais importantes a fazer do que ficar de conversa fiada em recintos parlamentares, resolveu, por sua conta e direito, assumir a propriedade da praça e colocar no papel o seu nome de proprietário.

Compareceu de imprevisto no cartório da cidade, e devidamente assessorado por três causídicos fortemente armados, determinou ao apalermado tabelião passar ao livro o registro usucapiado da propriedade e todas aquelas exigências burocráticas de matrículas e averbações.

Ato contínuo, cercou a praça com tapumes e escreveu em cima: “nova direção”. A população, sem mais onde andar, jogar damas e dormir nos bancos, reclamou ao prefeito o inusitado domínio, mas o prefeito, temente aos desígnios de Teotevaldo Marilomba, e não interessado a abrir querelas com o poderoso fazendeiro, fez ouvidos moucos e deixou de lado os reclamos dos indignados moradores.

O promotor do local foi avisado e, a bem da verdade, ainda tentou organizar processo incriminatório, logo paralisado e de trânsito bloqueado, quando a assessoria do fazendeiro resolveu transformar a casa do promotor em alvo de disparos de fogo. O representante do ministério público logo se lembrou de uma licença prêmio não gozada, e partiu para a capital, carregando família, móveis e utensílios.

Santo Onofre do Cupinzeiro ficou sem praça, mas o povo foi se acostumando e até gostando das promessas de Teotevaldo Marilomba que ali construiria um tal de shopping, parecido com aqueles da capital, com um monte de lojas e diversas praças de alimentação, uma coisa de primeiro mundo, e muito mais importante que a antiga pracinha, lugar de aposentados vagabundos, dormitório de mendigos e de namoricos dessa juventude transviada.   

Sem esquecer sua fé religiosa, pois dizem que Teotevaldo era capaz de rezar o Salve Rainha de corridinho, bastava dar um arranque no início, fez levar em procissão a imagem de Santo Onofre, anteriormente instalada na praça, até a catedral da cidade, o que deixou satisfeito o vigário e mais satisfeitos ainda os evangélicos, que se incomodavam com a presença da imagem na praça, lugar comprobatório do espírito laico do governo local.

E assim tudo correu bem, o povo já acostumado e esquecido do que era antes, mas, agora, Teotevaldo Marilomba está de olho na avenida principal, e todos curiosos em saber qual será o empreendimento a ser construído no lugar da avenida.

sábado, 18 de maio de 2013

Manicômio Fiscal - A Certidão Negativa de Débitos

Napoleão das Contas precisava de uma certidão negativa da Prefeitura, mais conhecida como CND, para dar seguimento aos seus propósitos de vender um terreno de sua propriedade e aproveitar a oportunidade de realizar um bom negócio, em vista da generosa oferta de compra do rico vizinho do terreno, que almejava ampliar sua residência. Oferecia um valor bem acima da cotação do mercado imobiliário, ou daquele negócio chamado valor venal que constava do carnê do IPTU do terreno, mas a operação tinha de ser feita de imediato, pois o vizinho viajaria ao exterior na semana seguinte.

Foi à Prefeitura e requereu a tal CND, tendo que antes pagar uma taxa de expediente, provavelmente necessária para expedição da certidão solicitada, nada mais justo na visão de Napoleão das Contas, afinal a Prefeitura não tem que ficar trabalhando para atender desejos pessoais dos cidadãos.

Contudo, teve a surpresa de a certidão ser recusada, por constar um débito da taxa de coleta de lixo, conforme explicação do servidor que o atendeu, muito gentil por sinal, ao explicar que o IPTU estava em dia, mas não havia comprovação do pagamento da referida taxa, o que deixou Napoleão tanto confuso, se nem sabia da incidência do tributo, ele pagava o que recebia e nunca recebeu conta de coleta de lixo, havia, por certo, um equívoco naquela cobrança.

O servidor, porém, insistia na cobrança da taxa, a garantir ao cidadão a inexistência do pagamento, o que não convenceu Napoleão, pessoa rígida no cumprimento de suas obrigações sociais, tributárias e posturais, a mencionar, inclusive, que se tratava de um terreno vazio, murado e limpo, além de inabitável, a concluir, portanto, da impossibilidade de produzir lixo naquela propriedade.

