quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A mangueira e o espinheiro

No largo quintal da casa, a mangueira suntuosa e bela aproveita os raios do sol e produz cachos de minúsculas flores brancas, cujo aroma se estende suave por todo o terreno, atraindo abelhas, borboletas e pequenos pássaros.

“Venham queridos entes alados! Alimentem-se das minhas dádivas!”, disse a árvore, orgulhosa dos seus feitos.

Um espinheiro mal humorado, que vive próximo à frondosa mangueira, replicou: “Que se aproveite da senhora! Não queiram esses bichos danosos pousar nos meus galhos e me importunar! Serão recebidos por espinhos!”.

“Sabe, espinheiro, tenho pena de você”, disse a mangueira em tom de lástima.
“Pena? Não preciso da sua piedade! Pena! Que atrevimento! Quem você pensa que é?”, reagiu agressivamente o espinheiro.
A mangueira deu um sorriso de desdém.
“Quem sou eu? Ora, sou a árvore da generosidade, produzo tantos frutos saborosos que os donos da casa não conseguem consumi-los todos. Dão aos vizinhos, aos que passam na rua, aos parentes, dou-lhes fartura! E eles me admiram, gostam de mim”.
O espinheiro deu um muxoxo.
“Gostam de você... que presunção! Esses humanos não gostam de ninguém! Eles dão as suas mangas por vaidade, a dizer que eles são os generosos, não você, uma simples árvore metida a besta”.
As folhas tremularam ao sabor do vento, como se a mangueira estivesse rindo do comentário.
“Ah é? Você precisava ouvir as conversas das crianças quando trepam nos meus galhos e chupam as mangas nas sombras da minha copa. São elogios ao sabor dos meus frutos, aos meus galhos fortes, às folhas que as protegem do sol”.
O espinheiro deu um suspiro de desalento.
“Você não passa de uma tola, senhora mangueira! Acreditar em elogios de crianças, quanta ingenuidade! Pulam em seus galhos, arrancam suas mangas, jogam pedras contra os frutos distantes! E ainda diz que gostam de você? Pois eu prefiro o respeito que elas me dedicam! Não se aproximam de mim! A mãe grita: cuidado com o espinheiro! E elas nem chegam perto! Isso é respeito, senhora mangueira!”.
A mangueira parecia prestar mais atenção num marimbondo pousado em um de seus galhos.
“Entre respeitar e amar, minha preferência está no último verbo, meu caro espinheiro. No seu caso, o respeito é sinônimo de medo. Você tem medo de sua fragilidade e inutilidade. Não sei por que não o derrubaram ainda, se você é improdutivo e ameaçador”.
“Sou o que sou, respondeu o espinheiro. “Não engano ninguém, não faço bondades por vaidade, ou para que me considerem uma árvore boazinha, de boa estirpe ou qualquer bobagem do gênero. Não faço simulações para esconder o que sou realmente, não vivo dos aplausos e dos elogios, minhas raízes não sugam essas coisas imateriais”.
A mangueira reagiu ríspida.
“Eu também não simulo! Sou feliz porque gostam de mim! E faço o possível para que todos gostem cada vez mais, desde esse marimbondo intrometido ao dono dessa casa! Os agradecimentos me alimentam!”
O espinheiro deu uma gargalhada.
“Alimentam sua vaidade, não o seu corpo! A senhora é uma tola, a viver de elogios e aplausos, de sentimentos passageiros que se transformam a cada momento. A senhora já tem idade para saber que o elogio é efêmero, que se esgota e cansa”.
A mangueira sentiu-se ofendida.
“Tenho apenas sessenta anos e posso viver mais duzentos. E gosto sim! Gosto muito de servir aos outros! Não sou uma inútil como o senhor, a enfrentar tolamente o mundo com esses espinhos ridículos! O seu futuro é um machado afiado, pode esperar!”.
O espinheiro deu outra gargalhada.
“Pois tentem chegar ao meu tronco rodeado de galhos espinhosos! Você não percebe a nossa diferença? Enquanto você lança seus galhos para cima, eu os rodeio em volta do tronco, como uma fortaleza inexpugnável”.
A mangueira comentou baixinho, quase para si própria.
“Pobre espinheiro. Seus galhos de nada servem contra o fogo e o machado”.

