segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

2014!!!

Ainda tenho esperança de um mundo melhor, um Brasil melhor, para o meu neto Heitor, para todos os meus netos, para todas as crianças. E que a natureza continue a frutificar, como o cajueiro do meu quintal.

sábado, 21 de dezembro de 2013

A questão do aumento do IPTU

Não pretendo discutir o caso isolado de São Paulo, mas de todos os Municípios que lidam com o problema de revisão do valor do IPTU.

Tudo gira em torno da definição da base de cálculo do referido imposto: a base de cálculo é o valor venal do imóvel. Valor venal é o valor de mercado do imóvel em condições normais de compra e venda. Se o mercado imobiliário fosse estável em todas as regiões de uma cidade, sem oscilações nas ofertas e nas procuras, bastaria encontrar um valor venal razoável e apenas atualizá-lo anualmente de acordo com os índices da inflação. A base de cálculo exigida na lei seria atendida por anos e anos.

Mas, em geral, o mercado imobiliário é dinâmico, ele pulsa de forma acelerada ou frenética em um grande número de cidades e, às vezes, para atrapalhar mais, um determinado bairro tem mais demanda do que em outro. Um pedaço da cidade cresce e acelera os preços dos seus imóveis, enquanto outro pedaço nada apresenta de evolução. Há, inclusive, algumas regiões urbanas que podem sofrer desvalorização repentina ou sistemática. A violência localizada é uma das causas de desvalorização dos imóveis lá existentes.

E manter os tais valores venais atualizados é uma das mais árduas tarefas dos técnicos da prefeitura. Em cidades pequeninas esta tarefa é mais fácil de ser executada. Estive certa vez em um micro município catarinense onde o chefe do setor imobiliário conhecia de cor e salteado o valor de todos os imóveis urbanos. Mas a cidade era uma rua cercada de montanhas por todos os lados. Assim é fácil.

Por isso, a maioria dos municípios usa uma espécie de planta ou mapa de valores genéricos por metro quadrado dos terrenos. No bairro A, o metro quadrado de terreno vale X reais; no bairro B, já vale Y reais, e assim por diante. Todavia, a localização do imóvel no bairro, a constituição do terreno, a tal pedologia, e a sua situação em relação à rua onde se situa, tudo pode implicar em valor maior ou menor que aquele padronizado no bairro. Por exemplo, um terreno alagadiço pode valer menos que um terreno sólido; um terreno de aclive pode valer menos que um terreno plano; um terreno de esquina pode valer mais que um terreno de única fachada. Mas, todas essas ponderações são feitas na base da intuição, porque nada prova na prática que um terreno de esquina, por exemplo, vale 20% mais do que um terreno com uma única frente. Aliás, muitas plantas genéricas de valores são elaboradas na mais alta técnica do chutômetro.

Depois vem o cálculo da edificação. Costuma-se distinguir as edificações da forma: Padrão A; Padrão B; Padrão C e vai por aí. Aplica-se, em geral, um percentual de depreciação do prédio em função do seu tempo de construção, como se uma edificação com vinte anos de existência valesse menos do que uma com cinco anos de construção. Achado o metro quadrado da edificação, de acordo com o padrão construtivo, multiplica-se pelo tamanho e, pronto, chega-se ao valor da construção.

Soma-se este com o valor do terreno e teremos a base de cálculo do IPTU. Mesmo sendo um valor razoavelmente chutado, o chute pode bater na trave ou passar rente ao gol da realidade do mercado. Na trave ou rente ao gol, o chute já é considerado muito bom e baseado nele o imposto é calculado e cobrado.

Ocorre, porém, que a esmagadora maioria das prefeituras estabelece esses parâmetros em determinada época ou momento, e assim fica por anos e anos, como se o mercado imobiliário sofresse de um repentino desmaio e estacionasse no tempo.

Poucos prefeitos gostam de atualizar a tal planta de valores genéricos, medida impopular porque, provavelmente, vai provocar o aumento do IPTU. E desta forma, a tal base de cálculo perde sua validade pelo andar do tempo. O chute já está mandando a bola na arquibancada. E aí, vem um prefeito e resolve atualizá-la e sai escrachado com fama de inimigo do povo. Mas, todo mundo esquece três aspectos importantes:
- os proprietários dos imóveis, incluindo as grandes empresas e os poderosos, ficaram anos e anos pagando valor menor do que deviam, aproveitando-se do descaso e da negligência dos prefeitos que não procuraram cumprir a lei e corrigir o valor do imposto, perdendo recursos que poderiam ter sido aplicados na melhoria dos serviços públicos;
- os prefeitos anteriores, que se omitiram e descumpriram a lei (valor venal é lei), não são denunciados pelo Ministério Público por improbidade e nem, tampouco, acusados pelo Tribunal de Contas. Como se sabe, erros de direito não retroagem e as diferenças antigas estão irremediavelmente perdidas;
- quando a revisão do valor venal não é feita por anos seguidos, o “aumento” provocado por uma nova revisão pode atingir valores demasiadamente elevados, e, por isso, a Justiça considerá-los de confisco, mandando retornar à base antiga. Ou seja, a evasão pode permanecer ad aeternum.


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A chamada “máfia do ISS”

O assunto continua a pleno vapor, principalmente por atacar os brios de São Paulo, a portentosa cidade do nosso País. Afinal, roubar tostões não dá ibope. Retorna-se, assim, ao tema.

Corrupção se combate com controles. Controles rígidos, de segurança máxima e indevassável. E controle eficaz é aquele que obriga aos servidores o cumprimento da lei. Que lei? No presente caso, a lei municipal, a lei do Município de São Paulo. Auditor Fiscal Municipal não é legislador, não é juiz, não pode interpretar a lei ao seu modo. Concorde ou não, o Auditor Fiscal é executor da lei municipal.

Pois bem, o Decreto Paulistano nº 53.151, de 17/05/2012, expressa essa preciosidade:

“Art. 32. É indispensável a exibição da documentação fiscal relativa à obra na expedição de "Habite-se" ou "Auto de Conclusão" e na conservação ou regularização de obras particulares.

Parágrafo Único - Os documentos de que trata este artigo não podem ser expedidos sem o pagamento do Imposto na base mínima dos preços fixados pela Secretaria Municipal de Finanças, em pauta que reflita os correntes na praça”.

Ou seja, a própria legislação dá margem às negociatas, as tramóias, à corrupção, pois estabelece uma exigência de absurda truculência. Estando a obra perfeitamente concluída, projeto obedecido, aprovada pela fiscalização de obras, o tal habite-se é direito do construtor e a existência de qualquer suspeita de débito tributário não pode impedir a liberação desta certidão. Isso é abuso de poder!

Por mais que se sabe, não se cansa de dizer: dívida tributária se cobra na Justiça! Não pode o Fisco usar da força bruta para receber seus créditos. E impedir a habitabilidade de um imóvel por estes meios é, sim, ato de constrangimento de direito.

Outro aspecto peculiar é a posição das empresas incorporadoras. Todo mundo sabe que incorporação imobiliária não gera ISS. Incorporação não presta serviços; vende imóveis. Contudo, sabe-se também que as incorporadoras são grandes tomadoras de serviços, geralmente de empreiteiras, e de acordo com a lei são responsáveis em reter o ISS quando efetuar o pagamento de tais serviços.

