Aqui na minha comunidade temos dois candidatos à vereança, Chinelinho e Índio da Verdura, mas candidatos alienígenas costumam invadir a nossa praia na tentativa de angariar votos. Domingo passado ocorreu uma dessas invasões.
Vem um candidato a Prefeito na frente e uma multidão de candidatos a vereador atrás, alardeados por um foguetório irritante, a incomodar os comunitários. Desconhecem que os nossos domingos são dedicados ao sossego depois de uma semana toda de barulho atroz, proveniente dos vendedores de gás e vendedores de panelas, redes, salgados e afins, além do caminhão de lixo, galo cantando, cachorro latindo, gato miando, uma zoeira danada.
Parte da população local gosta de deitar-se na praia e ali tirar uma soneca reparadora. Outra parte gosta de ficar em casa, assando coração e asa de galinha na churrasqueira de tijolos e beber uma cerveja geladinha. Este é o nosso domingo. E vem essa turma a tumultuar o sossego público.
Os mais curiosos vão até o calçadão da praia para ver o que está acontecendo. O candidato a Prefeito vem na frente cumprimentando a gente e nós, por educação, estendemos a mão. Depois que o candidato se afasta, Seu Broa pergunta: “Quem é este cara?”. Seu Broa, de idade ignorada, talvez uns setenta, é empresário na área de reciclagem, é ele o catador de latinhas aqui na comunidade. Nós sempre deixamos as latinhas em sacos separados dos demais, para facilitar o seu trabalho e para evitar que ele fique remexendo a intimidade dos nossos lixos. “Ele é candidato a Prefeito”, responde Capitão, cabo reformado da PM, que tem o costume de matar pombos com a sua espingarda de ar comprimido. Capitão detesta pombos, diz que traz doença. Seu Broa faz um muxoxo: “Meu candidato é o Chinelinho”. E o assunto passou a girar em torno da política.
O Seu Broa me faz uma pergunta: “O senhor, que é doutor, acha justo eu não pagar o pitiú?”. Entendi que ele se referia ao IPTU. “Por que o senhor não paga?”, perguntei. “A Prefeitura não me manda a conta”, respondeu. Capitão entra na conversa: “O senhor não paga porque é velho, velho não paga pitiú”. Seu Broa reagiu: “Ah é? O doutor aqui, que é tão velho quanto eu, paga pitiú?”. “Eu pago”, respondi. “Tá vendo? É perseguição política que a Prefeitura faz comigo”, disse irritado Seu Broa. Dona Zica, que frita peixe num quiosque, participa da conversa: “Eu pago pitiú todo ano, em prestação, pago lá na loteria, tudo certinho”. “Por que o senhor acha que é perseguição política?”, pergunta Capitão ao Seu Broa. “Porque eu não deixo as latinhas pro lixeiro vender, tá entendendo? Eu pego tudo e a Prefeitura fica na mão, olha o prejuízo que eu dou a ela”. “Mas não é bom para o senhor não pagar o IPTU? É menos uma despesa!”, digo eu. “Ah é? E como vou provar que a casa é minha se não pago o pitiú?”. Dona Zica interfere: “Se alguém falar que a minha casa não é minha eu esfrego o papel do pitiú na cara de quem falou, eu guardo tudo”. “A senhora está certa”, disse Seu Broa. E continuou: “Já falei com o Chinelinho e ele prometeu botar o meu nome lá, para pagar pitiú, só quero ver”.
Chinelinho já começa a fazer suas promessas de campanha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário