quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O desabafo do Fiscal

Recebi de um Fiscal uma mensagem que expressa o pensamento abaixo. Fiz alterações no texto para não prejudicar o sigilo da procedência, mas o sentido permanece exatamente o mesmo. Talvez esteja aí o fiel retrato da fiscalização dos pequenos municípios brasileiros. Um problema que se torna eterno e não se resolve.
Prezado Dr. Roberto Tauil,
Gostaria de parabenizá-lo pelos artigos publicados por sua empresa. Já li vários artigos, mas um deles chamou a atenção, um que trata do planejamento da fiscalização tributária, porque estamos, justamente agora, pleiteando uma reestruturação das nossas atividades. O nosso cargo é intitulado “Fiscal”. Somos um total de quatro “Fiscais”, num Município que tem uma população em torno de 30 mil habitantes.
Naquele artigo, parece que o senhor comentava a nossa situação. Como disse, o nosso cargo é de “Fiscal”, com as seguintes atribuições e funções da forma disposta na nossa lei municipal:
Atribuições do cargo: Fiscaliza estabelecimentos comerciais, feiras, diversões públicas, bares, casas de jogos, comerciantes autônomos e outros, também os tributos municipais, inspecionando estabelecimentos industriais, de prestação de serviços e demais entidades, e ainda, as obras de construção civil, verificando o cumprimento das legislações pertinentes, a fim de fazer cumprir a política do município. Executa tarefas correlatas determinadas pelo superior imediato.

Funções do Fiscal; Taxas; Tributos; Impostos; Emolumentos; Contribuição de Melhoria; Hierarquia; Direitos e deveres do funcionário; Fiscalização de Feiras Livres; Comércio ambulante; Legislação Municipal Específica; Chefia e Liderança.

Conforme acima, percebe-se a amplitude de atribuições e funções do nosso cargo. Como o senhor disse no artigo, estamos enquadrados entre os Fiscais Genéricos, ou Fiscais do Faz Tudo. Ou seja, Abrangência total, Especialização zero.

Pois é, fazemos de tudo: examinamos projetos de obras de construção; fiscalizamos estabelecimentos sem inscrição municipal; fiscalizamos e punimos quem lança lixo nas ruas; entregamos correspondência da prefeitura; reprimimos invasões de áreas; expulsamos ambulantes; laçamos animais nas ruas. Enfim, qualquer problema urbano nós é que resolvemos.

Por isso, não temos sede ou instalações. Trabalhamos na rua, e temos uma salinha para, uma vez por dia, apanhar e devolver processos. Tipo sala individual, onde só cabe um de cada vez. Fazemos fila na porta, esperando que o colega resolva suas coisas e saia.

Bem, os munícipes fiscalizados ficam na dúvida da legalidade desse nosso amplo poder fiscalizador. Não deixam de ter razão. Enfim, em certo momento somos engenheiros de obras; somos inspetores de lixo; somos vigilantes sanitários; somos do meio ambiente; somos até carteiros. Se não fosse a miséria do salário, ficaríamos até orgulhosos de tanto poder.

Mas, na verdade, nada contribuímos na arrecadação de impostos. A chefia não nos dá ordens de fiscalizar o ISS. O IPTU é lançado internamente e nossa função é de carteiro, entregar as guias nas casas. O ITBI, ninguém sabe como funciona, mas o Cartório, vez por outra, pede a emissão de guia, já fornecendo os dados e valores. Uma festa quando isso acontece, porque não sabemos o motivo de uns pagarem e outros não pagarem. O Oficial do Cartório não tem paciência de explicar os motivos, e a chefia não quer aborrecer o homem, amigo de certas autoridades.

Contudo, somos bons em multar! Multamos todas as infrações: lixo na rua, estabelecimento sem alvará, obra sem licença, estacionamento irregular. Quando a gente anda nas ruas, os infratores se escondem... Bem, os pequenos infratores, os grandes não são da nossa competência. Vez em quando, só de farra e para irritar os gestores, multamos um grande, dando-lhe o trabalho de comparecer nos gabinetes para rasgar a multa, junto com o processo.

É assim a nossa vida de trabalho, Dr. Tauil. O nosso grande desejo seria que surgisse um novo gestor, que entendesse realmente de administração fazendária e colocasse as coisas nos seus devidos lugares. Que soubesse instituir normas e procedimentos administrativos adequados; que soubesse dividir as funções dos cargos de carreira; que soubesse organizar os cadastros; que soubesse informatizar os controles; que soubesse como arrecadar.

Enquanto não surge, ficamos assim: ganhando pouco e fingindo-se de fiscais. 

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