Todavia, mais uma vez a legislação municipal é confusa. O art. 31 do citado decreto diz assim:

Art. 31. Nos casos dos serviços descritos nos subitens 7.02, 7.04, 7.05, 7.15 e 7.19 da lista do "caput" do artigo 1º deste regulamento, considera-se receita bruta a remuneração do sujeito passivo pelos serviços:

I - de empreitada, deduzidas as parcelas correspondentes ao valor:

a) dos materiais incorporados ao imóvel, fornecidos pelo prestador de serviços;

b) das subempreitadas já tributadas pelo Imposto, exceto quando os serviços referentes às subempreitadas forem prestados por profissional autônomo;

Como se vê, a legislação paulistana permite deduções dos materiais aplicados na obra e das subempreitadas já tributadas pelo imposto. Essas deduções complicam os cálculos e exige uma série de ações fiscais junto aos contribuintes. E os contribuintes são as empreiteiras, não são as incorporadoras! A obrigação das incorporadoras é, enquanto tomadoras de serviços, de efetuar a retenção conforme lhes foi apresentada a conta pelo prestador. Não pode o Fisco atribuir-lhes responsabilidades de Fiscais do Município, se até mesmo perante o Fisco o levantamento do valor correto do imposto é trabalho extremamente complicado. Outra violência!

E mais ainda: a lei batiza de “solidário” na obrigação tributária os incorporadores. Ora, meu Deus! Somente aqueles que estão no mesmo polo da relação jurídica podem ser solidários. Por exemplo, dois prestadores de serviços; dois proprietários de um mesmo imóvel. Esses podem ser solidários, se a lei assim determinar. Mas nunca de pessoas em pólos antagônicos, tipo tomador e prestador de serviço, comprador e vendedor de um imóvel. Uma ilegalidade flagrante!

Por isso, causa espécie (causa espécie é ótimo) a posição dessas incorporadoras corruptoras. Ao serem coagidas, por que não ingressaram com pedido de liminar na Justiça? Por que não fizeram valer os seus direitos? Onde está o Jurídico dessas enormes empresas? Estranho, não é mesmo?

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A televisão e o vizinho

Ao chegar de viagem recebi a notícia de que o nosso vizinho, do lado direito de quem vai, havia enlouquecido e encaminhado incontinenti ao manicômio sob camisa de força.  Contaram-me que durante a janta, durante acalorada discussão dele com a televisão, remeteu um cinzeiro de pedra, bem pesado, contra a cara do âncora que transmitia as notícias sem esconder aquele sorrisinho idiota a mostrar seus dentes álveos e brilhantes, prenúncio da propaganda que vinha logo a seguir da kolinos, por certo aquele sorriso lhe renderia um cachê.


A vizinha, esposa do desvairado, já andava apreensiva com a saúde mental do marido, pois a mais ou menos um mês atrás ela confessara à minha mulher certas atitudes estranhas do indigitado cônjuge, como, por exemplo, a mania de discutir com a televisão.

“Ele não aceita as mentiras das notícias e começa a discutir com a televisão”, dizia ela.  “O pior é que a televisão não responde, nada escuta, ela não tem a educação de interromper a programação para ouvir as ponderações e contestações do meu marido, e isso o deixa exasperado”. E continuou: “Fica o comentarista dando aquele boa noite e meu marido gritando para que ele continue na tela e enfrente o diálogo se for macho, mas que nada, o sujeito some e aparece logo uma mulher pelada tomando banho e dizendo que o sabonete Hólio é o melhor do mundo. Meu marido, irritado, muda o canal esperando encontrar alguém capaz que tope uma discussão”. E concluiu, tristonha, “isso acontece toda noite, coitado do Chicão” (Chicão é o marido)

Minha mulher, na época, tentou reanimá-la: “Por que você não procura conversar com ele. Certamente, seu Chicão está precisando de alguém para conversar”.  Choramingando, ela respondeu: “Já tentei, mas ele diz que eu sou escrava da televisão, que ela me dominou, já fui subjugada, que eu já faço parte do enorme grupo de alienados. Ele diz que eu sou uma televisada, não sei bem o que isso significa, e tudo porque gosto de novelas, os programas do Faustinho, do Ratão, do Dudu Liberado, as pegadinhas, ah, adoro ver gente sendo enganada e levando tombo, como gosto também dos programas sérios, aqueles que fazem milagres e cura os doentes na nossa frente... Você assiste televisão, não é?” Minha mulher mudou de assunto.

No dia seguinte, de acordo com os preceitos sociais de boa vizinhança, fui ao manicômio visitar o meu vizinho, encontrando-o, que surpresa, bem disposto e falador, como de costume.  Disse-me estar arrependido da agressão cometida, atirar um baita cinzeiro na cara da televisão, mas não resistiu quando o sujeito das notícias comentou que o desemprego estava caindo, o PIB está subindo, o serviço público está melhorando e a conta de luz vai baixar.  “São vergonhosas mentiras, vizinho! Como pode alguém entrar na minha casa, dizer mentiras e desaparecer da tela, sem ouvir uma pronta contestação? Isso é um desaforo! Um visitante educado não pode agir assim!” .

Explicou-me que o motivo de ser isolado ao manicômio foi o fato de agredir a televisão, aparelho dos mais respeitados e idolatrados de uma casa, o juiz estava visivelmente ofendido. Se tivesse atingido a geladeira, o fogão ou o computador, a pena seria atenuada, praticamente irrelevante, engoliria um calmante, um suco de maracujá e tudo se resolvia. Mas, a beata televisão? Crime hediondo!

De qualquer forma, ele estava bem, a conversar com os malucos e receber respostas adequadas, como convém numa conversa. A única coisa que não lhe permitiam era assistir televisão no refeitório. Afinal, quando a televisão fala todo mundo se cala e ninguém lhe tira a razão, menos o Chicão.



