domingo, 11 de dezembro de 2011

Manicômio Fiscal XXXIII

Cenário: Sala do Plantão Fiscal com dois Auditores presentes. Entra um senhor gordo e de fartas barbas brancas, todo vestido de vermelho. Os Auditores dão uma risada ao ver o homem.
Sobe o pano.
Auditor I – Seja bem-vindo, Papai Noel! Em que podemos servi-lo?
Papai Noel – Bom dia meus filhos! Eu gostaria de fazer a minha inscrição temporária como profissional autônomo.
Auditor II – Temporária porque o senhor só trabalha no mês de dezembro, não é isso?
Papai Noel – Na verdade, eu trabalho muito durante todo o ano, mas entregar presentes só neste período de Natal.
Auditor I – Nós podemos fazer sua inscrição temporária, mas o senhor não pode esquecer-se de voltar aqui logo no início do próximo ano e pedir o cancelamento.
Papai Noel – Isso vai ser difícil. Depois do Natal eu estarei longe, muito longe...
Auditor II – Bem, o senhor já deixa o requerimento de baixa assinado e nós providenciamos, está bom assim?
Papai Noel – Ótimo! Muito obrigado, vocês são muito gentis.
Auditor I – Outra coisa: nós vamos inscrevê-lo como Artista, pois a lista de serviços não tem Papai Noel.
Papai Noel – Artista? Desculpe, vocês estão enganados. Eu não sou um artista, eu sou o verdadeiro Papai Noel!
Auditor II (rindo) – Ah! O senhor, então, não vai trabalhar nessas lojas, disfarçado de Papai Noel?
Papai Noel – Não! Eu sou o Papai Noel!
Auditor I (procurando conter o riso) – Se o senhor é o verdadeiro Papai Noel, não precisa de inscrição como profissional autônomo.
Papai Noel – Por quê?
Auditor I – Porque o senhor não é remunerado por sua função, não é verdade?
Papai Noel – Ora, claro que não! Eu dou presentes porque quero, por amor às crianças.
Auditor I – Se o senhor não é remunerado, não tem imposto para pagar e não precisa de inscrição.
Papai Noel – Puxa! eu não sabia. Por favor, entenda, eu gosto de obedecer às leis.
Auditor II (não aguentando o riso) – Fique tranquilo, Papai Noel, o senhor pode ir em paz.
Papai Noel – Muito obrigado! Eu tenho que ir agora ao DETRAN para emplacar o meu trenó.
Auditor I (espantado) – O senhor tem trenó?
Papai Noel – Claro que sim! Ele está lá fora no estacionamento e as renas já devem estar impacientes. Um bom dia para vocês e até breve!
(Papai Noel retirou-se e os dois Auditores, dando gargalhadas, correram até a janela, da qual se avistava o estacionamento. Qual não foi a surpresa de ambos, ao verem Papai Noel subir no trenó, segurar as rédeas, balançá-las levemente e as renas saírem apressadas, puxando o trenó às alturas. E antes que sumisse nas nuvens, Papai Noel acenou com uma das mãos e gritou para os dois boquiabertos Auditores: FELIZ NATAL!!).
Pois é, um Feliz Natal para todos vocês, queridos leitores.
Desce o pano.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Manicômio Fiscal XXXII

Cenário: Gabinete de uma autoridade da Prefeitura. Personagens: autoridade e servidor público.
Sobe o pano:
Servidor (na porta) – O senhor dá licença?
Autoridade – Oh! Como vai? Entre!
Servidor – Desculpe incomodá-lo, mas serei breve.
Autoridade – Em que posso ajudá-lo?
Servidor – Na verdade, em nada. Eu quero entregar ao senhor o meu pedido de exoneração...
Autoridade – Exoneração!! Você está saindo da Prefeitura?
Servidor – Estou sim.
Autoridade – Mas, por quê?
Servidor – Bem... Estou cansado, desanimado, desmotivado... Este é o motivo.
Autoridade – Você não pode fazer isso! Você é o melhor que eu tenho!
Servidor – O senhor me desculpe, mas não tenho a mínima ideia ou interesse em saber se sou o melhor ou o pior. Eu vou embora...
Autoridade – O problema é salário? Posso conseguir uma gratificação...
Servidor – Não senhor! O problema não é salário... É desânimo...
Autoridade – Desânimo? Pois é você que toca tudo, que cria tudo, que faz a coisa andar! Você é uma exceção no meio de uma turma de parvos, de indolentes, que vivem sem interesse, sem saber o propósito daquilo que estão fazendo!
Servidor – E talvez estejam certos... Cumprir a rotina, trabalhar sem se preocupar, escapulir quando podem, conseguir licença médica sem estar doente, ficar namorando no telefone, fazer hora no café, fazer fofoca, falar mal dos outros, reclamar do salário, criticar político, incentivar greve, pedir favores ao chefe... Finalmente, eu estou entendendo tudo...
Autoridade – Entendendo o quê?
Servidor – Que a esmagadora maioria age assim e a maioria está sempre certa. As exceções estão erradas, somos ingênuos em pensar o contrário.
Autoridade – O que você está falando não tem sentido. Sempre tem que existir alguém pra levar e conduzir o resto.
Servidor – A troco de quê, o senhor pode me responder?
Autoridade – Ora! A troco da eficiência, da melhoria, do aprimoramento dos serviços!
Servidor – E o senhor acha que alguém está se preocupando com isso?
Autoridade – Claro que sim! Eu, por exemplo, me preocupo!
Servidor – Eu sei, mas o senhor também é uma exceção, e as exceções não contam. O que conta é a mediocridade da maioria e esta mediocridade passa a ser a regra geral aceita e firmada como forma ideal de conduta.
Autoridade – Se pensarmos assim o mundo não progride, não desenvolve.
Servidor – E o senhor acha que a maioria pensa em progresso e desenvolvimento? Não senhor! Ao contrário, nós somos chatos e presunçosos na visão da maioria.
Autoridade – Eles têm é ciúme da gente, porque somos sérios, responsáveis e diligentes!
Servidor – O senhor está completamente enganado. Eles não têm ciúme da gente, eles têm desprezo do nosso esforço e ironizam os nossos atos.
Autoridade – Bem... Já vi que não adianta discutir com você. Saindo daqui, você vai fazer o quê?
Servidor – Minha família tem uma pequena propriedade rural. Vou viver lá, cuidar de horta, criar algumas galinhas e pescar.
Autoridade – Puxa, adoro pescar... Lá tem rio bom de peixe?
Servidor – O rio não é muito largo, mas é profundo, manso e sem correnteza, muito piscoso, já pesquei tucunaré de dois quilos.
Autoridade – Puxa... Tucunaré... Você sabe se lá tem alguma propriedade pra vender?
Desce o pano.

