terça-feira, 29 de março de 2011

O ISS de Bancos – Curiosidades

Um Banco regional do Norte, de porte médio mas importante em sua região, publicou os seus Demonstrativos Financeiros de 2010. Ao divulgar suas receitas operacionais, fez o desmembramento em receitas de crédito, de serviços e de tarifas. Sem considerar a hipótese de qualquer receita de serviço incluída nas de crédito (que geralmente existe), as receitas confessadas de serviços e de tarifas (que também são decorrentes de serviços) somaram R$210.823 Mil. E no detalhamento das despesas, temos o valor pago de ISS, que somou R$3.996 Mil. Peguei a maquininha e fiz o cálculo: ué! O ISS representou 1,89% da receita! Como pode isso, se a esmagadora maioria dos Municípios cobra alíquota de 5%? Uma diferença a menor de quase R$7 milhões! Certamente, foi erro de impressão, não é mesmo? Quem não acreditar, dê uma olhada no Jornal Valor, de 25 de março, página A33. Aliás, adoro examinar Balanços de Bancos, é muito divertido.

terça-feira, 15 de março de 2011

Tiro no pé (2)

Apenas para concluir o drama da Renault. A empresa retratou-se formalmente, com pedido de perdão aos executivos demitidos e prometeu “restaurar a honra deles aos olhos do mundo, levando em conta os sérios prejuízos sofridos por eles e suas famílias”, disse o diretor-executivo da montadora (realmente, muito comovente).
A empresa, com a ajuda da polícia, conseguiu descobrir o autor da carta anônima. O sujeito era funcionário da empresa e o motivo foi dinheiro: ele levou 300 mil Euros de uma firma de investigação internacional, interessada no escândalo, e foi preso no Aeroporto, em Paris, quando tentava fugir para Guiné. Pelo menos, este não escolheu o Brasil. Guiné, antigamente, era povoada de tribos canibais; quem sabe, ainda teria por lá um remanescente para cozinhar o bandido no caldeirão.
O advogado de um dos diretores demitidos prevê uma indenização entre oito a dez milhões de euros. Os advogados dos outros dois também se preparam para ingressar com ações milionárias. Os diretores aloprados, que fizeram alarde da denúncia sem qualquer prova, vão ser mantidos no cargo, mas, como castigo, vão devolver os bônus recebidos em 2010 e não receberão opções de ações este ano. Entretanto, ninguém duvida que, passada a turbulência, o caminho deles será a rua.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Tiro no pé

O caso que aconteceu (ou vem acontecendo) na empresa francesa Renault pode transformar-se em “case study”, símbolo da precipitação ou de meter os pés pelas mãos, e que, vira e mexe, ocorre em Prefeituras, notadamente na área fiscal.
Foi o seguinte: todos os diretores graúdos da empresa receberam uma carta anônima pela qual dois diretores e um assistente eram acusados de receber propina em troca de fornecer informações sigilosas sobre o projeto do carro elétrico. A diretoria logo se reuniu e sem tomar qualquer precaução, ou, pelo menos, investigar inicialmente a origem da denúncia, levaram o caso ao conhecimento da Procuradoria Pública e afastaram os acusados. O assunto foi divulgado pela imprensa e a vida dos três denunciados foi arrasada.
Os três protestaram inocência e se disseram perplexos diante de acusação tão infame. Os seus advogados exigiram a apresentação de provas materiais. Não havia!
Às pressas, a empresa contratou um escritório de investigação de espionagem industrial, ao valor de U$348 mil, para investigar os três acusados. Nada foi descoberto! Tentaram descobrir onde os três esconderam o dinheiro da propina. Trabalho infrutífero! Varreram as contas bancárias: não acharam um tostão furado.
Partiram, então, para descobrir o autor da denúncia. Até exame de DNA fizeram na carta, mas o denunciante anônimo foi esperto e tomou todos os cuidados na elaboração da missiva, inclusive na selagem.
Agora, depois do leite derramado, a empresa se prepara para inocentar os supostos criminosos, certamente com um pedido de desculpas e dizer que tudo foi “um lamentável engano”. A ministra da Fazenda da França lavou as mãos ao dizer à imprensa que os executivos do alto escalão da Renault que arquem com as consequências. Os advogados dos denunciados estão esfregando as mãos e lambendo os beiços. Imaginem o dinheiro que vai rolar no processo de indenização por danos morais.
Denúncia contra Fiscal é comum de acontecer. O trabalho do Fiscal gera rancor, ninguém gosta de ser fiscalizado. Muito fácil inventar histórias, caluniar ou tentar difamar a pessoa do Fiscal. Além disso, temos aquela coisa da inveja, tanto externa como interna. A chefia tem que ser cautelosa, agir com prudência diante das denúncias recebidas. O melhor caminho é requerer o processo administrativo alvo da denúncia e analisá-lo. Se for o caso, mandar proceder nova fiscalização. Se sair atirando a esmo, vai dar um baita tiro no pé. Denúncia de corrupção só é válida com provas materiais e se houver acusação sem provas que o acusador apressado arque com as consequências, como disse a ministra francesa.
  