sábado, 23 de novembro de 2013

O Fiscal de Posturas

Da série: Conversas de Botequim

- Sabe da maior? Passei no concurso para Fiscal de Posturas!
- Poxa! Que boa notícia! Parabéns, cara!
- Agora, é só fazer exame médico e ser nomeado.
- Me diz uma coisa: o que é Fiscal de Posturas?
- Ora, Fiscal de Posturas é... Bem, acho que Fiscal de Posturas fiscaliza os camelôs...
- Camelô? Não é a Guarda Municipal que vigia os ambulantes?
- Não! A Guarda Municipal protege o patrimônio público.
- E as ruas não são do patrimônio público?
- Bem... Na verdade, a Guarda Municipal orienta o trânsito...
- Porque o trânsito está nas ruas...
- Ah, não sei! Acho que Fiscal de Posturas fiscaliza a taxa de alvará.
- Taxa de alvará? O que é isso?
- As lojas têm que ter alvará e a Prefeitura cobra uma taxa.
- Mas este negócio de fiscalizar taxa não é serviço do Fiscal de Tributos?
- Não! Fiscal de Tributos só fiscaliza impostos.
- Então, o nome deveria ser Fiscal de Impostos...
- Se Fiscal de Tributos fiscaliza taxa de alvará e se Guarda Municipal fiscaliza camelô, o que é que Fiscal de Posturas faz?
- Ora, sei lá, você é que fez concurso. A Prefeitura não explicou?
- Não explicou nada. Fiz a inscrição, fiz a prova e passei! Isso é tudo!
- Ah, acho que descobri! Fiscal de Posturas fiscaliza os estabelecimentos!
- Huum... Acho que não. Quem fiscaliza estabelecimento é a vigilância sanitária.
- Vigilância sanitária? É outro tipo de Fiscal?
- É! Vigilância sanitária fiscaliza a qualidade dos produtos e a higiene das lojas.
- Puxa, está difícil saber o que faz Fiscal de Posturas... Ah, quem sabe que é o Fiscal de Posturas que aprova o alvará?
- Acho que não... O alvará é aprovado na Secretaria de Fazenda.
- E qual é a Secretaria dos Fiscais de Posturas?
- Não sei... Acho que é Urbanismo...
- Pronto! Está explicado! Fiscal de Posturas fiscaliza as construções urbanas!
- Acho que não... Quem fiscaliza construções é o Fiscal de Obras.
- Fiscal de Obras!? Tem mais este Fiscal?
- Tem!
- Caraca! O negócio é complicado! Não está sobrando nada para Fiscal de Posturas fiscalizar.
- É verdade, eu não tinha pensado nisso. Afinal, o que é que eu vou fazer na Prefeitura?
- Eu que te pergunto. De repente, você vai fiscalizar os táxis, os ônibus...
- Quem faz isso é o Fiscal de Transporte...
- Então, vai fiscalizar os carros de som, essa barulheira infernal!
- Quem faz isso é o Fiscal de Meio Ambiente...
- Negócio complicado... Vai beber o quê?
- Uma cerveja Devassa, geladinha.
- É isto aí!! Fiscal da Devassa! Melhor que Fiscal de Posturas!
- Gostei do nome! Garçom!! Manda ver! Vamos devassar!!


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A Praça dos Mendigos




Uma Vereadora do Rio de Janeiro discursou na Câmara Municipal denunciando a integral ocupação de uma praça por mendigos, ou, talvez, “moradores de rua”, denominação politicamente mais correta. Disse a briosa edilícia que as mães e respectivas crianças foram enxotadas da praça diante da algazarra geral dos mendigos (moradores de rua), seus atos de vandalismo, os insistentes pedidos de esmola, a utilização dos jardins como se fossem sanitários, palavrões, brigas e assim por diante. Do mesmo jeito, foram expulsos os aposentados. E a Vereadora exige enérgicas providências da Prefeitura, no sentido de recolher a mendicância aos cofres públicos, digo, aos depósitos públicos.

Logo em seguida surgiram os defensores dos moradores de rua, a imprensa e alguns vereadores, a protestarem contra o afrontoso preconceito da Vereadora contra cidadãos e cidadãs que optaram por fixar residência na praça. Flagrante violação do Direito Constitucional, de acordo com as afirmações do Dr. Perdeval Borboleta, especialista em artigo 5º, e respectivos incisos, da Constituição Federal, ao dar entrevista no programa Domingão do Magrão.

Em vista de tamanha polêmica, eu não poderia isolar-me ao fato, pois todos sabem da minha indiscutida notoriedade em atuar no apaziguamento dos ânimos, apresentando sugestões saudáveis que consigam solucionar a problemática da dialética exacerbada. Minhas sugestões:

A – A Prefeitura batizar a praça com o nome Praça dos Mendigos e proibindo, expressamente, a presença de mães, babás, crianças e aposentados. Se houver desacato a essa ordem, as mães, babás e aposentados serão multados pela Guarda Municipal e os bebês recolhidos aos cofres públicos, digo, às creches públicas.

B – Instalar colchões e colchonetes na Praça dos Mendigos, para melhor conforto dos moradores de rua. Aliás, obrigação prevista no art. 5º da Constituição Federal, segundo a interpretação teleológica do Dr. Perdeval Borboleta. Banheiros químicos seriam bem-vindos, mas haveria a necessidade de ministrar treinamento de uso aos mendigos.

C – Dar início imediato ao Programa Bolsa Mendigo, cadastrando os moradores de rua e levando o pagamento mensal até as praças moradias, para que eles não precisem se locomover. Possível, mas não obrigatório, uma nova lei alterar a denominação jurídica de “moradores de rua” para “moradores de praça”. De uma forma ou de outra, é proibido cobrar IPTU dos seus possuidores. Poder-se-ia abrir uma exceção na lei e permitir usucapião da área pública. Uma emenda constitucional serviria.

D – Construir novas praças, denominadas “Praça da Melhor Idade”, destinadas às crianças, adolescentes e aposentados, que pagariam um pedágio para usá-las. Permite-se licitação para empresas explorarem economicamente os serviços públicos dessas praças, sob regime de concessão. As concessionárias seriam obrigadas a pagar ISS ao Município.



quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A Tabela da Moralidade

O Chefe do Departamento de Pessoal entra na sala do Secretário:
- Senhor Secretário, dá licença; preciso conversar com o senhor sobre um assunto grave.
- Entra! O que aconteceu?
- Tenho recebido várias denúncias de corrupção praticada por servidores. Dizem que já existe até uma tabela de propinas.
- Isso é grave! Você já viu esta tabela?
- Não senhor, mas dizem que há uma tabela de taxa de urgência. Se o processo for encaminhado no mesmo dia o interessado paga dez reais. Se for aprovado no mesmo dia, o interessado paga cem reais.
- Dez reais? Ora, isso não é propina, é uma gorjeta.
- Bem, não seria a mesma coisa?
- Claro que não! Propina é coisa grande, um gorjetão. Uma pequena gratificação é uma gorjetinha.
- Mas as duas não são imorais?
- Imorais? Realmente, esta é uma questão interessante... Como definir o que é moral ou imoral...
- Acho que receber propina, ou gorjeta como o senhor disse, é um ato imoral, não importa o valor.
- Nem tanto, meu caro. Cada pessoa tem um conceito próprio de moralidade. Se você encontra no chão de uma padaria uma moeda de um real, você entrega no caixa do estabelecimento?
- Eu entrego! O dinheiro não é meu.
- E se for uma nota de cinquenta reais, você entrega?
- Bem, confesso que vou ficar na dúvida, a gente ganha tão pouco aqui na Prefeitura...
- Está vendo? A moral de cada um depende do preço ofertado. Tem gente que não vende a sua moral por preço nenhum, mas tem gente que acha perfeitamente normal ficar com um real do alheio.
- O que devemos fazer, então?
- Bem, acho que devemos criar uma Tabela da Moralidade. Me dá um tempo para rascunhar essa Tabela... Vejamos... Pronto! Veja se ficou boa:

Tabela da Moralidade
Valor da Gorjeta/Propina
Efeito do Ato
Até R$50,00
Ato Moral
Acima de R$50,00 até R$100,00
Ato Moral, desde que não seja reincidente
Acima de R$100,00 até R$500,00
Ato Imoral com atenuantes
Acima de R$500,00
Ato Imoral


- Interessante... Assim, pelo menos, nós fixamos uma regra... Fica estabelecido o limite padrão da moralidade aqui na Prefeitura.
- Exatamente!
- E aqueles servidores que não aceitam nada, nem um real?
- Bem, a Tabela é sugestiva, não pretendemos mudar o conceito moral dos servidores, mas, com a Tabela, eles já tomam conhecimento da gravidade ou não dos seus atos.
- Está bem. Vou digitar essa Tabela e fixar nas paredes das repartições.
- Mas não assina! Deixa lá, coladinha na parede, sem ninguém saber se é oficial ou não. Afinal, moralidade é assunto de foro íntimo e, talvez, o prefeito discorde...