E percebendo que a discussão seria interminável, as duas árvores resolveram se calar.

Naquele verão, a mangueira ofereceu mais uma vez a fartura de seus frutos. As crianças brincavam nos seus galhos e chupavam as suas mangas, até que uma delas perdeu o equilíbrio, caiu ao solo e fraturou a espinha dorsal.

Os pais, tomados de dor e revolta, mandaram derrubar a mangueira. E o espinheiro lá ficou - ele e os seus espinhos.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A ameba

Filó Sarcodino era uma ameba e, como todas as amebas, ele era pouco ou nada respeitado. Onde estivesse ninguém lhe dava atenção, ficava ali, sentado, calado, a escutar e nada responder, porque – justiça seja feita -, nada lhe perguntavam, aliás, sua presença passava em branco, totalmente ignorada. Aproximava-se, com aquele sorrisinho dissimulado de ameba, cumprimentava os presentes, ninguém retribuía, sentava-se e ouvia a conversa dos outros. Ele mesmo pedia sua bebida ao garçom e na hora de pagar a conta, os outros somavam tudo, menos a sua parte, que ele pagava diretamente. Iam embora e ele permanecia sentado, a olhar a saída dos demais, sem despedidas ou acenos.

Filó era uma ameba, e se sumisse ninguém daria por sua falta.

Certo dia, grande discussão agitava a mesa da turma, a mesa onde Filó Sarcodino se sentava sem ser convidado. Havia uma vaga aberta no governo da cidade, prometida a um deles, que não poderia ocupá-la por não ter ficha limpa, devendo, assim, indicar alguém do seu relacionamento. Suas amizades ali estavam reunidas, porém, todas de ficha suja. Suas memórias catavam nomes nos recônditos mais obscuros do cérebro, mas nenhum surgia como salvação, se as duas condições impostas pareciam intransponíveis: pessoa de total confiança e com ficha limpa.

Foi de repente que um membro do grupo olhou para o lado onde se sentava Filó Sarcodino, encolhido no cantinho da mesa e bebendo o seu chope. Todos entenderam o olhar e dirigiram suas atenções ao lugar onde se sentava a ameba. E pela primeira vez fizeram-lhe perguntas, quem era ele afinal, onde trabalhava e o mais importante, se tinha ficha limpa. Ora, todas as amebas têm ficha limpa! Ameba que é realmente uma ameba nunca se envolve em coisa nenhuma, sua ficha é limpa em razão de sua própria inexistência.

Resolvido, pois, o problema! Deram o nome de Filó Sarcodino para nomeação e apenas lhe explicaram que ia ser nomeado e ocupar um belo gabinete. E tudo transcorreu da forma planejada: a ameba acomodava-se na poltrona da chefia e o grupo resolvia tudo, tendo Filó o único trabalho de assinar os papéis que os outros colocavam em sua mesa. E todos foram felizes (e ricos) para sempre, exceto Filó Sarcodino, que do mesmo jeito que entrou, saiu.

Fim da história.

O que você disse? Que não gostou do fim da história? Ahh, você queria um final mais romântico, com Filó se rebelando e dando uma rasteira naquele grupo de safados. Ora, meu amigo, eu disse desde o início que Filó Sarcodino era ameba e ameba que se preza não sofre mudanças em sua natureza, apenas pequenas mutações lentas e gradativas ao passar dos séculos. A vida, enfim, nada tem de poético, e, sim, sua dura realidade. E não se esqueça, para cada espertalhão há uma ou várias amebas ao seu redor.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A invasão eletrônica

Quem emeia assiduamente, quem webeia diariamente e quem blogueia constantemente é alvo ou vítima de emboscadas. Os piratas internautas vasculham o espaço e detectam em seus radares eletrônicos as suas inocentes viagens ao éter, enviando, de imediato, suas virulentas ordens de ataque. Somos o chapeuzinho vermelho passeando no bosque dos lobos famintos, todos à espreita para nos abocanhar.

E preparam armadilhas extraordinariamente criativas, os piratas atuais são inteligentes e astutos, não mais aqueles românticos pernetas com papagaio no ombro. Aliás, a perna de pau de hoje é um cavalo de tróia a carregar na barriga os vírus do ataque. “Clique aqui para entrar”; você clicou você se ferrou.