Roberto Tauil - março de 2011.
PS - O caso da Renault vem sendo noticiado no jornal Valor, última reportagem de 10 de março de 2011, com base na publicação do The Wall Street Journal, de Paris.

sábado, 5 de março de 2011

Cartão de Crédito e o ISS

Uma das maiores, ou a maior, empresa operadora de cartões de crédito publicou os seus demonstrativos financeiros de 2010 no dia 3 de fevereiro último (Jornal Valor), apresentando interessantes informações, entre as quais alguns dados relativos ao ISS de suas operações.

A empresa fechou o exercício com um lucro líquido de R$1,394 Bilhão. A receita líquida de serviços totalizou R$2,6 Bilhões e o total de ISS pago somou R$17,5 milhões. Se deduzirmos da receita líquida os valores recebidos de “aluguel de equipamentos” (R$747 milhões) e “outras receitas” não explicadas (R$119,2 milhões), sob a suposição de que não sofrem incidência do imposto, a receita tributável teria sido de R$1,775 Bilhão. Sendo assim, o ISS representou, em termos médios, 0,98% da receita tributável. Se a alíquota mínima do ISS é de 2%, parece, em princípio, que está faltando dinheiro no recolhimento declarado. Aliás, a maioria dos Municípios estabelece a alíquota de 5% para esse tipo de serviço. Para dar apenas uma ordem de grandeza, se a alíquota média do ISS fosse 3%, a despesa tributária de que se trata teria sido de R$53,2 milhões, uma diferença, portanto, de R$35,7 milhões de ISS não recolhido.