O atendente esboçou um sorriso de desdém, a insinuar que Napoleão nada entendia de direito tributário, enquanto ele, servidor concursado e habilitado, galgava o cume dos conhecimentos doutrinários, inclusive participante recente de um curso do Professor Tauil, de quem, certamente, o cidadão nunca ouvira falar, e este ilustre professor explicara que taxa é tributo e nada tem a ver com imposto, apenas um parentesco na família tributária, tipo, assim, de primos de primeiro grau.

Napoleão das Contas já se estressava naquela discussão, a mandar pros raios que o parta este tal professor, e insistir sobre a inexistência de cobrança da taxa de coleta de lixo, cobrança, aliás, que nunca recebeu, tendo em mãos somente o carnê do IPTU, cujo valor pagava pelo total, e em cota única.

Esta informação de pagar em cota única deu mais força à tese argumentativa do servidor, a informar ao inconformado cidadão que cota única se referia apenas ao IPTU, mais uma prova do não pagamento da taxa.

Cansado de tamanha discussão, Napoleão das Contas deu-se por vencido e mandou o servidor preparar a guia e ele a pagaria imediatamente, porque precisava do CND com urgência. O servidor foi preparar a guia, mas voltou com uma notícia alvissareira, de que a lei municipal isentava da taxa os terrenos e, deste modo, o contribuinte não precisava efetuar o pagamento, porém, teria de entrar com requerimento de isenção, devidamente protocolado, e aguardar o deferimento, o que demoraria uns trinta dias, levando em conta o trânsito do processo administrativo. Napoleão explicou a urgência da certidão, não podia aguardar a aprovação da isenção, da qual abria mão, renunciando ao benefício, e que fizessem a guia para pagamento, o que não poderia ser feito, segundo o servidor, porque não havia base de cálculo para cobrança da taxa em relação aos terrenos.

Tudo isso foi explicado mais tarde por Napoleão das Contas na Delegacia de Polícia, ainda em camisa de força, mas já acalmado graças aos fortes medicamentos recebidos, ao explicar os motivos que o levaram a lançar a cadeira na cabeça do servidor que, graças a Deus, já foi liberado da UTI e passa bem.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Manicômio Fiscal – O Alvará do Estabelecimento

Da série “Conversa de Botequim”


- Turiassu Campo Livre!!! Como vai esta magnitude?
- Grande Onefrino!!! Vamos apertar os ossos!!
- O amigo vai beber o quê? Eu estou de Sanga Funda!
- Maravilhosa, mas hoje vou de cachaça mais forte... Garçom!! Me vê uma Seleta!!
- O amigo parece aporrinhado, aconteceu alguma coisa?
- Ah! Hoje eu tive de ir a Prefeitura para tirar alvará de um cliente, tu sabes...
- Meu Deus!! Tu ainda tens coragem?
- O que vou fazer? Sou contador e o cliente está pagando...
- Pagando pouco pela chateação! Continuam as exigências?
- Tudo aquilo, mas o problema é ficar andando de setor a setor.
- Quantos cadastros têm a Prefeitura?
- Eram quatro e agora tem mais um, no Urbanismo.
- E tem que ir a todos?
- Isso! E todos pedem os mesmos documentos...
- A Secretaria de Finanças tem dois, não é mesmo?
- Isso! Um Cadastro Imobiliário e outro Mobiliário...
- Não poderiam juntar num só?
- Acho que sim, mas o Imobiliário trata do imóvel e o Mobiliário trata do Estabelecimento.
- Pera aí, não entendi. Estabelecimento não está no imóvel?
- Claro que está! Mas um cadastra os dados do imóvel e o outro cadastra os dados da atividade.
- Coisa esquisita... E você teve que ir aos dois?
- Pois é! Havia uma dívida de IPTU e me mandaram resolver no Imobiliário.
- Pelo visto o seu cliente é relapso.
- Nada disso! O meu cliente é locatário! A dívida era do proprietário!
- E para tirar alvará, o IPTU tem que estar em dia?
- Pois é.
- O que as calças têm a ver com a cueca?
- Sei lá... Às vezes a cueca está suja e a sujeira pega nas calças, eu não sei...
- E se o proprietário não pagar o IPTU o seu cliente não tira alvará?
- Não tira! Nem que a vaca tussa!
- Caramba!! Conseguiu resolver?
- Ah, tive que pagar o IPTU. Meu cliente que resolva com o proprietário.
- Bem, pelo menos resolveu e saiu com o alvará...
- Que alvará nada! Me mandaram ao cadastro da Vigilância Sanitária!
- Qual é a atividade?
- Escritório de advogado...
- E escritório de advogado precisa de Vigilância Sanitária?
- A Prefeitura diz que precisa... Tive que pagar outra taxa...
- Taxa de quê?
- Já paguei Taxa de Alvará, Taxa de Vistoria, Taxa de Fiscalização de Posturas, Taxa de Vigilância Sanitária...
- Nossa!! Um caminhão de taxas...
- E ainda tem Taxa de Meio Ambiente, Taxa de Urbanismo, Taxa do Bombeiro, Taxa da OAB...
- Puxa!! Como é caro tirar um alvará...
- E todo ano tenho que pagar tudo novamente...
- O quê!? Garçom!! Vou trocar a Sanga Funda por uma Seleta!