A novidade da tal “nota fiscal eletrônica” é uma das iscas atualmente utilizadas pela pirataria hackeriana. Quando você compra uma mercadoria, a mocinha do caixa informa: “a nota fiscal será enviada por e-mail”. Em tempos idos, a nota fiscal era imediata, a comprovar a operação efetuada, mas agora, não. Você recebe (quando recebe) um recibinho fajuto e prometem a nota fiscal, a ser entregue posteriormente pela internet. A maioria não chega, é evidente, sofisticou-se a sonegação, e nós ficamos sem o comprovante fiscal da compra ou da prestação do serviço. E aquele recibinho (quando existe) parece que é escrito com tinta mágica: vai esmaecendo, esmaecendo, até transformar-se em papel em branco, tal qual extrato bancário.

Essa técnica de burlar o fisco, ou melhor, me desculpem, essa técnica aprovada e recomendada pelo fisco vem sendo usada pela pirataria eletrônica. Recebemos todos os dias um e-mail dizendo: “Segue nota fiscal eletrônica da compra efetuada nesta empresa (ou “do serviço tomado nesta empresa”)” E abaixo, um lugar para clicar. Se clicar, ferrou. O seu computador é invadido e o chupa-cabra virótico chupa todos os seus dados cadastrais.

O pior é a dúvida momentânea que nos invade: será que comprei mesmo alguma coisa nessa empresa? Mas, que empresa é esta se não consta na mensagem a sua identificação? Por precaução, deletamos tudo, a ficar, porém, aquela pontinha de dúvida sobre a veracidade do comunicado.

Um amigo estrangeiro me disse que está difícil comprovar suas despesas quando vem ao Brasil. Já pediu à empresa que troque o sistema de reembolso por uma diária fixa, porque não consegue mais reunir os comprovantes. Naquela maneira peculiar de dizer as coisas, ele me disse que o Brasil está “um esculhambation”. Do hotel ao restaurante, a nota fiscal é uma quimera, uma promessa de político, que nunca se concretiza.

E pior ainda: como você tem que dar o seu endereço digital, os danados vendem o cadastro para essas firmas de propaganda eletrônica. Todos os dias, você recebe as propagandas mais inusitadas possíveis. Foi difícil explicar à minha mulher o porquê de me enviarem propaganda de “massagistas especiais”, com diversas fotos realmente interessantes. Cá entre nós, esta mensagem não deletei, ando sentindo uma dorzinha nas costas... 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Direito e Poder

Numa fazenda longínqua, encravada nos grotões do interior, uma criança nasceu com duas cabeças, para o horror de seus pais. Mesmo assim, a criança sobreviveu e cresceu, mas confinada no interior da casa e escondida de todos os demais. Somente os pais sabiam daquele horrível segredo.

As cabeças eram independentes, cada qual com seus pensamentos, ideias e sentimentos, e quando aprenderam a falar conversavam entre elas. Tornaram-se amigas, apesar de alguns atritos quando suas vontades divergiam: uma queria dormir, outra queria andar; uma queria tomar banho, outra queria brincar. Acabaram por entender que nunca seriam totalmente independentes por terem um só corpo.

Pediram aos pais uma solução do problema, mas estes não conseguiram resolvê-lo, os pais eram pessoas de poucas luzes e fraco discernimento. As cabeças viviam às turras, mas evitavam se bater, pois a dor era compartilhada, como se alguém desse um soco na própria barriga. Preferiam, então, apenas discutir e não chegar às vias de fato, se o sofrimento era recíproco.

Ao aprenderem com a mãe a arte de ler e escrever, uma verdadeira surpresa surgiu: somente a cabeça do lado direito conseguia escrever; a outra, que usava a mão esquerda, nada conseguia, exceto garatujas e letras tortas, indecifráveis. A cabeça do lado direito aproveitou-se dessa diferença a propor à outra uma liderança de poder. Afinal, a capacidade de escrever era uma prova de sua ascendência sobre a outra, a deixar entendido nas entrelinhas que ela era a mais inteligente. A cabeça do lado esquerdo teve que concordar, a capacidade de escrever era, sem dúvida, um fato relevante.

Resolvida a liderança, as cabeças se nomearam: Rei, a do lado direito; Povo, a do lado esquerdo. E que o Povo obedecesse sempre às ordens do Rei.