sábado, 26 de outubro de 2013

O infortúnio de ser prefeito

Da série “Conversas de Botequim”


- Meu amigo Ivanildo Precioso! Há quanto tempo!
- Rapaz! Que prazer te ver aqui!
- Você sumiu! Eu soube que agora você é prefeito de Manguezinho!
- Pois é. Este é o motivo do meu desaparecimento.
- Quer dizer que agora você frequenta os bares de Manguezinho.
- Que nada! Se eu quiser beber tenho que fugir de lá.
- Mas por quê?
- Meu amigo, lá em Manguezinho não tenho liberdade pra nada! Eu sou o prefeito!
- Poxa! Nem de beber?
- Você não imagina! Se eu beber, vão me chamar de pau d’água; se vou à igreja, vão me chamar de fingido e os fiéis das outras igrejas ficam zangados; se vou a um enterro, tenho que ir a todos; se ajudo a um, tenho que ajudar a todos. É um inferno!
- Bem, Manguezinho é um município muito pequeno, talvez seja isso.
- Manguezinho tem dois mil habitantes e eu acho que a metade da população fica na porta da minha casa todas as manhãs, querendo falar comigo. Tem gente que passa a madrugada na minha calçada para pegar lugar.
- Puxa vida! Vai beber o quê?
- Garçom!! Traz três Germana gelada!!
- Três? Somo dois!
- Vou beber duas de uma só vez. Cara, você não sabe a fria em que entrei.
- Ser prefeito?
- Isso! Ser prefeito de uma cidade de dois mil habitantes e todo mundo conhecido. Não posso nem cobrar os tributos!
- Ninguém paga?
- Se eu mando a guia para alguém da oposição, ele vai dizer que é perseguição política. Se eu mando a guia para alguém do meu partido, ele vai dizer que é traição. Ninguém paga!
- Mas você pode cobrar daqueles que não são políticos.
- Meu caro, numa cidade pequena todo mundo é político ou amigo de político, ou, então, inimigo de algum político. Não sobra ninguém!
- E como você paga as contas?
- Ah, tem um dinheirinho do governo federal, uns seiscentos mil por mês...
- Já dá pra alguma coisa...
- Tira a parte carimbada da educação e da saúde, sobram uns trezentos mil para pagar os funcionários, entregar a parte da Câmara Municipal, e acabou.
- Não sobra um dinheiro para melhorar a cidade?
- Sobra nada! E o povo reclama, diz que a cidade está suja, não tem coleta de lixo, não tem pavimentação, uma loucura!
- Mas o povo não paga os tributos e ainda reclama?
- Pois é. Olha, esse negócio de ser prefeito é uma furada. Minha mulher está querendo até se separar. Sai na rua e é vaiada, se veste uma roupa nova dizem que estou roubando.
- Nossa! Lamento o seu infortúnio...
- Obrigado, meu amigo. Posso lhe pedir um favor?
- Claro, prefeito, o que pedir!
- Você pode pagar essa conta? Estou durinho, durinho.


domingo, 20 de outubro de 2013

Comissão de Direitos Humanos proíbe gays na igreja

Recebi a seguinte carta:

Caro mestre,
Quando nasci, meus pais, os médicos e todas as demais testemunhas presentes decretaram que eu era do sexo masculino, pelo simples olhar do meu corpo despido. O fato de eu ter órgãos genitais masculinos já servia de prova irrecorrível. Mas, eu não era homem, era mulher, e não tinha meios de defender a minha própria convicção, porque, afinal, eu era um simples bebê recém-nascido.

Sem o meu consentimento, registraram-me com nome de homem e sexo masculino. Fui criada como homem, roupas de homem, brincadeiras de homem, jogos de homem. Não me deixavam brincar com bonecas, obrigavam-me a ficar chutando aquela bola idiota. Se eu chorasse, gritavam: “homem não chora!”. Eu queria uma saia, vestiam-me calças. Eu queria sandálias, calçavam-me chuteiras.

Na escola, o sofrimento era maior. Os meninos debochavam e me maltratavam, chamando-me de mulherzinha ou de bicha. As meninas me evitavam assustadas com aquele ‘menino’ que gostava de brincar com elas.

Em casa, meu pai não me tolerava, a me ofender por qualquer coisa que eu fizesse. O simples modo de andar, de falar, já era motivo de gritos e berros. Minha mãe me olhava como se eu fosse portadora de uma doença contagiosa. Ela chorava pelos cantos e me obrigava a acompanhá-la no culto, para ver se o pastor conseguia tirar o diabo do meu corpo.

Quanto mais crescia, maior o pesadelo da minha vida. Eu era vítima constante do bullyng na escola. Os professores faziam piadinhas a meu respeito na sala de aula, para provocar risadas dos alunos. Caro mestre, esta foi a minha vida na infância e juventude, e tudo pelo simples fato de terem errado o meu sexo. Eu era mulher, eu sou mulher, e ninguém respeitava a verdade da minha própria vida, como se eu não tivesse o direito de decidir sobre a minha própria natureza. Aliás, acho que esse direito realmente não existe.

Quando pude, fui embora da casa dos meus pais. Fiz concurso público (tive que registrar-me como homem) e fui trabalhar numa repartição repleta de pessoas preconceituosas, mas não me importei, já estava acostumada.  Confesso que não tive coragem de vestir-me como mulher. Para os demais, seria uma afronta, poderia ser prejudicada no serviço. Fui covarde, é verdade, mas, de tanto sofrer dissabores, ofensas e maledicências, mantive a roupagem de homem neste corpo de mulher.

Em toda essa vida, o meu único refúgio foi Deus. Mantive o costume imposto pela minha mãe de frequentar a igreja e sentir o conforto do Pai Eterno.

Recentemente, recebi uma graça divina: apaixonei-me por uma pessoa que era o inverso de mim. Era, oficialmente, mulher, mas, na realidade, era homem. E da mesma forma que eu, protegia-se nos braços de Jesus.

E agora, o infortúnio arrasador. O Pastor proibiu-nos de frequentar sua igreja. Considerou um escândalo participarmos do culto de mãos dadas. Fomos expulsos da Casa de Deus.

E vem daí, a minha consulta, caro mestre: o que posso fazer? Posso ingressar na Justiça contra a decisão do Pastor?

Atenciosamente,
(xxxxxxxxxxxxx)  


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Escudo contra meteoros condena o inventor

Luca d’Epaminondas, já considerado benfeitor da humanidade e o maior gênio da raça humana, foi condenado ao banimento do nosso planeta pela Corte Internacional de Haia. O motivo da condenação foi o de causar transtornos ao sossego público durante a tensa semana em que milhares de meteoros invadiram a atmosfera da Terra.

Em sua defesa, o cientista tentou explicar que a instalação do escudo eletromagnético em torno da Terra foi a salvação de todos os seres vivos do planeta e que o barulho das explosões dos meteoros no espaço, antes de atingirem o solo, foi um transtorno mínimo diante da apocalipse evitada. “Eu havia alertado as autoridades que centenas de meteoros de grande porte ultrapassariam a proteção natural da atmosfera e cairiam sobre a Terra, causando a devastação total. Nada fizeram, a não ser longas reuniões, almoços e jantares. Tive que agir por conta própria”, explicou o cientista.

