domingo, 22 de junho de 2014

A remoção do cadáver

Não foi difícil matá-lo. Convidei-o a dar um passeio no meu carro e conversarmos como dois adultos civilizados sobre as nossas divergências, nada de gente por perto, e fora do nosso ambiente de trabalho. Uma conversa cara a cara, franca e leal. Ele pareceu não entender o meu convite porque, segundo ele, o seu propósito foi sempre de ajudar, de colaborar, ora, aquele gordo maldito! Suas observações eram sempre de natureza construtiva, disse-me ele, jamais pretendeu me ofender com as suas observações, apenas ajudar... Ajudar? Pois não dava mais para suportar aquela permanente intromissão em tudo que eu fazia, dizendo que eu devia ter feito assim e assim, logo quem! Um funcionário! Um reles subalterno! A dar conselhos sem ser solicitados! E na frente de todo mundo, com a maior naturalidade, onde já se viu?... Não!! Em absoluto! Não estou zangado não! Quero apenas trocar umas ideias, conversar sobre o trabalho, você sempre me dá boas sugestões... Parece que ele acreditou. Deu um sorriso, disse que gostava de mim, que estava à minha disposição... Pois sim! Eu sei o que ele queria! Ele queria o meu cargo! Estava de olho na minha posição! Ele queria que todos soubessem da sua capacidade, que era superior a mim, mais inteligente do que eu, que era uma injustiça eu ser o seu chefe. Gordo maldito! Não foi difícil matá-lo.

Durante a conversa no carro, dei a ele a latinha de cerveja, na qual injetei previamente uma boa dose de veneno, ele bebeu, passou mal, o corpo a tremer em espasmos, e morreu olhando perplexo para mim. Eu escolhera um bom lugar para estacionar, de noite e sem ninguém por perto. Bem, o assunto estava resolvido, não haveria mais aquela perigosa sombra a atormentar-me.

Mas agora precisava dar sumiço no cadáver, e eu não planejara essa parte do plano... Nunca fui bom de planos, pensei apenas como matá-lo, talvez pelo ódio que eu nutria por ele, e esquecera por completo planejar todo o procedimento.

Pensei inicialmente em retirá-lo do carro e jogar o corpo no meio das pedras onde as ondas espumavam na arrebentação. Esqueci que ele era gordo demais e eu não tinha forças para puxá-lo e levá-lo até a encosta do mar. Resolvi, então, levá-lo até a minha casa, onde abri a garagem e o deixei no carro. Eu estava cansado, fui dormir e o deixei ali mesmo. No dia seguinte eu pensaria numa solução.

No dia seguinte, o corpo estava inchado e já fedia. Disfarcei o cheiro da garagem com um aerosol aroma jasmim, mas não ajudou muito. O cadáver, agora mais gordo e inchado, era impossível retirá-lo do carro. E, além disso, eu precisava trabalhar, não podia faltar ao expediente no mesmo dia em que o gordo também não comparecesse, ele era o meu braço direito, como todos diziam, era ele que resolvia os problemas, eu ficava na parte política, tratando com a diretoria... Questões pequenas eram com ele. Um absurdo o gordo faltar ao trabalho exatamente no dia em que eu precisava estar ausente!

Tranquei a porta da garagem, vedei as frestas das janelas, e fui de ônibus para o serviço. Mandei cortar o ponto do gordo! Faltou sem dar uma única justificativa! Comentei o caso da ausência com o diretor e ele ficou surpreso, “o gordo faltou? Ele não é disso!”. Ah-ah, foi bom o diretor saber que o gordo não era tão perfeito assim.

A minha garagem transformou-se em mausoléu, o carro em caixão. Joguei cal sobre o cadáver para diminuir o cheiro e nunca mais usei o meu veículo. Dei queixa de roubo e recebi o seguro. No serviço, todos sentiam falta do gordo, a polícia andou por lá fazendo perguntas, o desaparecimento era um mistério. Fiquei consternado... Será que ele tinha uma amante? Fugiu com ela? Essas coisas...

E anos se passaram e o cadáver na garagem. De vez em quando vou até lá e me sento ao lado do corpo decomposto. E converso com ele, conto as novidades da empresa e faço perguntas sobre coisas do serviço, mas o gordo nada fala e não responde às minhas perguntas. Fica lá se decompondo... Gordo maldito!


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