Quando os pais morreram, coube ao homem de duas cabeças administrar suas terras. Quem devia lavrar era o Povo, mas o Rei ia junto, a cochilar sobre o seu ombro. Quando o Rei se recostava na poltrona para ler um livro, ou planejar a gestão da propriedade, o Povo dormia profundamente, cansado por suas árduas tarefas. E, assim, os conhecimentos de um cada vez mais se distanciavam dos conhecimentos do outro. O Povo conhecia as técnicas do cultivo da terra, de cozinhar, de consertar as coisas; o Rei conhecia os segredos da política, das artes culturais, da filosofia, do gerenciamento.

Até que um dia o Povo se revoltou: chegou à conclusão que só ele trabalhava e o outro se reconfortava nos prazeres da vida. A discussão foi acalorada, a dizer o Rei que o corpo também lhe pertencia, o cansaço dos trabalhos rotineiros também lhe alcançava, mas o Povo gritava que enquanto trabalhava o Rei dormia e só colhia os frutos. E desta vez, houve luta sangrenta, o Povo enfiou uma faca no coração do Rei. E morreram os dois.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A locação de bens móveis e a prestação de serviços

Como se sabe, a locação de bens móveis (tipo locação de veículos) não é mais tributada pelo Imposto Sobre Serviços – ISS. A não incidência vem de 2003 para cá. Assim, quem alugar um carro, por exemplo, examine o documento fiscal, ou o recibo, liberado pela locadora, e veja se há inclusão do ISS. Se houver, a locadora estará lesando o locatário, embutindo um custo que não existe, pois não vai recolher ISS nenhum.

Importante entender que locação não gera ISS, mas prestação de serviços, sim. O contrato de locação tem características próprias e específicas, sendo uma delas a transferência da posse do bem locado ao locatário. A dizer que a coisa locada sai das mãos do proprietário e sua posse é transferida ao locatário, devendo este cuidar do bem como se fosse o seu dono. Por isso, o locador tem que possuir título bastante para fazer a locação do bem locado, como o proprietário, o arrendatário, o inventariante etc.

E mais ainda, o locador tem obrigações de manter a coisa em estado de uso, a não ser quando o dano foi provocado por uso indevido ou exacerbado pelo locatário, e, também, entregar a coisa alugada com suas pertenças. No caso de veículos, o contrato deve prever a inclusão de algumas pertenças especiais, tipo aparelho de som, GPS, receptor de TV e outras comodidades.  

Perante o Direito, a locação é considerada uma obrigação de dar coisas, enquanto os serviços são obrigações de fazer. Vem daí a impossibilidade da cobrança do ISS, imposto direcionado exclusivamente à prestação de serviços. Mas, incabível confundir um contrato de locação com outros que nada têm a ver com locação. Não confundir, por exemplo, locação com serviço de transporte. Transporte de passageiro ou de carga não se trata de locação, e, sim, de serviço de transporte. Quando o serviço for prestado diretamente pelo proprietário do bem, ou por seus funcionários, evidente que não houve transferência de posse do bem, pois este continua na posse do proprietário. Os tais “caminhões a frete”, como se vê nas placas de anúncios, não são para alugar, mas para prestar serviços de transporte de cargas, serviço conduzido pelo motorista da empresa do caminhão.

Máquinas que executam serviços com operadores da própria empresa, não são alugadas. São usadas na execução de serviços contratados por clientes que não estão “alugando” a máquina, mas, isto sim, contratando um serviço.

Algumas empresas, com a nítida finalidade de diminuir o custo tributário, estão adotando o seguinte “esquema”: faz o cliente assinar um contrato de locação da máquina, e, também, um contrato de fornecimento de mão de obra. Agindo assim, exclui o custo da máquina da incidência do ISS, que recairá somente sobre o valor do contrato do fornecimento da mão de obra. Todavia, essa estratégia não passa de uma simulação jurídica, porque, na verdade, o cliente não está alugando a máquina nos termos exatos que caracterizam a locação. Sua intenção foi somente a de tomar um serviço e não a de assumir as responsabilidades de um locatário.

Em linguagem educada, chamam tal estratagema de elisão fiscal, mas não confundir elisão com esperteza ou simulacro de elisão. O Fisco geralmente se protege de tais ficções com base na regra ditada no parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, regra, aliás, vista com maus olhos por muitos juristas, o que se compreende perfeitamente.