Influenciou na decisão dos juízes o artigo publicado pelo Médico, Dr. Hannibal Lecter, na revista “Orelhas Sexuais”, famosa por suas fotos provocativas de orelhas totalmente despidas. O Dr. Hannibal Lecter, especialista em doenças auditivas de crianças de idade entre dois anos e três meses a quatro anos e cinco meses, sustentou a tese de que aquele barulho ensurdecedor ocorrido naquela semana prejudicaria a audição das crianças por toda a vida. “Se sobrevivêssemos à catástrofe, teríamos uma juventude de surdos”, disse o médico durante um almoço de churrasco de cordeiro mamão na sua residência.

Outro motivo da condenação de Luca d’Epaminondas foram os atos de vandalismo praticados durante a semana das explosões espaciais. Os grupos anarquistas denominados Black Blocs Noise, saquearam e destruíram lojas e equipamentos públicos e atacaram os policiais com armas de fogo e coquetéis molotov. Os policiais se defenderam com estilingues e cusparadas, porque as armas letais e não-letais estão proibidas. Os governos acusaram o cientista de ter sido o responsável indireto das depredações.

Alguns países da América do Sul enviaram moções condenatórias ao Tribunal de Haia, afirmando que o programa Bolsa de Proteção Auricular, pelo qual foram distribuídos milhões de aparelhos de proteção contra barulho para os bolsistas eleitores previamente cadastrados, provocou um enorme rombo nas contas públicas.

Outro fato de grande repercussão foi o número de suicídios naquela semana. Milhares de pessoas cometeram suicídio por não suportarem o intermitente barulho dos meteoros sendo destruídos na estratosfera. O Pastor Afonso Bórgia, da Igreja Apocalipse Divina, disse à reportagem que o escudo contra meteoros de Luca d’Epaminondas foi uma invenção demoníaca, contrariando os desígnios de Deus. “A chuva de meteoros foi um castigo divino e não podíamos evitá-la, e sim aceitá-la humildemente”, explicou o Pastor.

Sem direito aos embargos infringentes, Luca d’Epaminondas pediu um mês para cumprir a pena e ter tempo de preparar sua espaçonave. O inventor não informou para onde viajaria, mas se cogita que ele fixará residência no satélite Europa do planeta Júpiter, apesar do frio intenso lá reinante.  


domingo, 13 de outubro de 2013

Manicômio Fiscal - O ISS

Da série: Manicômio Fiscal
Clique no vídeo, e leia o artigo com a música.
A minha microscópica empresa está sediada em Petrópolis, mas eu moro em Niterói. Presto um serviço de treinamento num hotel de Curitiba para servidores municipais de Araucária (exemplo hipotético). Em qual Município devo pagar o Imposto sobre Serviços?
Bem, de acordo com a lei (Lei Complementar 116/03) devo pagar em Petrópolis. Acontece que o serviço nem foi desenvolvido em Petrópolis, organizei o curso na minha casa, em Niterói. E desenvolver o serviço não significa a sua execução. Executei-o em Curitiba. Mas os tomadores do serviço são de Araucária. Deste modo, em tese, se o simples desenvolvimento do serviço já se considera fato gerador do imposto, Niterói teria direito. Se o importante for o local de sua execução, Curitiba teria direito. Se o que importa é o destinatário (tomador) do serviço, Araucária teria direito.

Este é um simples exemplo de centenas de outros que afligem o Fisco, os contribuintes, a Justiça e os tributaristas. A doutrina, em maioria, diz que a hipótese de incidência do ISS é a efetiva prestação do serviço, ou seja, o momento em que o serviço for prestado é que se dá o fato imponível. Todos os procedimentos anteriores (assinar contrato, negociar preço, desenvolver e preparar o serviço) são prestações-meio e não servem como evidência material da efetiva prestação. Um contrato pode ser assinado e, mesmo assim, não ocorrer a prestação. Um serviço pode ser desenvolvido, estar pronto e acabado, mas o tomador não recebeu o seu resultado, por qualquer motivo. Não houve, assim, a ‘efetiva’ prestação. O momento fulcral surge quando o prestador cumpre a sua obrigação, isto é, quando entrega o resultado do serviço ao tomador. Esta é a posição da maioria doutrinária.

Por seu lado, a Justiça bate cabeça. Às vezes decide pelo local onde o serviço foi efetivamente prestado, às vezes decide pelo local do estabelecimento do prestador, e até mesmo pelo local onde o contrato foi assinado, como aconteceu na discussão do ISS de leasing. Os ministros do STJ ainda não encontraram o rumo certo, isto é, estão desnorteados. Levantam a caveira de uma cabeça e perguntam: “Serei eu um mero intérprete leguleio ou um doutrinador? Eis a questão.”

A Lei Complementar 116/03 fixa como regra matriz a incidência no local do estabelecimento prestador, mas, como se estivesse compondo o samba do branquelo doido, tenta explicar o que vem a ser estabelecimento, abrindo inúmeras variáveis até mesmo a de classificar como estabelecimento um escritório de representação, sem explicar a quem representa este escritório, se representa o prestador ou o tomador do serviço. E mais ainda: abre tantas exceções à regra matriz que esta acaba por não ser mais regra matriz de coisa nenhuma, apenas uma regrinha fútil para atarantar a vida dos outros.  

O Fisco Municipal tenta trazer a brasa para sua sardinha, porém, é verdade, muitos Municípios procuram seguir a lei federal. Todavia, qualquer tipo de serviço prestado à própria Prefeitura sofre retenção do imposto, esquecendo-se, neste ponto, a regra da lei.

E assim, no pátio do manicômio, discutem os loucos legisladores, ou pretensos legisladores, cada um com a sua tese lunática. E, em cima do muro, os contribuintes, perplexos, assistem a discussão, sem saber o caminho a tomar, tendo ao fundo os acordes da Dança Macabra, com os esqueletos bailando em volta deles. A perdida noiva vai acabar sozinha, sem saber em que esqueleto se agarrar.  





segunda-feira, 7 de outubro de 2013

São José dos Ausentes

Notícia em jornal: “Caiu neve em São José dos Ausentes”.



Sou de São José dos Ausentes, apesar de presente nesta terra incongruente, de calor inclemente e de neve surpreendente; este país continente, de extensas planícies, planaltos e vertentes, o país dos profetas videntes, de bizarros presidentes e de cândidos docentes, todos com seus discursos nobres e eloquentes. Sou de São José dos Ausentes, terra dos ricos imprudentes, de banqueiros intransigentes, do operariado pungente, da política ambivalente, do surrealismo vigente e de um povo silente.
Sou de São José dos Ausentes, onde a história só descreve o presente, sem explicar o passado correspondente, sem perspectivas futuras evidentes, a não ser de vãs promessas pendentes. Sou um dos ausentes, desses muitos inexistentes, essa massa invisível de gente, que apenas vota obediente e nem percebe o seu ato inconsequente.

Sou de São José dos Ausentes, palco da destruição do meio ambiente, de empreendimentos decadentes, da ladroagem reticente, de um poder político persistente, de uma camarilha subserviente, e de um povo (ah, o povo) no silêncio dos inocentes. E, ora, quem diria! Já tivemos a passeata irreverente, o Tiradentes, a revolta dos inconfidentes, a rebelião dos crentes, um fugaz grito independente e o massacre dos insurgentes.


