sexta-feira, 29 de julho de 2016

O empresário e o prefeito mineiro

O empresário no gabinete do prefeito:

- É como eu digo, prefeito! A fábrica que construirei aqui transformará a sua cidade!

O prefeito dá um sorriso acanhado, passa a mão na cabeça, examina o empresário de cima a baixo, e diz:
- Isso é muito bom! Mas me diga, por favor: transformação pra melhor ou pior?

O empresário dá uma gargalhada sonora.
- Claro que pra melhor! A cidade vai crescer, prosperar!

O prefeito se remexe na cadeira, coça os olhos, dá outro sorriso e diz:
- Olha, o senhor não repara não, somos tudo matuto, o senhor é lá da capital...

O empresário dá um sorriso complacente.
- Ora, não é assim, prefeito... Quando a fábrica estiver funcionando, o senhor não reconhecerá mais a sua cidade!
- Uai sô! Pois é isso que me preocupa, sabe? Já estou vendo um monte de caminhão passando nas nossas ruas, tudo empoeirado, uma zoeira danada...

O empresário intervém:
- Aí está! A cidade com dinamismo, pujante! Não será mais esse lugar lúgubre, sonolento!
- Esse tal de lug eu não sei, mas aqui todo mundo é sonolento mesmo. Eta povo com vontade danada de dormir! Gosta de dormir de noite, gosta de dormir depois do almoço. E pra dormir tem que ter sossego.
- Ora, o povo se acostuma! Ainda mais com o dinheiro girando na cidade!

O prefeito arregala os olhos:
- Dinheiro girando? Que trem doido! Vai ter dinheiro assim, pra todo mundo?

O empresário procura não se impacientar.
- É o jeito de dizer, prefeito. O dinheiro vai circular, todos vão ganhar!
- Todos quem? O senhor disse que vai trazer tudo de fora, até os empregados.

O empresário dá um pigarro.
- Sim, mas o comércio local vai vender mais...

O prefeito se recosta na cadeira.
- Ah, se tiver mais gente comprando, o Zeca do armazém vai aumentar os preços. Aquele Zeca é esperto pra diabo! O povo vai ter que pagar mais caro!

O empresário não desiste.
- E o ICMS que o município vai ganhar? A receita vai aumentar!

O prefeito se debruça na mesa para enrolar um cigarrinho de palha.
- Aqui em Minas são quase mil municípios. Esse tal de ICMS é repartido, repartido até ficar uma migalhinha pra cada um... Depois, vou ter de calçar as ruas por causa do estrago dos caminhões... O senhor paga o calçamento?

O empresário já não está tão confortável.
- Bem, a gente pode pensar nisso no futuro...

O prefeito aperta.
- E o senhor ainda quer isenção de ptiú, de ISS da construção da fábrica... Vai pelo menos pagar a taxa de coleta de lixo?

O empresário se entusiasma.
- Essa taxa eu pago, sim senhor! Pagamentos pontuais!

O prefeito fica acendendo o cigarro de palha e puxando fogo.
- Isso é bom. Pena que não cobro essa taxa aqui na cidade. O povo não gosta de pagar taxa.

O empresário já está nervoso.
- Então, institui a taxa! Meu advogado ajuda a fazer o projeto!

O prefeito dá uma baforada no cigarro.
- O melhor a fazer é o seguinte: o senhor conhece o Município de Pirulito, aqui do lado?
- Não, não conheço...

- Pois é, o senhor vai lá e propõe a construção da fábrica em Pirulito. O prefeito de lá, meu adversário político, adora essas coisas de modernidade.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Os elefantes

O sol reinava. O calor se alastrava. As conversas se arrastavam. Em monossílabos. Sem afirmações, fatos novos, sem qualquer convicção. O desgaste das conversas inúteis. O garçom não era mais chamado, apenas um breve sinal com a mão indicava o pedido de mais uma cerveja. Os copos se esvaziavam sem maiores explicações ou motivos. Os olhos nos copos, as mãos no copo, a boca no copo. O cansaço de não fazer nada.

Praia vazia. No quiosque do calçadão apenas eles três, quase deitados nas cadeiras dobráveis. Protegido na cobertura do quiosque, o garçom dormitava debruçado sobre o balcão. Mas, de vez em quando, olhava para a mesa dos três, a vigiar os sinais de pedidos. Quando via um braço estendido, em esforço sobre-humano levantava-se a pegar mais uma garrafa e levá-la à mesa.

Os três suavam em sonolência. O suor pingava sobre a mesa e escorria nas pernas. Alguns murmúrios a comprovar que ainda estavam vivos.