Assim, não confundir alhos com bugalhos e, depois, ser autuado por não ter recolhido o ISS. O tomador de serviço pessoa jurídica, obrigado a reter o ISS na fonte pagadora, deve ficar atento para saber quando deverá efetuar a retenção. Locação “pura” não precisa reter, pois inexiste a exação. Serviço camuflado de locação, este sim, deve sofrer a retenção. Na dúvida, examine o contrato firmado com o prestador: mesmo que este se refira à locação, porém, o próprio “locador” é quem fornece a mão de obra para operar a máquina, não havendo qualquer transferência de posse, e não tendo o cliente a responsabilidade de preservá-la, não houve locação. Houve prestação de serviços.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Conversas miúdas

1 - Perguntas de netos

A adolescente pergunta ao avô:
- Vovô, o que era república velha?
O avô suspende a leitura do jornal e olha com admiração a neta.
- Você já está estudando essa parte da nossa História?
- Estou. O professor de História falou disso, mas não entendi direito.
- Bem, vou explicar. Ficou conhecido como república velha o período republicano iniciado com a proclamação da República e encerrado com a revolução de 1930.
- Mas o que tem de diferente esse período do outro que veio depois?
O avô deu um pigarro para liberar a garganta e proporcionar-lhe um tempo a mais para pensar, pergunta de neto é sempre complicada.
- Bem, um dos motivos foi que todos os presidentes eleitos durante o período da república velha faziam parte de uma sociedade tipo secreta, que chamavam de bucha. Por isso, a república velha também era conhecida como a República da Bucha.
- O que era isso?
- Era o seguinte: todos eles formavam uma espécie de cumplicidade de compadrinhos. Quando um era presidente, nomeava os outros para ministros e altos cargos do governo. Quando outro assumia fazia o mesmo com os demais. Assim, estavam sempre no poder, eles e os seus amigos, partidários e parentes, entendeu?
A neta procurou assimilar a resposta.
- Entendi mais ou menos... Tem uma coisa que ainda não consegui entender.
- O que você ainda não entendeu minha neta?
- Velha, por quê?

2 - O problema das crianças exclusivamente urbanas

O pai entra com os dois filhos no Zoológico de São Paulo. A menininha feliz, a segurar a mão do pai e andando aos pulinhos, pergunta:
- Papai! Aqui é a casa dos bichos?
- Aqui é onde mora uma porção de animais! Macacos, leões, girafas, zebras, camelos...
E a menininha, rápida:
- Eu quero ver as galinhas!


3 – A justificativa do inadimplente

Conta a História, não sei se é verdade, que Richard Wagner, o genial compositor, era um devedor incorrigível, pegava dinheiro com todo mundo e nunca pagava. Certa vez, um credor tomou coragem e foi à sua casa cobrar uma dívida.
- Maestro, por acaso o senhor esqueceu que me deve um título há mais de um ano?
E Wagner respondeu:
- Meu caro amigo, desde o momento em que acordo e até a hora em que consigo dormir, a minha cabeça fervilha música, só música! Os acordes martelam o meu cérebro insistente e obsessivamente! Como é que você quer que eu me lembre de pagar minhas dívidas?

4 – Compartilhar segredo

Dizem que essa foi do político mineiro José Maria Alkmin, famoso por sua esperteza e respostas inteligentes. Um Deputado foi ao seu encontro:
- Senador, tenho algo muito sigiloso a lhe contar.
- Pode contar, meu filho.
- Mas, Senador, o assunto é muito confidencial! O senhor, por favor, não comente com ninguém!
O Senador Alkmin apoiou o braço no ombro do Deputado e lhe disse:
- Meu amigo, se o segredo é seu e você não consegue mantê-lo, como quer que eu assuma tal responsabilidade?


5 – O quanto basta!