Sou de São José dos Ausentes, já velho, cansado e doente, como muitos desse enorme contingente. Assisto a tudo, pacientemente. Tenho íntima pena dos irmãos carentes, que não percebem a realidade indecente. Sigo nesta estrada, sem nada pela frente, a não ser uma neve indolente, a cair, suavemente, nesta terra dos ausentes.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A vingança maligna

Da série: “Conversa de Fiscais”

Entrou esbaforida na repartição, jogando a bolsa em cima da mesa.
- Cara, estou p da vida! Uns calhordas! Desgraçados!
O parceiro, que estava sentado em sua mesa, assustou-se.
- O que houve? Recebeu trote de sequestro relâmpago?
- Que trote nada! O dono da empresa veio insinuar propina, filho da ...
- Hei! Olha o palavrão! Vamos lá! Senta aí direitinho e me conta o que aconteceu.
- Cara! Eu fico revoltada com essa gente que acha que pode nos corromper.
- O sujeito te ofereceu dinheiro?
- Ah, se oferecesse assim na lata eu chamaria a polícia, eu ia fazer um escarcéu! Mas esse pessoal é vivo! Ele insinuou, assim, como não quer nada, jogando a isca, o filho da mãe!
- Ah minha amiga, e você ainda não se acostumou a isso? Todo mundo acha que Fiscal é tudo ladrão.
- Pois é! E é isso que me revolta. Nós precisamos fazer alguma coisa!
- Você está certa, mas fazer o quê?
- A verdade é que a nossa profissão é ingrata, temos que estar sempre com um pé atrás... Tem café aí?
- Frio e aguado.
- Porra! Nem café a gente tem nessa repartição. O computador está funcionando?
- De manhã estava parado, mas agora voltou.
- Tudo bem. Estou com um plano na cabeça...
- Xii, lá vem encrenca!
- Me diz uma coisa: há quanto tempo trabalhamos juntos?
- Uns oito anos, eu acho.
- Pois é. E nesses oito anos quais foram os tipos de contribuintes que encontramos?
- Ora, de todos os tipos... Sonegadores e gente direita...
- Isso! Encontramos gente direita, sem maldade, que cometeram erros e nós autuamos, não é?
- O que podemos fazer? Errou, tem que ser autuado.
- Pois eu acho que este é o nosso erro. Se errar sem maldade, sem intenção, nós temos que ajudar, explicar como fazer, orientar, mas não autuar.
- Discordo. Nossa função é fiscalizar. Quem dá orientação é o contador e o advogado...
- Este é o nosso erro! Temos, sim, que ajudar os inocentes. A nossa legislação é muito complicada, cheia de exceções e regrinhas malucas. Agora, se ficar repetindo o erro, aí autuamos pela reincidência.
- E os sonegadores?
- Ah! Nos sonegadores porrada em cima! Sem dó nem piedade!
- Então, de acordo com a cara do contribuinte nós vamos saber quem autuar ou apenas orientar?
- Não é pela cara! É pela conduta, pelo comportamento! Você, com todo esse tempo de Fiscal, ainda não consegue perceber o caráter do contribuinte?
- Bem, a maioria sim, mas, às vezes, a gente esbarra com uns caras de pau, com aquela cara de anjinho e é um tremendo sonegador.
- Então, vamos fazer o seguinte: quando a gente sentir que o cara está com má intenção, nós fiscalizamos tudo, tintim por tintim, leve o tempo que for. E tudo que for errado, nós autuamos. Quando a gente sentir que o cara é correto, que não venha com insinuações maledicentes, a gente orienta, corrige, ajuda. Concorda comigo?
- No fim eu sempre concordo...
- Ótimo! Então me ajuda a olhar tudo desse cara que tentou me comprar. Vamos examinar tudo e qualquer erro que seja porrada nele!!
- Nossa! Você é vingativa!
- Meu amigo, a minha vingança está na caneta!


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O petróleo do “pré-sol”

Eu estava sentado ao lado do seu Broa no banquinho de madeira que a Prefeitura andou instalando na calçada da nossa praia. Nós olhávamos o grande mar a nossa frente, calados como convém em certos momentos de reflexão, oração e admiração. Eu gosto do seu Broa, pessoa ponderada, discreta, seu Broa tem uma idade indefinida, eu diria que a sua idade está entre cinquenta e oitenta anos, não sei dizer melhor. Seu cabelo curto e crespo ainda é preto, mas a barba rala já embranquece. A cor negra de sua pele é agora meio cinzenta, curtida pelo sol.

Depois de um bom tempo calado, ele disse naquele tom baixo e suave, sem desviar os olhos do mar: “Estou com uma ideia de ganhar dinheiro”. “O dinheiro não está dando?”, perguntei curioso, pois não sei bem de onde o seu Broa tira dinheiro, se de aposentadoria ou do bolsa família. “A família cresce, doutor. Chegou outro bisneto”, respondeu com a sua calma.

Olhei pra ele que mantinha os olhos no mar. “Qual é a ideia?” Ele mudou de posição, aprumou o corpo e respondeu: “Estou pensando em explorar o óleo do pré-sol”. Segurei um sorriso para não melindrá-lo. “O senhor está se referindo ao pré-sal”. Quem deu um sorriso foi ele. “Não, doutor, eu falo do pré-sol. Este pré-sal é dos bacanas, já está todo fatiado e reservado. Estou de olho é no pré-sol”. “Mas que óleo é esse, do pré-sol?”, perguntei. Ele explicou.

“Todas as noites, antes do amanhecer, esses navios que o senhor está vendo, que agora ficam estacionados aqui na beira da praia, limpam seus tanques e despejam o óleo no mar. Quando amanhece, a praia fica desse jeito, a água brilhando de óleo, a areia preta. Este é o óleo que eu quero explorar, o óleo do pré-sol”.

Olhei o quebra-mar e entendi. “E como o senhor pretende explorar esse óleo?”, perguntei. “Compro alguns barcos, contrato essa meninada, e todas as noites a gente retira o óleo da água e colocamos em garrafas pet. Fiz uns cálculos e acho que dá para encher umas quinhentas garrafas pet por noite”.

Percebi que o assunto era sério, aliás, o seu Broa não é de brincadeira. “E quem vai comprar o óleo?”, perguntei. “Ora, a Petrobrás. Falou em óleo ela compra tudo”. De forma alguma eu quis contradizer o amigo. Tentei ponderar: “Mas, seu Broa, o senhor vai precisar de dinheiro, comprar os barcos, as garrafas, contratar gente, abrir empresa...”. “Já pensei nisso tudo”, respondeu. “Pego dinheiro no Benedé”. Procurei corrigir delicadamente: “No BNDS? Mas será que ele empresta?”. Ele me olhou nos olhos. “Doutor, o senhor é homem letrado, mas ingênuo. Como foi que aquele moço, o tal de Aico conseguiu?”