domingo, 12 de maio de 2013

A modernidade

- É uma pena, professor, o senhor não ter conhecido Piru-piru antes da minha gestão! O senhor não acreditaria que estivesse visitando a mesma cidade!
- (...).
- Antes da minha gestão aqui só tinha casa ou alguns prédios de dois andares! Agora, dê uma olhada, um monte de edifícios! Já têm oito edifícios de vinte e dois andares!
- (...).
- Olha o trânsito!! Tudo engarrafado, uma beleza! Antes da minha gestão, as ruas vazias, tudo deserto, um carro aqui, outro ali, uma tristeza.
- (...).
- Ouça o gostoso do barulho! Carro buzinando, carro com som estridente! Antes da minha gestão a gente só ouvia a buzina do carro de gás, o pregão do verdureiro... Eu fui o primeiro prefeito a trazer semáforos para a cidade!
- (...).
- Dê uma olhada na fachada dos prédios, professor! Tudo cercado com muros e grades! Antes da minha gestão, o senhor não vai acreditar, era tudo aberto, às vezes uma cerca de madeira para evitar a entrada de animais, as portas viviam abertas, isso aqui era uma roça!
- (...).
- Investi no progresso! Aqui não havia indústria! Eu trouxe três grandes empresas! Concedi benefício fiscal, doei terrenos, isentei de tudo que era tributo. São seis mil empregos!!
- (...).
- Aqui não tinha gente suficiente, as empresas tiveram que trazer trabalhadores de fora, a maioria veio com suas famílias, a cidade cresceu!!
- (...).
- Tive que construir mais postos de saúde, mais escolas, abrir loteamentos para construção de novas casas, uma explosão demográfica!
- (...).
- Acredite se quiser, aqui não tinha nem delegacia! Um postinho policial e nada mais! Agora tem delegacia e até cadeia! Não havia vida noturna! Temos agora diversas boates, casa de show, pagode, tem até blitz de bafômetro!!
- (...).
- Tenho o orgulho de dizer que, agora, Piru-piru é uma cidade! Já consta até nas estatísticas estaduais de crimes! Roubos, tráfico de drogas, quem podia imaginar um crime de morte aqui? Pois agora a média é de dois assassinatos por mês!
(...).
- Para o senhor ter uma ideia, antes ninguém se importava com Piru-piru. Pois eu sou o primeiro prefeito desta cidade convidado a participar da marcha dos prefeitos em Brasília, veja que mudança! Já tirei até foto com a Presidenta!
(...).
- Ah-ah, parece mentira, mas chego a receber duas visitas por dia de empreiteiros e empresas da capital que querem prestar serviços à Prefeitura. E gente importante! Toda engravatada! Já fui até convidado a fazer um curso de mentirinha em Buenos Aires com tudo pago!
- (...).
- Bem, é verdade que muitas famílias antigas da cidade foram embora. Alguns casos de suicídio também. Impossível agradar todo mundo! São os ossos do progresso, professor!

segunda-feira, 6 de maio de 2013

O genro do prefeito

O Prefeito detestava o genro, mas, pressionado por sua filha e, consequentemente, pela esposa, foi obrigado a empregá-lo na Prefeitura, apesar da enorme antipatia que lhe reservava aquele mandrião, um verdadeiro paspalho.

Nomeou-o para o Gabinete, sem saber, contudo, qual função daria ao idiota. Irritado por ser obrigado a atender aos pedidos da família, tramou um castigo: nomearia o genro para exercer uma função ridícula, que seria alvo da chacota de todos. Deu-lhe a incumbência de ser o chefe dos banheiros da Prefeitura, com a responsabilidade de tomar conta daqueles recintos, verificando quem os frequenta, quantidade de usuários, quem lá se esconde na vadiagem, quem dorme no vaso, em suma: os banheiros seriam dele! O genro nem por um momento percebeu a ironia do sogro, afinal, ele queria mostrar serviço, e, para ele, emprego é emprego, principalmente no cargo de Chefe.