Um extraordinário e famoso tenor russo vivia recebendo cartas de um russo-americano, pedindo para ser o seu agente nos Estados Unidos. O cantor lia as cartas e debochava: “Que petulância desse sujeito! Ser o meu agente! Que presunção!” E nunca respondia aos insistentes pedidos do outro.
Passa o tempo e estoura a revolução bolchevique. O tenor foge às pressas da Rússia, pega o primeiro navio e acaba desembarcando em Nova York. Sem passaporte, é imediatamente preso. Os policiais da aduana perguntam se ele conhece alguém nos Estados Unidos, e ele, desesperado, só com a roupa do corpo, lembra-se daquele sujeito que queria ser o seu agente. De tanto escrever-lhe, lembrou-se do seu nome.
Telefonaram e o russo-americano foi correndo ao porto para liberar o tenor. Tudo resolvido hospedou-o num confortável hotel, comprou-lhe roupas e ainda lhe deixou um dinheiro. O cantor, constrangido, perguntou-lhe:
- Eu nunca respondi suas cartas, nunca lhe dei qualquer resposta, mesmo por educação, por que me trata assim, de forma tão gentil e bondosa?
O outro sorriu e respondeu:
- Porque o senhor é o maior tenor da atualidade. Desejar mais ainda, que o senhor possua outras virtudes, por exemplo, de ser uma pessoa educada, seria pedir demais a Deus!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O teste da amarelinha

Um candidato ao cargo de Diretor de Departamento apresentou-se ao Chefe de Gabinete do Prefeito para ser entrevistado.
- Você foi muito bem indicado pelo partido.
- Obrigado... Aqui está o meu currículo...
O Chefe de Gabinete recebe o currículo e o põe de lado.
- Analisarei depois o seu currículo. O mais importante agora é saber se você é uma pessoa confiável.
- Não tenha dúvida quanto a isso! Sempre fui fiel aos meus chefes!
- Acredito, mas a fidelidade se confirma nos momentos mais difíceis, quando nos sentimos pressionados e temos que decidir, você já passou por tal momento?
- Confesso que não, mas não tenho qualquer dúvida que se acontecesse eu manteria a minha fidelidade.
- Vamos ver... Quando você recebe uma ordem, você a cumpre incontinenti?
- Sim senhor!
- Você não titubeia quando a ordem for... vamos dizer assim... meio estranha, um pouco ilegal, ou meio fora das normas?
- Em absoluto, senhor! Ordem é ordem! O chefe mandou fazer, eu faço!
- Então, você cumpre a ordem sem pestanejar?
- Exatamente! É assim que eu penso!
- Pois bem, posso então fazer um teste com você?
- Perfeitamente!
- Muito bem! Vou então dar-lhe uma ordem: você vai agora até o pátio da Prefeitura e grita bem alto: VIVA O PREFEITO! Grita duas vezes e depois volta aqui.
O candidato imediatamente saiu da sala, correu até o pátio e gritou como um louco: VIVA O PREFEITO! VIVA O PREFEITO! Depois, correu de volta à sala do Chefe de Gabinete.
- Pronto! Já fiz o que o senhor mandou!
- Eu sei, ouvi os seus gritos daqui. Vamos agora ao segundo teste, você concorda?
- Claro, senhor! Pode dar a ordem!
- Muito bem. Você vai percorrer o corredor inteiro da Prefeitura numa perna só, como estivesse brincando de amarelinha. Vai até o final e depois retorna e vem direto para a minha sala, entendeu?
- Entendi, mas o senhor quer que eu pule com a perna direita ou com a perna esquerda?
O Chefe de Gabinete amarrou a cara.
- Meu caro, você acaba de ser desclassificado. Pode levar o seu currículo e por favor se retire!
- Mas...
- Não tem mas nem menos! Pode se retirar!
O candidato, atônito, pegou o seu currículo e retirou-se. Depois que o candidato deixou a sala, o Chefe telefonou ao Prefeito.
- Prefeito, aquele candidato do partido foi desclassificado... isso... cargo de Diretor... perdeu no teste da amarelinha... pois é... esse teste é fatal... A maioria quando recebe uma ordem sempre quer mais esclarecimentos... Exatamente! Ficam fazendo perguntas de coisas irrelevantes... Está difícil nos dias de hoje conseguir alguém que seja realmente fiel, que cumpra as ordens sem pensar ou fazer perguntas... pode deixar... vou continuar procurando.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Construção de uma casa e os entraves burocráticos (III)

Este é o terceiro e prometo ser o último capítulo da novela. Se estiver disposto, seria bom ler os anteriores na ordem.