O relatório da Diretoria explica as modalidades de serviços prestados pela empresa:
a) Cartões de crédito e débito: captura, transmissão, processamento e liquidação de transações comerciais e financeiras dos cartões de diversas bandeiras. “Pela prestação desses serviços” (sic) a empresa cobra dos estabelecimentos uma taxa de desconto, que tem por objetivo: (i) remunerar o emissor dos cartões de crédito e débito mediante repasse de uma taxa denominada taxa de intercâmbio; e (ii) remunerar os serviços prestados pela empresa.
b) Pré-pagamento das transações com cartões de crédito mediante solicitações dos estabelecimentos e somente sobre as transações já capturadas e processadas.
c) Locação dos equipamentos Point of Sale (POS, POO e Pin Pad), de propriedade da empresa e utilizados pelos estabelecimentos para a captura eletrônica das suas transações.
d) Serviços prestados para empresas parceiras mediante captura, roteamento e transmissão de transações realizadas com cartões de benefício (voucher), tais como alimentação, refeição, combustível, entre outros, além dos cartões private label.
e) Prestação de serviço aos estabelecimentos de consultas de cheques recebidos dos seus clientes, utilizando-se dos equipamentos alugados da Companhia. A receita da empresa é constituída de tarifas cobradas diretamente dos estabelecimentos.
Poderíamos dizer, ainda de forma muito subjetiva, que as únicas receitas das detalhadas acima que não seriam passíveis de tributação do ISS estão identificadas no item (i) da alínea (a), porque não se incorpora ao patrimônio da empresa, repassada que é às instituições financeiras emissoras dos cartões; e a alínea (c), porque se trata, aparentemente, de locação de bens móveis.
Importante salientar que a própria empresa explica que a receita descrita na alínea (a) já é apropriada de forma líquida ao resultado, ou seja, deduzida das taxas repassadas aos bancos emissores e às bandeiras. Como se sabe, os Bancos e as bandeiras recebem parte desse serviço, mas essa parcela não é contabilizada no resultado da operadora. Em outras palavras, quem efetua a operação financeira de adiantamento é o Banco, mas essa receita (realmente financeira) não é contabilizada como receita da empresa operadora. Está claro, da forma anunciada pela própria empresa, que a receita da alínea (a) decorre da remuneração dos serviços por ela prestados. Já em referência ao item (i), a receita da operadora é a cobrança de uma taxa “de intercâmbio”, ou, em outras palavras, pela intermediação que ela exerce entre o usuário e o Banco. E, assim, serviço tributável pelo ISS.

Interessante, também, são os comentários sobre o Passivo Contingente - Perda Possível. Destacamos os seguintes comentários, únicos referentes ao ISS:
“2. Por meio de auto de infração lavrado em 6 de maio de 1999, a Secretaria de Finanças do Município do Rio de Janeiro constituiu crédito tributário no valor de R$1,2 milhão, sob o argumento de que a Companhia teria recolhido, intempestivamente, o imposto sobre serviços (ISSQN) relativo à competência de dezembro de 1997 e de que não teriam emitido notas fiscais de serviços correspondentes ao período de novembro de 1996 a novembro de 1997. Em 2 de junho de 1999, a empresa apresentou impugnação ao auto de infração, julgada improcedente em 5 de fevereiro de 2010, pela Coordenadoria de Revisão e Julgamento Tributário daquele município. Em 3 de agosto de 2010, a empresa apresentou recurso ao Conselho de Contribuintes do Município do Rio de Janeiro, requerendo o cancelamento do auto de infração, por entender (i) improcedente a aplicação de multa pela não emissão de nota fiscal, tendo em vista a caracterização de denúncia espontânea, em razão da apresentação de pedido de regime especial em agosto de 1997; e (ii) equivocada a base de cálculo utilizada pelo fisco municipal para cálculo da multa. Em 31 de dezembro de 2010 o valor total é de R$6,7 milhões”.

“3. Por meio de notificação de lançamento lavrada em 8 de abril de 2010, a Secretaria Municipal da Fazenda do Município de Salvador, Bahia, constituiu crédito tributário no valor total de R$2,9 milhões, por suposta infração da Companhia em razão da não tributação do ISSQN incidente sobre as receitas financeiras decorrente das antecipações de vendas. A Companhia entende que a receita decorrente desse desconto deve ser classificada como receita financeira e, como tal, não está sujeita à incidência de ISSQN. Em dezembro de 2010 o valor total é de R$6,7 milhões”.

Bem, como dito acima, quem efetua a antecipação da receita, mediante uma operação financeira de adiantamento ou desconto, é a instituição financeira e não a operadora do cartão de crédito. De qualquer modo, cabe às partes, ou à Justiça, decidir a lide.

Fica uma dúvida: será que somente os Municípios do Rio de Janeiro e de Salvador estão cobrando o ISS da empresa? Ou os demais casos estão sendo regularmente pagos?

Roberto Tauil - março de 2011
Fonte: Os resultados econômicos e sociais da empresa foram publicados no Jornal Valor, de 3 de fevereiro de 2011. Os números são fidedignos ao relatório apresentado, mas achamos por bem não divulgar o nome da empresa, ou Companhia.