Assumiu o cargo, levou papel e caneta, e passou a anotar as ocorrências sanitárias.  Cansado de ficar em pé, conseguiu uma mesa e uma cadeira, sentindo-se, então, um verdadeiro chefe. Afinal, não tem cabimento chefe sem mesa.  Dias depois, percebendo a surpresa dos funcionários ao encontrá-lo instalado no interior do banheiro, como se ali fosse um escritório, providenciou uma placa identificativa: “Chefe do Banheiro”.

Conseguiu uma máquina de calcular para ajudá-lo nas somas.  Mostrando-se bem criativo, procurou cumprir sua tarefa com perfeição, utilizando a estatística.  Uso médio de cada privada, percentual de utilização dos mictórios, tempo médio de permanência, custo per capita de papel higiênico, número de usuários versus contingente de funcionários, criou o PIB – Produto Interno do Banheiro, além de várias outras elucubrações matemáticas, todas perfiladas mensalmente em extenso relatório enviado ao Prefeito, seu sogro, sob o título “Confidencial”. O alcaide nunca os lia, mas os funcionários do Gabinete viam a capa lacrada daqueles relatórios e temiam o misterioso conteúdo. O que será que ele relata ao Prefeito? Seria ele o espião do Prefeito? Todos passaram a temê-lo e, por viés, adulá-lo. O Chefe do Banheiro passou a ser tratado com o maior respeito e consideração, todos procurando atender os seus pedidos, por mais estranhos que fossem.

Já assoberbado de trabalho, solicitou ao Departamento de Pessoal dois auxiliares.  Ao Departamento de Material duas mesas, cadeiras, um computador e uma impressora.  Esses equipamentos deram-lhe condições de ampliar suas atividades.  Mandou contratar uma moça para trabalhar no banheiro feminino e, logo depois, providenciou outra funcionária, pensando no problema do rodízio do almoço.  Sem lugar de guardar os papéis, mandou comprar arquivos e armários.  E selecionou uma secretária. Afinal, não tem cabimento chefe sem secretária.

Em vista do número de pessoas lotadas naquela Chefia, a Secretaria de Administração, em obediência ao Plano de Cargos e Salários da Prefeitura, e, principalmente, com o desejo de agradar o genro do Prefeito, transformou a Chefia em Departamento e ele de Chefe ao cargo de Diretor.  A essa altura, além do mobiliário, havia tantos funcionários trabalhando no interior do banheiro, que ele resolveu limitar o número de usuários.  Somente entraria um de cada vez, e os demais fariam fila do lado de fora. Aconteceram cenas desagradáveis, de pessoas apertadas, sem tempo de esperar e mijando no corredor. O Diretor, após profunda análise do sério problema e cansativas reuniões com seus auxiliares, determinou a criação de duas filas: uma dos usuários das privadas e outra dos necessitados dos mictórios, permitindo a excepcionalidade de um apertado furar fila, desde que solicitada a permissão formalmente, via requerimento protocolado. Tudo muito bem feito, com sinalizações e letreiros eletrônicos, adquiridos após vultosa licitação. E pediu à Secretaria de Obras a construção de mais dois banheiros, pois a demanda dos existentes estava efetivamente saturada. Devido ao seu tino empreendedor, e sugestões dos lobistas que o cercavam, criou o cartão magnético CGC – Cocô Golden Card -, com o qual o usuário poderia abrir as portas dos compartimentos de privadas, sem usar a mão suja nas maçanetas. Graças a este projeto, foi-lhe concedido o título de “O Inovador do Ano”, por uma revista de circuito nacional, em troca de razoável contribuição financeira. 

Quando foi promovido ao cargo de Superintendente da nova Superintendência de Necessidades Básicas – SUNEBA - assumiu, também, o controle dos bebedouros e da copa.  Tudo ia bem. Ao Prefeito, visivelmente surpreendido com o desempenho do outrora idiota, somente chegavam boas notícias, não pelo trabalho em si, mas por ser o genro do grande chefe, e o seleto grupo de sua intimidade não lhe afrontaria falando mal do marido de sua filha.

Especula-se que o genro será candidato a deputado federal nas próximas eleições.