B) Outra alternativa: os profissionais de obra podem se inscrever no programa do Microempreendedor Individual. Caso a receita total não ultrapasse R$60.000,00 ao ano (R$5.000,00 ao mês) e não tenha mais de um empregado, um Pedreiro, por exemplo, pode assumir a posição de empresário individual e assinar contrato de prestação de serviço com você, o titular da obra, ou com o Mestre ou Administrador da obra. O Microempreendedor tem direito de emitir nota fiscal de serviço e, assim, quando você efetuar o pagamento, ele emite a nota fiscal correspondente.

Temos aí um probleminha. A Receita Federal do Brasil tem às vezes a mania de querer cobrar os 12% de contribuição patronal destinado à Seguridade Social, mesmo que você seja pessoa física. Ocorre que o art. 22 da Lei n. 8.212/91 estabelece essa obrigação para empresas ou empresários, isto é, para aquelas pessoas (físicas ou jurídicas) que exercem a atividade com objetivos empresariais, o que não seria o seu caso, pois você está construindo sua casa e não pratica este trabalho com habitualidade, característica do empresário. Se o Auditor for cabeça dura, a discussão será longa e desgastante.

Outro problema é a Prefeitura. Vários Municípios costumam cobrar o ISS de obra por meio de uma estimativa de custo em relação à metragem. Então, mesmo que você prove que a obra foi construída por microempreendedores, e que estes pagaram o imposto, o Fisco Municipal vai querer cobrar mais, porque o chamado MEI (Microempreendedor Individual) paga somente R$5,00 de ISS, de acordo com a lei. E a estimativa vai apontar um valor bem maior. Outra discussão!

C) Mais uma alternativa é contratar o mestre ou encarregado de obras e sua equipe sem formalidade alguma e sem saber se os profissionais estão ou não no programa do MEI. Neste caso, verifique se os profissionais estão inscritos como Profissionais Autônomos na Prefeitura. Se estiverem, ótimo! Consiga com eles um documento que comprove a inscrição e guarde para comprovar à Prefeitura. O Autônomo já paga o ISS em valores fixos e nada mais poderá ser cobrado de você, ou melhor, contudo, porém, todavia, você sabe... Tem aquela tal de estimativa... A lei manda cobrar... O senhor compreende... Outra discussão!

Entretanto, se os profissionais não forem Autônomos inscritos na Prefeitura, você terá de reter o ISS quando fizer o pagamento e, logo adiante, efetuar o recolhimento na Prefeitura. Ou, então, não reter nada e fazer o pagamento do imposto diretamente na Prefeitura, por sua conta.

Você pode, também, não pagar coisa nenhuma de ISS durante a obra e aguardar a conta quando for requerer (solicitar, implorar, pedir pelo amor de Deus) o tal habite-se. Já foi dito e repetido que a maioria das leis municipais estabelece uma estimativa de custo da mão de obra em relação ao tamanho da obra. E aí, esta será a conta a pagar. Neste caso, não tem discussão, você deve mesmo, pois nada pagou antes.

Além do ISS, a Prefeitura cobra algumas taxas. A primeira, quando você dá entrada com o pedido da licença para construir. A segunda, quando você pede o habite-se. O valor das taxas varia em cada Município, oscilando de R$0,15 a R$0,30 por metro quadrado da construção, fora algumas surpresas.

E quando a casa ficar pronta, recebido o habite-se e a certidão do INSS, não se esqueça de fazer a averbação no Cartório de Registro de Imóveis. Ao emitir o habite-se, a Prefeitura vai promover a alteração do cadastro do imóvel, para fins de IPTU. Você pagava o IPTU do terreno e no ano seguinte ao da conclusão da obra e respectivo habite-se, você pagará IPTU referente ao valor venal completo do imóvel (terreno e casa). O valor vai aumentar, provavelmente, mas a alíquota deverá ser inferior, pois alíquota de terreno vazio é maior do que alíquota de terreno edificado. Por isso, a diferença a maior do imposto pode não ser assim tão assustadora.

Para concluir: desanimou? Cá entre nós, talvez seja melhor comprar uma casa pronta.

sábado, 1 de dezembro de 2012

A nova ortografia

Como se sabe, o idioma é dinâmico, tem vida, pode crescer, evoluir ou extinguir-se. O idioma segue os hábitos do povo que o utiliza e adapta-se aos novos meios de comunicação.