domingo, 6 de novembro de 2011

Manicômio Fiscal XXXI

Cenário: sala de um dos assessores do Chefe de Gabinete do Secretário-Geral de um Ministério. Personagens: Assessor e um Prefeito.
Sobe o pano.
Prefeito – Boa tarde, senhor assessor! Eu marquei essa entrevista há oito meses atrás e recebi ontem o recado que o senhor podia me atender hoje.
Assessor – Sente-se, por favor. O senhor é Prefeito de qual Município... pra eu anotar aqui...
Prefeito – Sou Prefeito de Muriçoca do Brejo, lá das Minas Gerais.
Assessor (digitando no computador) – Ah, perfeito... está anotado... em que posso servi-lo?
Prefeito – Estou precisando de uma verbinha, coisa à toa, pra ajudar em alguns serviços públicos. Andei analisando o IDH da minha terra e vi que o índice ainda é baixo em serviços públicos, tipo arruamento, limpeza pública, essas coisas...
Assessor – Nós temos vários tipos de verbas, mas todas elas visam o crescimento econômico do Município. Muriçoca do Brejo tem potencial econômico?
Prefeito (coçando o queixo) – Bem... é claro que tem! Nós temos leite, fazemos manteiga, queijo...
Assessor – Tem grandes indústrias? Uma grande cooperativa de leite?
Prefeito – Bem... isso não temos não senhor, mas, quem sabe, um dia...
Assessor – Qual é a população do seu Município?
Prefeito – Bom... mais ou menos uns cinco mil habitantes...
Assessor – Cinco mil? Muito pouco, muito pouco... Se tivesse uma indústria, muita chaminé, nós temos verba para combater a poluição...
Prefeito – É, mas poluição não tem não senhor... eu preciso de um dinheirinho pra melhorar o IDH...
Assessor – A sua cidade já tem problemas com tráfico de drogas, maconha, cocaína, crack... temos verba pra ajudar os drogados...
Prefeito – Esse tipo de coisa não tem não senhor... tem uns pinguços, tem fumantes de cigarro de palha...
Assessor – Pra isso não temos verbas... Tem muito assalto a mão armada? Tem verba pra ajudar na segurança pública...
Prefeito – Certa vez, anos atrás, um caseiro roubou o patrão com uma foice na mão... isso serve?
Assessor – Não, foice não... tem que ser arma de fogo... tem muito acidente de atropelamento? Temos verba para ordenar o trânsito...
Prefeito – Outro dia uma carroça de boi quase atropela o meu vice... ele também está velhinho e enxerga pouco, coitado.
Assessor – Assim está difícil... o senhor precisa estimular o desenvolvimento econômico do Município.
Prefeito – Pra quê?
Assessor – Pra depois a gente entrar com dinheiro para combater os males do desenvolvimento, entendeu?
Prefeito – Mais ou menos... o senhor, então, não tem um dinheirinho pra ajudar nos serviços públicos?
Assessor – Bem, é difícil... de quanto o senhor precisa?
Prefeito – Ah, uns cem contos resolve...
Assessor – Cem mil reais? Ora, Prefeito, aqui só trabalhamos com verba acima de um milhão!
Prefeito – Um milhão? O que vou fazer com tanto dinheiro?
Assessor – O senhor por acaso já fez um projeto para obter uma verba?
Prefeito – Projeto? Não senhor.
Assessor – Pois é! O senhor vai ter que contratar uma firma de consultoria, advogados, despachantes, um escritório de representação aqui em Brasília, talvez uma ONG pra tocar o projeto... quanto o senhor pensa que vai sobrar num projeto de um milhão?
Prefeito – Uns cem contos?
Assessor – Por aí, talvez menos, talvez menos...
Desce o pano.

domingo, 9 de outubro de 2011

Manicômio Fiscal XXX

Cenário: Gabinete do Procurador-Geral. Do lado de fora, pessoas aguardam para ser atendidas. Personagens: o Procurador-Geral e servidores.
Sobe o pano.
Procurador-Geral (gritou) – Entre o primeiro!
Surge a cabeça de um servidor na porta entreaberta.
Servidor – O senhor dá licença?
Procurador-Geral – Pode entrar!
Servidor – Obrigado... posso sentar?
Procurador-Geral – Nem precisa, vai ser rápido... qual foi o seu crime?
Servidor – Eu autorizei o pagamento de duas diárias a um funcionário e ele não viajou. Eu cometi crime de improbidade administrativa?
Procurador-Geral – Não senhor! Houve apenas mera irregularidade! Manda o funcionário devolver o dinheiro e acabou o processo! O senhor está dispensado! Entra o próximo!
(Sai um e entra outro)
Procurador-Geral – Qual foi o seu crime?
Servidor – Eu aprovei uma licitação e a empresa vencedora é da minha filha.
Procurador-Geral – O fato de a empresa pertencer à sua filha não é, por si só, um ato de improbidade administrativa, mas, em respeito aos princípios da legalidade e moralidade, cancele a licitação e faça outra. Entra o próximo!
(Sai um e entra outro)
Servidor – Bom dia...
Procurador-Geral – Sem delongas, qual foi o seu crime?
Servidor – Eu nomeei pessoas sem concurso público para cargos de carreira.
Procurador-Geral – Não houve improbidade de sua parte, pois faltou o elemento subjetivo. Exonera essa gente e faça concurso público. Entra o próximo!
(Sai um e entra outro)
Servidor – Eu também nomeei sem concurso. Meu filho, minha enteada e minha sogra.
Procurador-Geral – Sogra também? Aí está caracterizado o elemento subjetivo! Processo de improbidade em cima de você por afronta aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e burrice! E não se esqueça de exonerar todo mundo. Entra o próximo!
(Sai um e entra outro)
Servidor – Doutor, eu fui pego usando arma sem registro, mas eu sou Guarda Municipal...
Procurador-Geral – Você cometeu uma ilegalidade, mas não um ato de improbidade... diz uma coisa, qual era a sua arma?
Servidor – Um 38 velho... o senhor quer ver?
Procurador-Geral – Não precisa, mas olha a minha (tirando da gaveta), uma pistola Glock ponto 40... não é uma beleza?
Desce o pano.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Manicômio Fiscal XXIX

