quinta-feira, 30 de abril de 2020

Gratificação para os servidores da Saúde!

Discute-se a criação de uma gratificação para os servidores que atuam diretamente com os pacientes do novo coronavírus. Como se sabe, algumas categorias de servidores da saúde têm direito à gratificação de insalubridade, cujo valor é calculado com base no vencimento do cargo efetivo. Há também o adicional de insalubridade, tendo o valor de 5% para o grau mínimo, 10% para o grau médio e 20% para o grau máximo.

Insalubridade é o adicional devido ao servidor, que executa habitualmente suas atividades em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas. São consideradas atividades insalubres aquelas que, por sua natureza ou método de trabalho, exponham o servidor a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social. (de acordo com laudo médico).

E temos também o adicional de periculosidade. Periculosidade é o adicional devido ao servidor que executa habitualmente atividades ou operações perigosas. São consideradas atividades ou operações perigosas; na forma de regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem no contato permanente com inflamatórios ou explosivos em condições de risco acentuado.

Ocorre, porém, que o servidor não pode ganhar os dois adicionais. Eles não são cumulativos.

Contudo, na atual situação em que os servidores da saúde estão expostos em flagrante risco de vida, não seria cabível alterar as leis e conceder a esses profissionais os dois adicionais e, inclusive, em alíquotas mais vantajosas? Médicos, Enfermeiros e Atendentes são verdadeiros heróis, colocando suas vidas em risco a cada dia. E pior, colocando em risco a vida de seus familiares, quando retorna às suas casas para descanso.

Em suma: não precisa inventar nenhuma outra gratificação! Basta ajustar a lei da insalubridade e da periculosidade, pelo menos enquanto perdurar essa maldita pandemia. 

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Poder de polícia x liberdades individuais

Existe uma linha tênue que distancia as medidas a favor da coletividade (poder de polícia), em detrimento das liberdades individuais, das medidas que violam os direitos do indivíduo e, por isso, são inconstitucionais. Um exemplo acabou de ocorrer: o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu os efeitos de decreto do Município de Santo André que proibia temporariamente o transporte público de passageiros maiores de 60 anos. O Desembargador Marrey Ulint disse no seu despacho: “Ao determinar a cassação de direito tão básico, em virtude da declarada pandemia, está-se em verdade, e a princípio, privando os idosos mais vulneráveis de modalidade comum de acesso aos locais e aos serviços que tanto necessitam para sua sobrevivência, em disparidade com todo o restante da população” (...) “Não se está, então, ‘protegendo-os’, ao retirá-los do transporte público, mas sim garantindo que aqueles que possuem recursos possam se locomover de outras maneiras, e aqueles mais pobres não. O critério estabelecido, portanto, passaria a ser econômico, gerando discriminação desproporcional” (AI n. 2062129-12.2020.8.26.000).

Fonte: Informação extraída do Jornal Valor, de 23/04/2020, Sessão Destaques.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Manicômio Fiscal – O ISS

O cidadão comparece no setor de Atendimento da Prefeitura:

- Bom dia, eu quero me inscrever como profissional autônomo.
- Profissional autônomo? Pra quê?
- Ora, sei lá, me disseram que é obrigatório...
- O senhor tem loja?
- Não, eu trabalho em casa, no quintal.
- Gozado... Trabalha no quintal... Pera aí... O JOÃO!!! A GENTE INSCREVE PROFISSIONAL AUTÔNOMO? O senhor aguarda um pouquinho, por favor, ele está vindo, o João entende muito dessas coisas.
(Aparece o João)
- O que foi?
- Este senhor quer se inscrever como profissional autônomo - é aqui mesmo?
- Ah! O senhor está querendo tirar o alvará?
- Não! O contador me disse que preciso me inscrever como profissional autônomo.
- O senhor tem loja?
- Eu já disse a essa senhora que não. Eu trabalho em casa...
- Mas então pra quê o senhor quer se inscrever como profissional autônomo?
- Oh meu Deus, eu sei lá! O contador me mandou... Disse que eu tenho que pagar ISS!
(O João parece que entendeu)
- Ah! Está certo! O ISS! Mas o senhor tem que tirar também o alvará da loja!
- Mas que loja? Eu não tenho loja!
- Se o senhor não tem loja, como vai prestar serviço?
- Meu Deus, eu já disse! Eu trabalho em casa!
(A Atendente está aflita, a fila crescendo...)
- O que nós vamos fazer, João?
- Pera aí, vou falar com o chefe.
(João se retira)
- O senhor pode aguardar aqui ao lado? Eu preciso continuar atendendo a fila.
(O cidadão aguarda. Vinte minutos depois, volta o João)
- O chefe perguntou se o senhor é estabelecido.
- Estabelecido? O que isso quer dizer?
- Bem, se o senhor for estabelecido vai precisar de alvará.
- Ah, estabelecido é quem tem estabelecimento? Pois não tenho estabelecimento! E agora?
- Pera aí, vou dizer ao chefe que o senhor não é estabelecido.
(João se afasta. Quinze minutos depois, retorna)
- O senhor devia ter dito logo que não era estabelecido. O senhor não precisa de alvará, basta se inscrever.
- Mas  é isso que eu estou dizendo desde o início! Como faço para me inscrever?
- O senhor preenche essa ficha de cadastro... Tem caneta? Porque aqui não tem caneta, tinha uma amarrada nesse barbante, mas cortaram o barbante... Levaram a caneta...
- Pode deixar, eu tenho caneta.
(João se afasta e o cidadão preenche a ficha cadastral e entrega à Atendente)
- Eu vou precisar de cópia da carteira de identidade, CPF, comprovante de residência e cópia do registro de sua profissão no Conselho da categoria.
- Eu tenho tudo aqui, menos esse registro no Conselho. Minha profissão não tem Conselho.
- Não tem Conselho? Ora, toda profissão tem... CRC, OAB, CREIA, tem um monte de Conselhos.
- Minha senhora, eu sou Marceneiro e Marceneiro não tem Conselho.
- Gozado... Pera aí... O JOÃO!!! ELE NÃO TEM CONSELHO!! O senhor aguarda um pouquinho, o João entende muito dessas coisas...

segunda-feira, 13 de abril de 2020

O Papagaio

(parodiando Edgar Alan Poe e o seu monumental poema, “O Corvo”)

Era meia-noite e eu tentava ler à luz de velas os curiosos tomos de velhos jornais, quando ouvi um leve bater nos portais. “Um cobrador!”, assustei-me, mas logo se aquietou o temor, “a essa hora da noite um cobrador não cobra mais”.
Ah, bem me lembro! Era em pleno calor de dezembro, eu me ardendo sem ventilador, atormentado com os mosquitos me comendo, e agora aquele bater nos portais. Gritei: “quem pede entrada em meus umbrais?” E o vulto silencioso se adentra, e quando o vejo... Ora, era um papagaio e nada mais.

Era um grave e nobre papagaio, daqueles do tempo dos piratas tradicionais, não fez sequer um cumprimento, mas com ar sereno e lento, pousou imprudente nos castiçais, a derrubar as velas no antigo balaio, e a cera derretida nos velhos jornais.
De susto, fez sorrir a minha amargura, agora completamente às escuras, disse eu, “papagaio abusado, diga-me qual o teu nome lá das trevas infernais” e olhando-me de soslaio, disse o papagaio, “Nunca mais”.

De pronto, entendi: a ave pertencia ao meu vizinho, a quem na vida pouco vi, mas sua fama conhecia - leitor profundo de poesia - somente ele capaz seria, nas palavras e nos sinais, ensinar o papagaio a dizer “nunca mais”.
Sentei-me defronte dele, diante dos castiçais, e, enterrado na cadeira, perguntei-me o que queria esta ave agoureira, que devia estar dormindo nas palmeiras, das florestas que não existem mais.