Nada, portanto, a criticar as novas locuções adotadas no idioma português, indispensáveis para as pessoas conseguirem se comunicar. Vamos dar exemplos de novos verbos introduzidos na “última flor do Lácio, inculta e bela”, como escreveu Bilac.

1) O verbo emeiar. Significa: corresponder-se por meio digital.  Exemplos de uso: “Roberto, emeia pra mim o seu parecer".  “Meu amigo, estou emeiando agora o currículo combinado”. Conjugação no presente: Eu emeio, tu emeias, ele (ela) emeia; nós emeiamos, vós emeiastes; eles emeiam. Trata-se de um verbo intransitivo, e não tem nada a ver com meia, ou fazer meia, isso é outra coisa.

2) O verbo presidentar. Exemplos de uso: “Ela presidenta a nação”. “Os dois presidentam o Brasil ao mesmo tempo?“ “Quem vai presidentar o Brasil em 2015?”. Conjugação no presente: Eu presidento, tu presidentas, ele (ela) presidenta; nós presidentamos, vós presidentais, eles presidentam. O verbo é transitivo direto, quem presidenta, presidenta alguma coisa.

3) O verbo mensalar. Exemplos de uso: “Eu mensaleio pra você”. “Eles mensalaram muito dinheiro”. Conjugação no presente: Eu mensaleio, tu mensalas, ele mensala; nós mensalamos, vós mensalais, eles mensalam. Trata-se de verbo intransitivo, quem mensala já se entende o que é.

4) O verbo donloudar. Exemplos de uso: “Eu donloudo o livro que você pediu". “Favor donloudar o arquivo completo da Ilha dos Cabritos". Conjugação no presente: Eu donloudo, tu donloudas, ele donlouda; nós donloudamos, vós donloudastes, eles donloudam. Transitivo direto, quem donlouda, donlouda alguma coisa.

5) Um novo verbo introduzido recentemente: joaquinzar. Exemplos de uso: “Eu joaquinzei a reunião dos condôminos”. “Aquele juiz joaquinza muito”. Conjugação no presente: Eu joaquinzo, tu joaquinzas, ele joaquinza; nós joaquinzamos, vós joaquinzais, eles joaquinzam. Verbo intransitivo (não precisa de complemento, todo mundo já entendeu).

6) O verbo propinar já existe, significando “dar a beber”, “ministrar”. Já escreveu Rui Barbosa: “Façam o que quiserem dessas secreções propinadas à freguesia incauta da imprensa”. Imaginem eu dizer: “Vou propinar um curso”. Mas, agora, é usado em novo sentido. Exemplos de uso: “Eu propino o servidor”. “Você vai propinar essa licitação?”. Conjugação no presente: Eu propino, tu propinas, ele propina; nós propinamos, vós propinais, eles propinam. Verbo transitivo (quem propina, propina alguém ou alguma coisa).

7) O verbo sirigaitar já existe, mas, agora, foi revivido. Significa pessoa pretensiosa, buliçosa, ladina. Exemplos de uso: “Ela sirigaitava no gabinete”. “Eu sirigaito, sim! Mas o meu chefe permite!”. Conjugação no presente: Eu sirigaito, tu sirigaitas, ele (ela) sirigaita; nós sirigaitamos, vós sirigaitais; eles sirigaitam. Verbo intransitivo, quem sirigaita, sirigaita e pronto!  

8) Outro verbo meio sumido e agora reassumindo suas forças é o pirulitar, muito usado pelos inocentados do mensalão e pela turma do CPI das cachoeiras. Significa cair fora, escapulir. Conjugação no presente: Eu me pirulito, tu te pirulitas, ele se pirulita; nós nos pirulitamos, vós vos pirulitais, eles se pirulitam. É um verbo reflexivo. A conjugação correta seria: Eu pirulito-me, mas ninguém fala assim.

9) E o último pertence ao Juca Kfouri, aqui copiado. É o verbo fulecar, pois deram o nome de Fuleco à mascote da Copa do Mundo no Brasil. Um nome horroroso, mas vai pegar. Exemplos de uso: “A seleção fulecou”. “Fulecamos todos, de verde e amarelo”. Conjugação no presente: Eu fuleco, tu fulecas, ele fuleca; nós fulecamos, vós fulecais, eles fulecam. Verbo intransitivo, quem fuleca está frito e ferrado!