Cenário: Prefeito eleito, está na hora de formar a equipe. O Prefeito eleito recebe em sua casa o líder de um partido que apoiou sua candidatura.
Sobe o pano.
Prefeito eleito – Bem, vamos deixar as piadas de lado (eu não aguento mais de rir) e vamos tratar de negócios. Conforme combinamos antes, você tem a Secretaria de Educação, de Saúde e de Esporte...
Líder – Eu queria a Secretaria de Finanças...
Prefeito eleito – Finanças não! Eu falei desde o início que se eu fosse eleito o Secretário de Finanças seria escolha minha, particular!
Líder – E você já tem o nome?
Prefeito eleito – Bem... Eu não devia falar, mas, confidencialmente, vou te dizer: é um amigo ex-bancário, que já me quebrou grandes galhos na época que era gerente de banco. Perdeu o emprego exatamente por isso, coitado.
Líder – Está certo, não vamos discutir... É a hora da reciprocidade, não é mesmo?
Prefeito eleito – Sabia que você entenderia. Quem você tem para Secretário de Educação?
(O líder tira um papel do bolso)
Líder – Tenho aqui três nomes para indicar: Dona Pimpolha, minha secretária, gente fina e confiável. Professora Ritinha, lá da minha comunidade, dá aula de artesanato e todo mundo gosta dela. E Dona Amargosa, minha patroa.
Prefeito eleito – Sua patroa é professora?
Líder – Não, é do lar, mas manda pra cacete! Não dá mole pra ninguém!
Prefeito eleito – Escuta, eu conheço a Dona Amargosa e sei que você sofre nas mãos dela. Eu me lembro daquela vez que ela botou você pra correr a chineladas.
Líder – E na Câmara! Todo mundo viu! Quer prova maior do gênio dela?
Prefeito eleito – Eu não sei... Ela vai brigar com todo mundo...
Líder – Ela não briga! Ela bate em todo mundo! Mas, na verdade, eu prefiro que você nomeie a Pimpolha, minha secretária.
Prefeito eleito – Ô cara! Todo mundo sabe que a Pimpolha tem caso com você. Se eu nomeá-la a Dona Amargosa vai se enfurecer e partir pra cima da Pimpolha. E pode sobrar pra mim!
Líder – A primeira parte vai acontecer mesmo. Agora, brigar com você ela não vai não. Ela é fera, mas não é burra, sabe que em prefeito não se bate.
Prefeito eleito – Está certo, mas imagina a situação, Secretária apanhando da mulher do líder do governo! Esposa versus amante, uma confusão da peste!
Líder – E com risco da Pimpolha morrer! Amargosa quando bate é pra valer!
Prefeito eleito – Então! Piorou a zorra!
Líder – Mas esse é o esquema!
Prefeito eleito – Que esquema?
Líder – Amargosa mata Pimpolha. Amargosa é presa e eu fico livre da Pimpolha, que já está me incomodando.
Prefeito eleito – E é isso que você quer?
Líder – Claro! Fico livre das duas e você nomeia a Professora Ritinha. Você conhece ela?
Prefeito eleito – Não, não sei quem é.
Líder – Você vai conhecer! É uma coisinha linda. Uma gracinha!
Desce o pano.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Manicômio Fiscal XXVIII

Cenário: uma grande sala com mais de trinta mesas, todas ocupadas por servidores, e por entre elas um febril movimento de pessoas, portando documentos e processos, todos falando ao mesmo tempo, gritando alguma coisa, às vezes dando risadas e gargalhadas, uma barulheira infernal! Personagens: em uma das mesas, um servidor novato, aturdido e perplexo, sem ainda saber o que fazer. Aproxima-se outro servidor, já antigo.
Sobe o pano.
Antigo – Olá! Seja bem-vindo! Você trabalhava no Gabinete, não é?
Novato – O quê? Não ouvi!
Antigo (gritando) – Você trabalhava no Gabinete?
Novato – Isso! Fui mandado pra cá!
Antigo – Por quê?
Novato – Tive que ceder a minha mesa ao filho de um amigo do Prefeito.
Antigo – Entendo... Está gostando daqui?
Novato – Bem... É diferente... Muito barulho...
Antigo – Vai se acostumando... É muito trabalho!
Novato – É o quê?
Antigo – Muito trabalho!! Trabalho!!
Novato – É, já percebi, mas até agora não fiz nada!
Antigo – Você tem que entrar na roda! Tem que participar!
Novato – Mas não sei qual é a minha função, ninguém me disse nada!
Antigo – E ninguém vai dizer! Você tem que enfiar a cara!
Novato – Enfiar a cara aonde?
Antigo – Vai lá naquela mesa grande, pega um processo, examina, despacha, é assim!
Novato – Qualquer processo?
Antigo – Qualquer um! Vou te dar uma dica: pega processo grande, de capa velha! Processo pequeno, de capa nova, é uma merda!
Novato – Por quê?
Antigo – Ora, processo grande é só empurrar com a barriga, despacha qualquer coisa, ninguém vai resolver mesmo! Processo novo, você tem que instruir, dá um trabalho danado! E sempre tem alguém querendo saber dele!
Novato – Processo velho ninguém procura?
Antigo – Muito difícil! O interessado já desistiu ou já morreu.
Novato – Legal! Obrigado pela dica... Vou lá pegar um processo...
Antigo – Pega um bem grande, amarrado com barbante, capa rasgada, são os melhores.
Novato – Escuta, posso te perguntar uma coisa?
Antigo – Pergunta!
Novato – Desde que eu cheguei aquele sujeito lá, está vendo? Daquela mesa lá no fundo... Ele fica acenando pra mim, parece que está me chamando, quem é ele?
Antigo – Ah! Aquele é o chefe. Mas não se preocupa, finge que não vê.
Novato – Mas eu não tenho que falar com ele?
Antigo – Tem não! Ele vive chamando a gente, mas ninguém vai!
Novato – Mas não fica chato eu não atendê-lo?
Antigo – Olha, vou te dar outra dica: não dá mole pra chefe não!
Novato – Por quê?
Antigo – Porque chefe tem mania de dar ordens! E se você bobear, ele vai te encher de processo novo, entendeu?
Novato – E se ele vier até aqui falar comigo? Não vai ficar chato?
Antigo – Ah, ah! Este perigo você não corre! Ele não deixa aquela mesa de jeito nenhum!
Novato – Por quê?
Antigo – Porque alguém pode ver a mesa vazia e pegar o lugar dele! Entendeu o esquema?
Desce o pano.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Manicômio Fiscal XXVII