Pensei um pouco para saber do que ele estava falando. “Ah, o Eike Batista! Mas o senhor não acha meio diferente? Ele é empresário, conhecido no mercado...” O seu Broa me interrompeu: “E não conhecia nada de petróleo. O segredo é o seguinte: arranja uns políticos pra mexer os pauzinhos, pede alguém pra botar a ideia no papel, eles gostam muito de coisa escrita, chuta a produção e o lucro pra cima, em vez de quinhentas garrafas por dia escreve quinhentas mil. Eles gostam de coisa grande”.
“E o senhor já tem os políticos?”. Ele passou a mão na cabeça. “Vou falar com aquele tal de Pisão, aquele que veio aqui naquela noite. Ele é candidato e todo candidato tem interesse em novos negócios”. Lembrei-me do Pisão, na noite de inauguração do início das obras de pavimentação na comunidade. “E qual vai ser o nome da empresa?”, perguntei. Ele coçou a barba rala. “Estou pensando em ipsilone, alguma coisa como OBY, Organização Broa Ipsilone. Aquele moço, o tal de Aico, botou X na empresa dele; eu ponho ipsilone”. “E quem vai escrever o projeto?”, perguntei desconfiado. Ele olhou pra mim e colocou a mão no meu ombro. “Estava pensando no senhor”. Sobrou pra mim.


sábado, 28 de setembro de 2013

Novo assunto na comunidade

Eram sete horas da noite e eu já estava acomodado no sofá, em frente da televisão. Aguardava o novo capítulo da série “Lei & Ordem - SVU”, 14ª temporada, mas o que surgiu na tela foi uma repetição da primeira, quando a atriz Mariska Hargitay ainda usava trancinha e piercing no nariz. Desiludido, fiquei rodando os canais, na dúvida se devia dormir mais cedo ou reler Agatha Christie, e veio então uma barulheira infernal lá de fora que me fez pular do sofá.

Um foguetório danado! O que foi? O que não foi? O Flamengo está jogando? Não! E os flamenguistas não estão propensos a gastar dinheiro com fogos, a coisa não anda boa; resolvi dar uma espiada.

A rua principal da comunidade estava cheia de gente, a maioria totalmente estranha, não era morador quem soltava fogos, eu logo vi, gente da comunidade não incomoda os vizinhos, a não ser gol do Flamengo, isso se justifica, mas é raro acontecer; a turma vinha andando e na frente duas autoridades, o prefeito (esqueci o nome dele) e o vice-governador, um tal de Pisão, segundo me disse o seu Broa que sabe das coisas.

O motivo da passeata público-interna era a inauguração do início das obras de pavimentação das ruas da comunidade, isto é, antes de fazer já se comemora. “Isso dá azar”, comentou seu Broa no meu ouvido. “Aniversário só se festeja na data certa”. E o foguetório comendo solto. As duas autoridades vieram em nossa direção para cumprimentar e por educação esticamos as mãos, seu Broa dizendo “sua majestade”. Foi quando o vice-governador falou alto para o prefeito: “esta rua principal também precisa de melhorias, está no projeto?”. Um sujeito que vinha logo ao lado respondeu: “Não está não, seu Pisão”. “E quando você cobra para consertar esta rua?”. O outro não pestanejou: “Um milhão dá”. E Pisão, com sua autoridade: “Então bota no projeto!”. Fiquei surpreso, nunca tinha visto licitação tão rápida.

Fiquei pensando no milhão pra lá, milhão pra cá, e eu fazendo cursinho pelo Brasil afora, por conta de minguados reais e um monte de exigências, certidões e comprovações de toda espécie, por que não fui ser empreiteiro de obra ou vendedor de fogos? E exatamente no momento da minha auto-lamentação, alguém começou a gritar: “Cambada de puxa-sacos!”; “Políticos safados!”. Não acreditei, era o Henheco, o eletricista extremista, que ressurgia depois do seu misterioso desaparecimento no dia de fúria das manifestações. O pessoal da comunidade olhou surpreso: “O Henheco está de volta!”, alguém gritou, e todo os comunitários correram em direção a ele, abraçando-o e perguntando por onde ele andou e gente já contando casos de curto-circuito, corte de luz, que precisava fazer um gato, todo mundo sentiu falta do Henheco.

As autoridades não gostaram daquela concorrência e o prefeito (esqueci o nome dele) já falava com assessores para mandar a polícia dar um novo sumiço no agitador, mas estava difícil, cercado como estava pelo povo da comunidade. Mesmo assim, um policial sem graça conseguiu aproximar-se e disse ao Henheco: “o senhor, por favor, pare de gritar”. E o Henheco respondeu: “Senhor policial, o senhor tem que prender os que usam máscara, eu não estou mascarado”. “E quem está?”, perguntou o policial olhando em volta. “Aqueles dois lá na frente”, respondeu o eletricista apontando o seu Pisão e o prefeito (esqueci o nome dele). “Eu não vejo máscara nenhuma”, disse o policial já enfezado. “Olha bem, senhor policial. Eles estão com a máscara da soberba”, disse Henheco. A turma caiu na risada, até o policial.

Deixamos a passeata pra lá, ficaram as autoridades com a sua turma, e fomos todos beber uma cerveja na mercearia, e ouvir as aventuras do Henheco. Voltei para casa meio bêbado, mas satisfeito. Minha mulher perguntou: “Que barulheira era aquela?”. Respondi: “O nosso eletricista está de volta”. Ela deu um sorriso, já pensando no fio partido da sua máquina de costura.    


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A Espionagem Eletrônica

Da série “Falando sério”


A Presidente Dilma discursou na ONU contra a tal espionagem eletrônica do governo norte-americano. Aqui entre nós, uma bobagem! Na verdade, todos os governos, ou, pelo menos, os mais equilibrados, deveriam investigar o que o resto do mundo está fazendo.

O nosso planeta é pequeno, já foi enorme, gigantesco, mas hoje está apertado em razão do crescimento vertiginoso da população mundial e dos meios modernos de comunicação. O mundo se encolhe, os espaços vazios desaparecem, o eco ressoa mais abrangente. O planeta Terra percorre o espaço sideral ribombando sons ensurdecedores tal qual caixa de música dos carros desses malucos surdos ao trafegar nas ruas das cidades. Os alienígenas devem tapar os ouvidos quando o nosso planeja passa pulsando ao largo. “Lá vão os malucos terráqueos”, devem dizer.

O governo brasileiro está “chocado” com as denúncias de espionagem porque as nossas autoridades não gostam de ler. O escritor Dan Brown, aquele que ficou famoso (e rico) com o livro “O Código Da Vinci”, havia publicado, em 1998, a sua primeira obra, denominada “Fortaleza Digital”, a contar as peripécias no mundo da espionagem eletrônica e a colossal estrutura da ANS – Agência de Segurança Nacional. Aliás, nos agradecimentos iniciais, ele escreve: “um agradecimento discreto para os dois criptógrafos anônimos, ex-membros da NSA (Agência de Segurança Nacional), que contribuíram de forma inestimável através de e-mails anônimos. Sem eles, este livro não poderia ter sido escrito”. Quem sabe se esses dois anônimos não eram da Wikileaks e um deles era o Snowden já botando as manguinhas de fora?

Vejam, então, que a ANS já existia há muito tempo e também já havia gente fofoqueira falando mal da agência. Sendo assim, qual é a novidade que tanto escandaliza o governo brasileiro?