Foi, então, que passou sobre eles um elefante voando. O animal batia freneticamente as orelhas que o sustentava no ar. Flap, flap, flap, o barulho das orelhas em movimento. Um deles, com esforço hercúleo, levantou a cabeça e olhou o elefante voando. Os outros dois, de má vontade, fizeram o mesmo, a acompanhar o voo do animal até ele sumir no horizonte e o som das orelhas reduzir-se a nada, a voltar o domínio do silêncio.

Voltaram-se à posição anterior, cabeça baixa a olhar o copo. O garçom dormitava sobre o balcão. Até o mar dormia, sem ondas e o refluxo das marolas.

Mas, aos poucos, um barulho veio crescente, aumentando e aumentando. Era uma manada de elefantes que surgia no céu. Cada elefante batia com força suas orelhas, a tromba reta para frente. Um barulho ensurdecedor. Flap, flap, flap, o chão tremia, a mesa tamborilava, a garrafa de cerveja balançava perigosamente.

Com os olhos semicerrados os três olharam o céu e acompanharam a manada voando. Passava exatamente sobre as suas cabeças. Cada um a segurar o seu copo com uma das mãos e a outra a proteger a garrafa. Flap, flap, flap, os elefantes voavam em revoada organizada, a seguir o seu rumo, obcecados, como se fosse a fatalidade de seus destinos.

E assim como o elefante precursor, a manada foi sumindo no horizonte, sumindo, sumindo até desaparecer. E o silêncio voltou a dominar.

Retornaram às suas anteriores posições. Um deles levantou o copo e bebeu tudo num só gole. E murmurou: “Ainda bem”. Cinco minutos depois, outro deles perguntou baixinho: “Ainda bem o quê?”. E o terceiro, sorvendo a cerveja do seu copo, respondeu em sussurros pelo outro: “Ainda bem que não cagaram em cima da gente”. E os outros dois assentiram com leves movimentos de cabeça. 

sábado, 16 de julho de 2016

O Advogado

Ao acordar pela manhã, o advogado não sabia mais pensar e falar em português. Só transmitia palavras em latim!

A descoberta não foi assim, tão repentina. A primeira manifestação de tão estranha metamorfose ocorreu quando ao olhar no espelho do banheiro, proferiu para si mesmo: “nemo tenetur se detegere”. Assustado, procurou pensar a frase em português: difficile est longum subito deponere, foi a sua conclusão. 

A dificuldade maior foi a de conversar com a esposa e filhos. No café da manhã, a esposa o repreendeu por não ter feito a barba, fato verdadeiro cujo motivo foi a confusão mental da interferência latina. Ele respondeu: “barba non facit philosophum”. Ela deu um sorriso, talvez orgulhosa com os conhecimentos do marido, e comentou que a filha teve nota máxima na aula de balé. “arbor bona fructus bonos facit”, ele respondeu pomposamente.

No fórum, suas manifestações causaram espanto e admiração. Ao defender o seu cliente, o advogado proferiu longo e metódico discurso, mas todo em latim. O juiz ouviu perplexo,e fingiu entender tudo que ele dizia, fazendo acenos com a cabeça como estivesse compreendendo seus termos e concordando com a preleção. O advogado encerrou a defesa com a frase: “Veritatis simplex orati”. O juiz aguardou, porém, que o advogado se sentasse para ter certeza da conclusão, e acabou por inocentar o réu, diante das “elaboradas teses apresentadas pela defesa”.

Fama volat! A notícia espalhou-se nos corredores do fórum e já servia de conversas animadas na lanchonete do prédio. O advogado circulava de peito estufado e cabeça erguida, sendo saudado por todos com profundas reverências. A esta altura já o chamavam de mestre. Um jovem estagiário, mais afoito, perguntou-lhe o teor da tese de sua defesa. Ele respondeu: “allegatio sine probatione veluti campana sine pistillo est”. O jovem, que não entendeu a resposta, deu um sorriso: “mestre, o senhor honra a classe da advocacia”. E ele disse: “advocaci nascuntur, judices fiunt”.

No segundo dia, foi procurado por um advogado conhecido. “Amici, ad qui venisti?” ele perguntou. O amigo foi logo dizendo que uns clientes poderosos estavam interessados em contratá-lo com remunerações de boa soma. “Melius est abundare quam deficere”, ele respondeu.

Mas, no terceiro dia, ele acordou falando em grego clássico. λληνικ γλσσα, hē Hellēnik glō̃ssa. Saiu do banheiro a cantar as Ilíadas e a esposa chamou a ambulância do sanatório. Dizem que, atualmente, em sua prisão domiciliar e com tornozeleira na canela, ele fala em aramaico. Todas as suas petições de defesa são recusadas, com um “provido, mas não conhecido”.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

O suicídio

Com o máximo de respeito à família, cujo sofrimento não posso nem imaginar, o suicídio do Senhor Paulo Morato é um dos mais inusitados. Ele resolveu se matar num quarto do Motel Tititi em Olinda. Para concretizar a sua morte, ingeriu o veneno conhecido por chumbinho. Este veneno não tem gosto e nem odor, podendo, assim, ser misturado à comida ou à bebida sem alterar o gosto e provocar cheiro estranho.

No entanto, o chumbinho provoca sangramento no nariz e na boca, fato que caracteriza a agonia final da morte por envenenamento. Todavia, o Senhor Paulo Morato foi encontrado na cama totalmente limpo e o quarto em perfeita ordem, sem qualquer vestígio de sangue ou coisas espalhadas.  

O inusitado, portanto, decorre das surpreendentes providências tomadas pelo falecido, segundos antes de falecer. Ingeriu o veneno e logo que surgiram os sintomas rapidamente tomou o cuidado de fazer a toalete, lavar-se e tirar manchas da toalha do banheiro. Limpou o chão, secou o box do banheiro e a pia, e ainda teve tempo de arrumar o quarto. Deixou tudo imaculadamente limpo. E correu a deitar-se na cama, a espera da morte premente.

A propósito, o Senhor Paulo Morato era foragido da Polícia Federal. Era suspeito de ser o articulador da contratação de ‘laranjas’ para figurarem como sócios das empresas fantasmas. Provavelmente, envergonhado diante de tais acusações, resolveu dar cabo à vida, mas não permitiu que o encontrassem de forma desleixada e bagunçada. Esforçou-se para deixar tudo bem arrumadinho.

Talvez por ter ficado tão ocupado antes de morrer, não deixou carta nem bilhete de despedida. Um caso para trabalho conjunto do detetive Murdoch, Hercule Poirot e Comissário Maigret.   

sábado, 2 de julho de 2016

O marketing facial

O político foi ao consultório do doutor marqueteiro.

- Doutor, eu gostaria de saber qual é a melhor imagem que devo divulgar ao público.

- Depende da situação do momento. Se você estiver sendo preso na Lava a Jato, transmita uma imagem PR.

- PR?

- Isso mesmo! PR significa Perplexo Revoltado! Olhar profundo, mas sem olhar a câmera que o filma ou fotografa. Olhando para frente! Cabeça erguida! Feições sérias, mas não carrancudo. Lábios contraídos! Maxilar tenso!

- E se eu estiver sendo entrevistado?

- Neste caso, você adota o LI: Lúcido Inteligente! Olha para a câmera, como estivesse falando diretamente ao público. Semblante jovial com esboço de sorriso, tipo Mona Lisa. Transmita tranquilidade e jamais vire os olhos para o alto quando for responder a pergunta. Olhar para a esquerda é sinal que está inventando uma resposta. Para o alto significa que está mentindo.

- Se eu estiver sendo acareado pelo juiz?

- Use a imagem SA: Sinceridade Absoluta! Mantenha-se sério! Olhe nos olhos do juiz ao responder e quando ouvir suas perguntas. Ao responder sobre números, folheie alguns papéis para fingir que está fornecendo números exatos. E sempre postura formal, empinado na cadeira e peito ereto!

- Se eu estiver ministrando uma palestra?

- Em tal situação você adota a imagem ET: Erudito Tranquilo! Fale de forma pausada. Transmita um conhecimento profundo, mesmo que não o tenha. Conte algumas piadinhas elegantes. Sorria para a plateia sem ser bonachão. Olhe para todos sem olhar ninguém. E não deixe de usar óculos de lentes claras, mesmo que não precise.

- Doutor, qual é a imagem que devo transmitir quando negocio uma propina?

- Em primeiro lugar, nunca use essa palavra! Você estará sempre arrecadando fundos para campanhas políticas! Nunca para o seu próprio bolso, embora ninguém acredite. Nessas reuniões, use a sua melhor roupa, terno e gravata! Transmita uma imagem de pessoa superior, que está ali para ajudar e não para ser ajudado. Não beba durante a reunião! E de vez em quando se afaste para falar no celular, sempre pedindo licença aos demais.

- E qual é a sigla dessa imagem?

- Ah, essa é a CP!

- O que significa CP?

- Significa Cara de Pau!