Cenário: Sala de Atendimento Fiscal da Prefeitura. Personagens: Atendente e Cidadão.
Sobe o pano.
Atendente – Bom dia, em que posso servir?
Cidadão – Eu recebi esta conta de luz da minha casa e veio a cobrança de iluminação pública... está vendo aqui? Essa cobrança não foi cancelada pela Justiça?
Atendente – Esta não. A Justiça proibiu a cobrança da TIP e esta que o senhor recebeu é da COSIP.
Cidadão – Então, basta mudar de nome e passa a valer?
Atendente – Não senhor! A TIP era uma taxa e a COSIP é uma contribuição.
Cidadão – E qual é a diferença se o efeito é o mesmo?
Atendente – Bem, a taxa é um tributo que se cobra pelos serviços públicos personalizados e pelos serviços de fiscalização. A contribuição já é outro tipo de tributo, mais amplo, pode ser cobrado em cima de qualquer atividade, entendeu?
Cidadão – Mais ou menos... Então, o Governo pode criar contribuição para qualquer coisa?
Atendente – Exatamente, mas tem que constar na Constituição Federal. Se não estiver lá o Governo não pode cobrar.
Cidadão – E essa tal de COSIP está na Constituição?
Atendente – Está! O Congresso aprovou uma emenda na Constituição, depois que a TIP foi considerada ilegal.
Cidadão – Ah, estou entendendo... Como não podiam mais cobrar a TIP, inventaram a COSIP, é isso?
Atendente – É... É mais ou menos isso...
Cidadão – Bem, como o resultado é o mesmo, provavelmente a Justiça também vai proibir a COSIP, não é?
Atendente – Não senhor! O Supremo Tribunal Federal considerou a COSIP perfeitamente legal.
Cidadão – Por quê?
Atendente – Porque a COSIP está prevista na Constituição, com essa emenda...
Cidadão – Ora, dessa maneira qualquer tributo ilegal pode passar a ser legal... Basta enfiar na Constituição!
Atendente – Não é bem assim! Afinal, a Constituição diz que só o Governo Federal pode criar contribuições.
Cidadão – Mas essa COSIP não é municipal? Como foi que passou?
Atendente – Bem... Aí já não sei responder ao senhor... Coisa de política...
Cidadão – Meu Deus! Me diz uma coisa aqui entre nós... Podemos correr o risco de inventarem mais contribuições?
Atendente – Olha, aqui entre nós, já estão fofocando sobre a CPMF, o senhor leu nos jornais?
Cidadão – Isso mesmo! Eu li nos jornais... O senhor acha que vem mais coisa por aí?
Atendente – Olha, muito em particular, a taxa de limpeza pública foi considerada ilegal... Vai daí...
Desce o pano.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Manicômio Fiscal XXVI

Cenário: Sala do Chefe do IPTU. Personagens: o Chefe do IPTU e um contribuinte que tem o costume de conversar não olhando diretamente a pessoa.
Sobe o pano.

Chefe – Bom dia, pode sentar-se... O senhor queria falar comigo?
Contribuinte (olhando para a cortina de alumínio na janela) - O meu IPTU veio muito alto...
Chefe – O valor subiu muito em relação ao ano passado?
Contribuinte (falando para um cinzeiro de vidro cheio de clipes) - Quase 50% de aumento...
Chefe – O senhor trouxe os carnês?
Contribuinte (falando para o quadro com a foto do Prefeito) - Estão aqui... Pode ver...
Chefe (examinando os carnês) – Mas... Espera aí... Os carnês são de imóveis diferentes...
Contribuinte (conversando com a lixeira) - É que eu mudei de casa...
Chefe – Se o senhor mudou de casa, o IPTU vai ser diferente... É lógico!
Contribuinte (dirigindo-se ao ventilador de teto quebrado) - Acho que isso não importa, o contribuinte é o mesmo... Sou eu...
Chefe – Claro que importa! O senhor trocou de casa e agora está morando num imóvel de maior valor... Veja aqui o valor venal de cada um!
Contribuinte (falando com uma mosca que insistia em pousar no seu joelho) - Mas o valor do imposto não tem que ter relação com a capacidade contributiva de quem paga? Eu andei lendo... A minha capacidade não aumentou 50% de um ano para o outro.
Chefe – Meu amigo, a capacidade contributiva é medida pelo valor do imóvel que o senhor possui. Se o senhor tem uma casa de valor maior, certamente a sua capacidade contributiva é proporcional ao valor da casa atual.
Contribuinte (olhando para um monte de processos na mesa do Chefe) - No meu caso não... Esta casa eu herdei da minha mãe, que faleceu. Então, a minha capacidade contributiva não tem nada com o valor da casa. Eu trouxe aqui os meus contracheques do ano passado e deste ano... Pode ver. O meu salário não aumentou.
Chefe - Não vem ao caso. O IPTU é um imposto real, que recai sobre o bem imóvel...
Contribuinte (falando com a ponta do seu sapato) - Mas quem paga sou eu, a pessoa... A casa não paga nada... Eu até pedi a ela para pagar o imposto... Ela não responde, a casa é mais surda que a porta, dela.
Chefe – Olha, o senhor agora está ironizando e não pretendo entrar numa discussão acadêmica ou de gozação com o senhor.
Contribuinte (conversando de novo com o cinzeiro) - Eu não estou ironizando, foi o senhor que falou que o imposto é da casa, não é meu.
Chefe – Bem, se o senhor não concordar com o que estou falando, pode entrar com impugnação, ou até mesmo pela Justiça.
Contribuinte (ainda falando para o cinzeiro) – Eu faço a impugnação em meu nome ou no nome da casa?
Chefe (já impaciente) – Faz em seu nome! Casa não tem nome!!
Contribuinte (com a atenção voltada para a mosca) – O senhor se engana, esta casa tem uma placa na frente, dizendo “Lar da Família”... Foi a minha mãe que batizou a casa, há muitos anos, e todo mundo a conhece por esse nome, lar da família.
Chefe (um tanto irritado) – Não importa se a casa tem um nome fantasia, o que importa é o proprietário dela!
Contribuinte (dirigindo-se ao quadro do Prefeito) – E não tendo o proprietário, que sou eu, condições de pagar o IPTU, como se resolve o problema?
Chefe – Ora! Não sei! Aluga a casa, vende a casa!
Contribuinte (olhando os processos) – Então, para pagar o imposto tenho que vender a casa?
Chefe – É uma hipótese!
Contribuinte (levantando-se e falando para a janela) – Está certo, mas tenho que arranjar um comprador que tenha capacidade contributiva, não é assim?
Desce o pano.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Manicômio Fiscal XXV


Cenário: Sala de Reuniões de uma instituição pública. Personagens: sentados ao redor da grande mesa, diversas ilustres autoridades públicas. Na cabeceira, a autoridade maior da reunião, que a preside.

Sobe o pano.

Presidente da mesa – Senhores! Convoquei-os para tratar de um assunto da mais alta relevância. Gostaria de discutir com os senhores as medidas que deveremos tomar contra um grupo de servidores desta Casa que insistem em não participar das nossas negociatas, das maracutaias e dos atos de peculato que tão zelosamente praticamos...

(a platéia murmurou um “ohhh” de espanto)

Um dos participantes – O senhor tem certeza que existe alguém assim nesta Casa? Eu já ouvi falar em moralidade, honestidade, mas sempre como retórica! Mas existir mesmo como coisa real! Impossível!! Nunca ouvi falar disso!!

Presidente – Provavelmente por que o senhor vive viajando e passa mais tempo em sua casa em Miami do que aqui, mas, infelizmente, posso assegurar que este mal já nos atinge, que gente deste tipo já infesta a nossa Casa. E não são poucos!

Uma participante (colocando a mão sobre a boca) – Que horror!

Presidente – Pois acreditem! E pior é que esse tipo de gente está proliferando e já podemos dizer que em todos os setores desta Casa encontramos gente dessa espécie.

Um participante – Não entendo... Como é que essa gente vive, sem um negocinho por fora, uma fraudezinha pelo menos?

Presidente – Segundo meus informantes, eles acham que podem viver só com o salário que recebem.

(Risada geral) – RÁ-RÁ-RÁ

Um participante – Pois está aí a prova daquilo que sempre sustentei, que os salários são muito altos, que devíamos reduzir os salários!

Outro participante – Derrubem o salário que a roubalheira prospera!

Presidente – Fora de cogitação! Nem pensar! A lei não permite reduzir salários. E, afinal, o salário não é tão alto assim.

Um participante – Tem razão! Não serve nem pra dar uma lavadinha. Eu, por exemplo, sou obrigado a manter uma loja e fazer palestras pagas de mentirinha. Um saco!

Outro participante – Ah, inventei uma maneira nova de lavar dinheiro. É muito boa...

(Um participante, já idoso e vestindo um impecável Armani, até agora silencioso, deu um soco na mesa:)

Armani – Vamos voltar ao assunto da reunião! O Presidente tem razão em se preocupar. Esse tipo de gente prejudica os nossos negócios, intromete-se nos processos fraudulentos em que participamos e acaba tirando o pão da nossa boca. E pior, é um vírus que se alastra.

Outro participante – O senhor tem razão, a honestidade é uma tragédia dos tempos atuais, corroendo os mais legítimos interesses dos indivíduos e a prosperidade da nação!

E outro participante – Será que esse pessoal não entende que é através do roubo que se distribui a riqueza deste país?

Presidente – É assim que eu penso. Ou tomamos providências imediatas, ou corremos o risco de perder as mamatas do ganho ilícito.

Uma participante – Oh meu Deus! Logo agora que eu pensava em comprar uma mansão nas margens do Lago Cuomo.

Outra participante (em conversa à parte): Você gosta da Itália, é? Eu prefiro Paris...

Presidente – Não vamos nos desesperar! Continuem com os seus projetos! Eu tenho um plano: em vez de lutarmos contra a honestidade, vamos trazê-la para o nosso lado!

Armani – Vai aplicar Maquiavel, Presidente?

Presidente – Isso mesmo! Maquiavel!!

Outro Participante – Não entendi...

Presidente – Antes de negociarmos o negócio com fornecedores, contribuintes ou quem o valha, vamos colocar um honesto para organizar o processo. Por ser honesto, ele vai criar todas as exigências de acordo com o disposto na lei, certo?

O outro Participante – Continuo não entendendo...

Armani – É simples, meu caro. Os valores vão aumentar e, logicamente, as comissões idem... (suspirando) ... roubar é uma arte que se inova...

Presidente (rindo) – Entendeu agora?

Participante – Mas... O honesto vai registrar tudo no processo...

Presidente – E daí? O senhor esqueceu que eu fiz uma compra de capas de processos de numeração igual?

Participante – Sim, me lembro... Rendeu até um bom dinheirinho...

Presidente – Mas não fiz só por causa do dinheirinho que recebemos. Podemos agora simplesmente trocar o processo.

Participante – Xiii! Vai dar um trabalho... Ficar trocando processo...

Presidente – Não se preocupe! Eu tenho uma filha que fez agora dezoito anos e eu vou nomeá-la assessora. A função dela será de ficar em casa, trocando processo.

Uma participante – Coitada de sua filha, Presidente!

Presidente – Que nada! Vou dar a ela uma participação e vai ganhando experiência. Além disso, essa juventude tem que aprender que roubar dá muito trabalho, ou pensa que é fácil?

Participante – Sempre pensei em montar um treinamento de falcatruas...

Outro participante – E vai entregar o ouro ao bandido, deixa de ser besta...

Outro participante – Não precisa de treinamento: roubar e coçar é só começar...

Outro participante – Senhor Presidente, desculpe dizer isso, mas essa garotada, com essa praga da honestidade... A sua filha não está contaminada?

Presidente (batendo na mesa) – Isola! Sai fora! Essa praga não entra lá em casa, nem que a vaca tussa!!

Desce o pano.

domingo, 7 de agosto de 2011

Manicômio Fiscal XXIV

Cenário: Sala da Telefonista do setor de Posturas. Personagens: Telefonista e, do outro lado da linha, um cidadão que tem a mania de repetir a resposta recebida quando faz uma pergunta.
Sobe o pano.

Telefonista – Setor de Posturas, bom dia, em que posso ajudá-lo?
Cidadão – Eu quero fazer uma denúncia... Um sujeito abriu uma oficina aqui na Rua dos Caracóis e conserta os carros na calçada. Os transeuntes são obrigados a andar na rua, correndo o risco de atropelamento. A calçada fica cheia de óleo, tudo sujo, um absurdo!
Telefonista – Perfeitamente! O seu nome completo, endereço e CPF, para registrarmos a ocorrência.
Cidadão – Registrar a ocorrência... Mas eu não quero me identificar... Sou vizinho e o sujeito é mal-encarado.
Telefonista – Então não é possível registrar a ocorrência.
Cidadão – Não é possível... Então não acontece nada?
Telefonista – Só podemos enviar uma viatura no local se houver identificação do denunciante.
Cidadão – Se houver identificação... Mas a fiscalização não pode vir até aqui dar uma olhada?
Telefonista – A fiscalização só sai se houver denúncia.
Cidadão – Se houver denúncia... Mas eu estou denunciando!
Telefonista – Essa denúncia é desconsiderada por que o senhor não se identificou.
Cidadão – Não se identificou... Então, fica por isso mesmo?
Telefonista – Perfeitamente! Fica por isso mesmo.
Cidadão – Fica por isso mesmo... E se eu telefonar para o Prefeito?
Telefonista – O Gabinete do Prefeito vai atender e transferir a ligação para este ramal.
Cidadão – Para este ramal... E aí vocês tomam uma providência?
Telefonista – Perfeitamente! Vamos pedir a sua identificação.
Cidadão – A sua identificação... Então, não posso fazer nada para que vocês tomem alguma providência?
Telefonista – Bem, se o senhor não quiser se identificar pode ligar para o Disque Denúncia. Eles não exigem identificação do denunciante.
Cidadão – Disque Denúncia... E eles mandam a denúncia para a Prefeitura?
Telefonista – Perfeitamente! Vai para o Gabinete do Prefeito e o Chefe de Gabinete distribui as denúncias pelos setores responsáveis. Isso funciona muito bem.
Cidadão – Funciona muito bem... Está ótimo! A senhora garante que neste caso a fiscalização vai agir?
Telefonista – Perfeitamente! Vai ser montado um processo, o chefe encaminha para um Fiscal e esse verifica no Cadastro a situação do estabelecimento.
Cidadão – Situação do estabelecimento... Mas, minha senhora, aqui não tem estabelecimento nenhum! Como eu disse, o sujeito funciona na calçada.
Telefonista – Sem alvará?
Cidadão – Sem alvará, sem coisa nenhuma!
Telefonista – Ah! Se nada constar no cadastro, o processo será arquivado.
Cidadão – Processo será arquivado... Então, não vem ninguém até aqui?
Telefonista – Como já estou cansada de dizer, a fiscalização só atenderá a denúncia se o senhor se identificar. O senhor deseja mais alguma informação?
Desce o pano.