A espionagem é necessária no mundo atual. Imaginem um laboratório industrial escondido num país carente de fiscalização que resolva desenvolver um vírus que pode dizimar a humanidade? Não dizem que foi isso que aconteceu com o HIV? Em 1970, a União Soviética resolveu perfurar a terra e chegar a 15 mil metros de profundidade (metade da distância até o manto central da terra). A perfuração atingiu 12.262 metros e aí parou por causa da temperatura de quase 200º C que inviabilizava a continuação do projeto. É o buraco mais profundo que a maluca humanidade já conseguiu. E, agora, outros malucos querem furar a terra até atingir o manto, cujo calor é superior ao da face do sol, segundo dizem os geólogos. Quais serão as consequências dessa perfuração, sabendo-se que a pressão na parte inferior do manto é equivalente a 1.400.000 atmosferas?

Temos que ficar de olho, sim! Não só em razão do terrorismo, mas também da ladroagem, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, contrabando de armas e tantas outras maluquices que inventam. Um vizinho pode, neste momento, estar montando um explosivo ao lado da sua casa e você nem sabe. Interferência em nossa privacidade? Sim! Este é o lado desagradável, tudo tem o seu lado inconveniente, mas, paciência, quem não deve não teme. Afinal, vivemos no mundo do “Big Brother” e devemos nos acostumar. O único cuidado que tenho é o de não levar celular quando vou ao banheiro. Quanto ao resto já não me importo mais.   


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Tratado Sociológico dos Puxa-Sacos

Ser puxa-saco requer técnica, ciência e sabedoria. O puxa-saco profissional usa a psicologia e estuda minuciosamente o saco que pretende puxar, nada de amadorismo e vã bajulação. O puxa-saquismo é uma ciência, cujo estudo e conhecimento podem se estender por toda a vida, embora possam existir pessoas que nasceram com o dom da bajulação, sendo, então, assunto de discussão acadêmica se o puxa-saquismo tem origem genética. Certa vez, uma velha professora de primeiro grau disse à outra: “aquele menino vai longe, toda semana me traz uma maçã”. A outra deu uma tossida e disse: “Pra mim também, é um puxa-saco nato”.

O puxa-saco profissional é inteligente e conduz sua vida a agradar pessoas do seu interesse. Ele tem a capacidade de conhecer as fraquezas humanas. Em geral, dispensam às suas vítimas um tratamento especial, e aos demais uma visível intolerância. A quem não interessa bajular trata com desprezo e arrogância, para lhe dar a devida compensação emocional, o equilíbrio que lhe faz suportar o terrível ódio de ter a necessidade de bajular algumas vítimas. O bajulador odeia o bajulado, mas tem a capacidade de disfarçar esse ódio com a simulação dos agrados, fingimento que escapa à percepção do bajulado menos atento.

Uma das mais árduas tarefas do puxa-saco é a de bajular sem que o bajulado perceba a falsidade da bajulação e considere aquele tratamento como o mais natural possível. Vai daí que a pessoa bajulada precisa ser, também, vaidosa, a tal ponto que a faça pensar como perfeitamente natural a bajulação recebida. Por outro viés: o puxa-saquismo só repercute em pessoas idiotas, desprovidas de bom senso, racionalidade ou coerência.

Os idiotas gostam de ouvir os agrados e chegam a se sentir merecedores deles. São esses os alvos mais fáceis do puxa-saco profissional, pois ao perceber a fraqueza do outro investem firmemente na bajulação, como meio de algo conseguir. Por isso, diz-se que todo bajulado tem o puxa-saco que merece.

A bajulação é efêmera, só existe enquanto o bajulado ocupa um cargo importante ou tem um poder a ser aproveitado pelo puxa-saco. Destituído do cargo ou perdido o poder, o antes bajulado passa a sofrer do abandono e do afastamento dos antigos bajuladores. Os idiotas sofrem com essa brutal e repentina solidão, não mais procurados pelos antigos puxa-sacos que alimentavam o seu ego com falsos elogios e mimos. Em geral, morrem de depressão ou viram alcoólatra.

Mas, existem também os puxa-sacos amadores, mais idiotas que os que gostam de ser bajulados. São comuns frases desse tipo dos puxa-sacos amadores: “Falar com você já melhorou o meu dia!”; “Vim trazer-lhe um presentinho; sei que você aniversaria no mês que vem”; “Que saudade! Todo dia eu me lembro de você!”; “Nossa! Você remoça a cada dia!”; “Posso adentrar em seu augusto gabinete, chefinho?”. E o funcionário para o chefe tarado: “Chefinho, desculpe estar de costas pro senhor”.

O puxa-saquismo é uma ciência que precisa ser instituída em nossas escolas de ensino superior. Se assim fosse feito a bajulação passaria a ser mais transparente e exercida com base na ética das relações humanas. A bajulação simplória e gratuita seria, por exemplo, considerada crime de assédio moral. Dar maçã para a professora seria “bullyng”. E forte atenuante quando a gente matasse o idiota que veio com aquela frase: “ver você já melhorou o meu dia”.


domingo, 15 de setembro de 2013

O Puxa-saco e o Mensaleiro

- Senhor! Desculpe interromper o seu drink, mas não posso perder a oportunidade de transmitir-lhe a minha modesta, porém sincera solidariedade contra as maldades e perseguições contra a sua preciosa pessoa.
- Obrigado, meu amigo. Eu lhe conheço?
- Acredito que não, nunca tive esta honra. Eu me chamo Pedro Vai de Caminha, um dos ramos da família de Pero Vaz Caminha, aquele que escrevia ao Rei Dom Manuel...
- Ah, sei, conheço a história... Quer beber alguma coisa comigo? Estou sozinho nesse bar...
- E essa moça que está sentada no seu colo... Eu devo estar atrapalhando...
- Ah, esta moça... Eu nem me lembrava dela... Ando deprimido, pensamento longe...
- Imagino, excelência, imagino... Mas agora, pelo menos, há uma luz no fim do túnel... Os embargos infringentes...
- É verdade... Talvez, agora, o túnel não acabe nunca...
- Desculpe, excelência, mas não entendi.
- Coisa de advogado! Se perdermos este embargo, entraremos com outro embargo infringente contra esta decisão, e, assim, sucessivamente, até a mudança de todos os ministros adversários.
- Interessante! Eu não tinha pensado nisso...
- Pois é, mas o que eu gostaria mesmo seria sair deste túnel como inocente, e não ficar sendo obrigado a aumentá-lo de tamanho. Isso é um pesadelo!
- De fato, uma crueldade prolongar tal agonia!
- Um suplício, meu amigo! E logo contra mim que sempre pautei pela honestidade! Todos os meus atos ilícitos foram norteados pela decência, pela moralidade!
- Eu sei disso! O senhor sempre foi um ladrão honesto!
- Honestíssimo! A quadrilha em que eu participava era imbuída dos mais elevados propósitos, sempre voltados para o bem do país!
- Exatamente! E o senhor nem chefe da quadrilha era! Era apenas um modesto comparsa!
- Bem, nem tanto, mas lamento não ter sido chefe da quadrilha. Se eu fosse o chefe não permitiria que tudo chegasse a esse descalabro.
- Não tenho dúvida! Tenho certeza que o senhor tomaria os devidos cuidados...
- Evidente! O desvio de dinheiro seria mais cuidadoso, melhor planejado. Eu não deixaria ponto sem nó!
- Exatamente! O senhor sempre foi comedido na roubalheira.
- Comedidíssimo! O meu lema sempre foi: “Roubo, mas nos limites da lei”.
- Foi uma pena, não é mesmo, excelência?
- É mesmo... E tudo já estava planejado para eu ser o futuro chefe.
- Da quadrilha?
- Não! Da presidência.