Fez-se então o ar mais denso, como se fosse ardente incenso, para espantar mosquitos, e eu gritei: “Malditos! Se tivesse o ar ligado, ou o ventilador acionado, vocês seriam enxotados às nuvens celestiais!”. E disse o papagaio, “Nunca mais”. 
Levantei-me irado e gritei aos meus umbrais, “Profeta do agouro, de frase única e persistente, não minta, insolente, a luz retornará de repente, diga louro se a energia não volta mais”. E ele disse, “Nunca mais”.

“Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!”, eu gritei. “Parte! Regressa à tua noite, deixa-me o dia, tamanha luz desejada e jamais racionada em meu casto abrigo. Leva contigo esta dor, de nem ter um sopro de vento a mais!”
“Parte daqui, do mundo dos devedores mortais, pobres inocentes, a quem os anjos chamam de gente, e na terra nem nome temos mais”.  E ele disse, “Nunca mais”.

E o papagaio, na noite infinda, paira por sobre os castiçais. Seu olhar tem a medonha dor de um demônio sem memória; e eu, no aguardo d’uma moratória, pedirei ao cobrador um parcelado, se o CPF não estiver negativado, quem sabe  possível mais um consignado.
E pousado para sempre no busto de Beethoven, aquele que ninguém mais ouve, o papagaio tosquiado, como as velas apagadas no balaio, percebe que nem sombra tenho mais, e que a luz não voltará jamais.

A Operação Corruptio Socialis

Honestíssimo Pontual, magistrado da Comarca de Bicão, dirigiu-se à sede da Polícia Federal e determinou a sua própria e imediata prisão pelo crime de ‘corrupção social’, da forma literal em que confessou o seu crime.
Diante da surpresa do Delegado Federal, o integérrimo juiz promoveu solene explicação: “Senhor Delegado, este servidor público que aqui se faz presente recebeu o contracheque de seus vencimentos relativos ao mês passado, e constatou que o total de rendimentos supera o limite constitucional. Sendo assim, o senhor está diante de um indivíduo que cometeu o crime de corrupção social, usufruindo de forma criminosa dos recursos públicos. Prenda-me, senhor Delegado!”.
O Delegado tentou dissuadi-lo da grave decisão: “Mas, Excelência, se o Tribunal resolveu pagar tal quantia, por certo está cumprindo a lei. Sua Excelência não tem culpa”.
Honestíssimo Pontual teve o rosto ruborizado pela vergonha e irritação: “Senhor Delegado! O senhor está insultando a minha inteligência! Se eu ficar quieto e aproveitar-me de uma lei indecorosa e imoral, serei conivente dessa política mendaz e corrupta. Declaro-me preso, senhor Delegado!”.
E assim, o juiz Honestíssimo Pontual foi conduzido à prisão temporária, por ordem expressa do próprio indiciado.
Contudo, o Delegado necessitava urgente da instauração de inquérito criminal, e para formalizar os procedimentos legais apelou ao Ministério Público. O caso foi parar nas mãos do Promotor Sisudo Rigor Extremo, baluarte das apurações de crimes contra a ordem social.
O doutor Sisudo ouviu atentamente as explanações do aturdido Delegado, o qual relatou a notitia criminis do juiz contra ele próprio. Ao término do relatório, o doutor Sisudo Rigor Extremo retirou do bolso o seu contracheque e alarmado declarou ao Delegado: “Senhor Delegado! Acabo de constatar que eu também cometi o crime de corrupção social! Ganhei mais do que o permitido na Constituição Federal!”.
O Delegado, perplexo, perguntou: “O que faremos, então, doutor Sisudo?”. O Promotor de Justiça não titubeou: “Prenda-me, também!”.

O Promotor Sisudo Rigor Extremo foi fazer companhia ao Juiz Honestíssimo Pontual na prisão. A Polícia Federal instaurou a Operação Corruptio Socialis e vem investigando os vencimentos de todos os servidores públicos. O Delegado Federal afastou-se da Operação por suspeição.