sábado, 30 de julho de 2011

Manicômio Fiscal XXIII

Cenário: Gabinete do Secretário. Personagens: Secretário e a sua Secretária (dona Linda).
Sobe o pano.
Dona Linda (entrando no Gabinete) – Ué! O senhor já está aí? Estava tudo trancado, pensei que o senhor ainda não tinha chegado...
Secretário – Tranca a porta, tranca a porta! Isso... Pois é, agora estou chegando às seis horas, ainda não tem ninguém rodeando a Prefeitura.
Dona Linda – Puxa! Tão cedo! Está com muito trabalho?
Secretário – Não é isso não. Agora nós vamos seguir outra forma de trabalho...
Dona Linda – Eu vou ter que chegar às seis? O senhor sabe...
Secretário – Não!! A senhora continua chegando no horário normal. Eu é que vou chegar mais cedo.
Dona Linda – Por quê?
Secretário – Novas regras, e preciso da senhora para seguir as novas regras.
Dona Linda – Que regras?
Secretário – Bem, em primeiro lugar a porta da minha sala tem que estar sempre trancada à chave. Só eu e a senhora temos chave desta sala, não é isto?
Dona Linda – A faxineira da noite também tem...
Secretário – Vai lá e pega a chave! A limpeza será feita de dia e, presta atenção, sempre na sua presença!
Dona Linda – Tenho que ficar tomando conta?
Secretário – Exatamente! A senhora entendeu.
Dona Linda – Mas não entendo o motivo, Secretário.
Secretário – Dona Linda, presta atenção, estamos numa fase muito perigosa, é muita gente na espreita, procurando descobrir alguma coisa, farejando escândalo...
Dona Linda – Mas aqui não tem nada dessas coisas, Deus nos livre!
Secretário – Eu sei!! Mas essa gente é muito maldosa e hoje em dia tudo é corrupção, corrupção. Basta ser uma autoridade e já tem pecha de ladrão!
Dona Linda – Eu também? Eu não sou autoridade...
Secretário – A senhora também! Pode não ser autoridade, mas essa gente não quer saber! Só quer falar mal, apedrejar, não importa a quem atinja! Vão chamar a senhora de cúmplice, de laranja, de não sei mais o quê.
Dona Linda – Deus me livre, Secretário! A minha igreja me expulsa, ou vai querer aumentar o dízimo... não sei...
Secretário – Pois é isso! Temos que tomar o máximo de cuidado! Aliás, procure uma firma que faz varredura, pra vasculhar a sala, ver se tem microfone escondido, gravador, troço no telefone, varrição completa! Veja, por exemplo, aquela foto do Prefeito ali na parede... O olho esquerdo dele não parece esquisito... Parece uma microcâmara filmadora...
Dona Linda – Não é não, Secretário, é só cocô de mosca... Pode deixar, vou procurar a tal firma...
Secretário – Mas faça logo! Outra coisa, a partir de agora não estou pra ninguém, menos pro Prefeito é claro. Você diz que não estou, pega recado e depois me diz.
Dona Linda – O senhor não vai atender mais ninguém?
Secretário – Pessoal da casa posso chamar, pessoal de fora ninguém!
Dona Linda – Ih! Por falar nisso, o seu amigo, Tião Empreiteiro está aí fora, quer falar com o senhor...
Secretário – O QUÊ!!! Você disse que eu estava?
Dona Linda – Não! Eu nem sabia que o senhor estava aqui.
Secretário – Corre lá!! Diz que não estou e você nem sabe se venho hoje!
Dona Linda – Mas, Secretário, o seu Tião não é seu amigo de longa data?
Secretário – Autoridade não pode se dar ao luxo de ter amigos, Dona Linda. Ainda mais de fornecedor da Prefeitura... Se alguém me pegar conversando com ele, estou frito... Vai lá, diz-que-saí!! Diz-que-saí!! E tranca a porta!
(Dona Linda vai se retirando, mas, ao chegar em frente da porta, dá uma parada)
Dona Linda – Ah Secretário, ia me esquecendo... Ué! Onde o senhor se meteu?
Secretário – Estou aqui, embaixo da mesa. Depois que ele for embora, me avise pra que eu possa sair daqui.
Desce o pano.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Manicômio Fiscal XXII

Cenário: sala do Chefe da Fiscalização. Personagens: Chefe e Fiscal.
Sobe o pano.
Fiscal – Bom dia, chefe, você me chamou?
Chefe – Bom dia, Machadão, eu quero falar com você... Senta aí, por favor.
Fiscal – Algum problema?
Chefe – Você lembra a nossa conversa de um tempo atrás, quando eu disse que você deveria ser mais objetivo ao lavrar um auto de infração?
Fiscal – Lembro muito bem, e estou seguindo suas ordens...
Chefe – Acho que não... Estou aqui examinando esse processo, que você autuou o Mercado Sai de Baixo...
Fiscal – Foi impugnado?
Chefe – Ainda não e nem teve tempo, a notificação foi entregue ontem.
Fiscal – Então qual é o problema?
Chefe – O problema é aquele antigo, Machadão, essa forma de você redigir o auto.
Fiscal – Está errado?
Chefe – Veja o que você escreveu no histórico (lendo): “Ao transpor os umbrais do Mercado...” Umbrais, Machadão?
Fiscal – Sim! Não ficou bonito? Vou chamar de quê, se não é porta ou portaria? Umbral significa entrada, mas a palavra umbrais tem mais força do que entradas, você não concorda?
Chefe – Deixa eu continuar (lendo): “... Os umbrais do Mercado, deparei-me, oh Deus, com dísticos dependurados como um céu de estrelas...”
Fiscal – Não ficou bonito? Aliás, eu aí fiz uma pequena homenagem a Silvio Caldas, lembrando Chão de Estrelas, uma jóia da nossa música, você não concorda?
Chefe – Meu amigo Machadão, eu concordo, mas prestar homenagem na lavratura de um auto? Você não acha meio despropositado? E essa interjeição: oh Deus, pra quê isso?
Fiscal – Ora, chefe, pra dar força ao sentido, pra expressar o meu espanto.
Chefe – Machadão, Machadão, você não precisa exprimir espanto, você tem que se restringir ao fato e à sua irregularidade. O auto tem que ser impessoal!
Fiscal – Desculpe, chefe, mas discordo. O Fiscal tem que manifestar suas emoções, seus sentimentos, se não for assim o nível cai. Se o auto tem que ser impessoal, daqui a pouco não vão precisar de Fiscal, o computador emite e pronto!
Chefe – Pois este é o caminho, Machadão! Criar uma uniformidade, um padrão...
Fiscal – E onde fica o estilo de cada Fiscal? Aquele toque pessoal?
Chefe – O auto não é lugar para estilo, para toque pessoal!
Fiscal – Bem... Você é quem manda... Eu discordo, mas vou seguir suas ordens.
Chefe – Eu gostaria que você entendesse o motivo e não apenas cumprir ordens.
Fiscal – Tudo bem. Então me faz um favor, me devolve o processo do Bar Eu Bebo Sim... Se você não gostou desse, por certo não vai gostar do outro...
Chefe – Por quê?
Fiscal – Porque eu lavrei o auto em forma de soneto, dois quartetos e dois tercetos, tudo rimado, como manda o figurino! Ficou uma beleza, mas se você não gosta, paciência, eu mudo.
Desce o pano.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Manicômio Fiscal XXI

Cenário: Gabinete do Secretário Municipal de Fazenda. Personagens: Secretário e empresário local.
Sobe o pano.
Empresário – Como vai? Eu estava com o Prefeito e ele me mandou falar com você pra resolver um problema.
Secretário – Pois não, pode sentar-se... Qual é o problema?
Empresário – É pra você cancelar o IPTU do meu terreno ali da Avenida Central... Aquele que fica do lado do meu supermercado... Sabe qual é?
Secretário – Sei... Um terrenão vazio...
Empresário – Este mesmo! São dez mil metros de área, mas todo murado!
Secretário – Eu sei... Fica em frente do Banco do Brasil...
Empresário – Isso!! Você pode providenciar o cancelamento do IPTU, eu estou com um pouco de pressa...
Secretário – Mas... Não entendi... Cancelar o IPTU por quê?
Empresário – Ora, porque é uma propriedade de produção agrícola... Você não sabia?
Secretário – Agrícola? Olha, isso é novidade...
Empresário – É claro! Pouca gente sabe por que ele é todo murado e ninguém vê o que eu faço lá dentro.
Secretário – E o que o senhor faz?
Empresário – Ora, cultivo abóboras!
Secretário – Abóboras? Ali no terreno?
Empresário – Exatamente! Puxa! Eu devia ter lhe trazido uma bela moranga! Uma moranga na carne seca é uma delícia... Depois eu mando o rapaz lhe trazer uma.
Secretário – Obrigado, mas eu não posso cancelar o IPTU... É um terreno urbano! Está localizado bem no centro da cidade, na avenida principal!
Empresário – Que é isso, Secretário! Não estou aqui pra ensinar pai nosso ao vigário, você sabe que área de produção agrícola não paga IPTU, paga ITR!
Secretário – O terreno é cadastrado no INCRA?
Empresário – É claro! Não sou bobo! Está tudo direitinho no INCRA.
Secretário – Mas meu senhor! Aquele terreno é um dos mais valorizados da cidade!
Empresário – Um dos mais não! O mais valorizado!! Já recusei milhões por ele!!
Secretário – E mesmo assim o senhor não quer pagar o IPTU?
Empresário – Lógico que não!! Lei é lei!
Secretário – E quanto o senhor produz de abóboras?
Empresário – Bem... Mais ou menos duas por mês...
Secretário – Duas toneladas?
Empresário – Não!! Duas dúzias. E vendo tudo para o meu supermercado...
Secretário – Que fica do lado do terreno...
Empresário – Exatamente! Não tenho nem despesa de frete.
Secretário – E o senhor paga o ITR?
Empresário – Claro que não!! Eu sou isento.
Secretário – Isento?
Empresário – Isso! Isento! Eu sou um pequeno produtor rural. Mas veja logo esse cancelamento por que eu estou com um pouco de pressa... Posso usar o meu celular?
Desce o pano.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Manicômio Fiscal XX

Cenário: Rua principal de pequena cidade. Personagens: Fiscal antigo e contribuinte cuja empresa vivia irregular, não sabendo quanto recolher de tributos, e, por isso, sempre pedindo ajuda ao Fiscal para fazer as contas e emitir as guias. Os dois se encontram.
Sobe o pano.
Fiscal – Seu Beneplácito!! Há quanto tempo!!
Contribuinte – Uma eternidade! Seculum Seculorum!!
Fiscal – Distanciou-se da Prefeitura...
Contribuinte – Milhas e milhas, estou navegando em outros mares! E o senhor continua na Prefeitura?
Fiscal – Continuo, mas estou para me aposentar... Vou dar lugar a sangue novo.
Contribuinte – Sangue dos jovens!! Sangue novíssimo, jorrando nas veias!!
Fiscal – É verdade, mas ainda inexperientes...
Contribuinte – Experiência zero!! Reprovados em curso a distância!!
Fiscal – Mas acabam aprendendo...
Contribuinte – Aprendem tudo!! São verdadeiros computadores! Digitou, salvou, gravou!!
Fiscal – Seu Beneplácito, que ninguém nos ouça, mas como são orgulhosos esses Fiscais novos...
Contribuinte – Soberbos!! Se ufanam pelos corredores!! Estufam o peito como pombas no cio!!
Fiscal – Mas deixa pra lá, o problema não é nosso...
Contribuinte – Muito pra lá!! O problema é lá da Austrália, do Japão!!
Fiscal – Mudando de assunto, e o Prefeito atual, o que o senhor acha dele?
Contribuinte – Isso mesmo, vamos mudar de assunto, e o Prefeito?
Fiscal – Meio confuso...
Contribuinte – Está totalmente perdido! Está controlando marimbondo no escuro!
Fiscal – E muda de partido, depois volta...
Contribuinte – Vai e volta! Casa e separa, casa e separa! Uma paranóia conjugal!
Fiscal – Ele está num dilema...
Contribuinte – Já é trilema, um polilema!! É lema pra tudo que é lado!
Fiscal – O que salva é que ele está grudado com o Governador...
Contribuinte – Unha e carne!! São irmãos gêmeos!!
Fiscal – Por isso, eu acho que ele não sai mais do PMDB...
Contribuinte – Não sai mesmo!  Está encravado no PMDB! Uma rocha firme!
Fiscal - Mas se não derem espaço, ele se manda...
Contribuinte - Abanando lencinho branco! Beijinho, beijinho, tchau, tchau!
Fiscal – Bem... E a sua firma? Continua a desordem...
Contribuinte – Desordenada! Destramelada! Uma bagunça generalizada!!
Fiscal – Desculpe lhe dizer isso, mas o senhor tem mania de não cumprir as instruções do Contador...
Contribuinte – Eu sou um verdadeiro maníaco!! Atropelo tudo, misturo tudo!
Fiscal – É um problema de gestão, seu Beneplácito.
Contribuinte – Já é um problema de congestão! De diarréia gerencial!!
Fiscal – O senhor sabe que pode sempre contar com a nossa ajuda, sem interesse algum de nossa parte.
Contribuinte – Totalmente desinteressada! O senhor é um magnânimo! Deveria receber o prêmio do BED!!
Fiscal – BED?
Contribuinte – Benfeitor dos Empresários Desorganizados!!
Fiscal – Mas, então, o senhor nunca mais foi à Prefeitura...
Contribuinte – Morro de saudades!! As lágrimas borbotam!!
Fiscal – Por que, então, o senhor não volta mais lá?
Contribuinte – Porque agora eu sou do Simples Nacional!!
Fiscal – Ahh...
Desce o pano.