terça-feira, 21 de agosto de 2012

Conversa de Fiscais Municipais (a lá Aghata Christie)

- Eu não te disse? Esse Hospital trabalha direitinho, a gente não encontra nada de errado.
- Cara! Quanto mais velho mais burro tu és! Esse Hospital sonega e muito!!
- Qualé! Estamos aqui há uma semana, olhamos tudo, checamos tudo, e não encontramos nada!
- É mesmo? Se você não ficasse paquerando as enfermeiras em vez de fiscalizar, descobriria um monte de coisa!
- Eu não paquerei enfermeira nenhuma, tá ouvindo? Só tem dragoneti...
- Você é um despeitado! Por acaso você não percebeu a quantidade de gente que é atendida?
- Ora, e daí? É um Hospital movimentado...
- Eu te pergunto, quantas notas fiscais o Hospital emite por mês?
- Umas trezentas, não é?
- Certo! Umas trezentas, o que dá umas quinze por dia útil, está certo?
- Em média, tá certo, se não considerar o sábado...
- Vou esquecer os sábados; e você viu quantas pessoas são atendidas por dia?
- Ah, eu não fiquei contando...
- Mas eu contei! São 30 cadeiras sempre ocupadas na recepção. Meia hora de espera e mais ou menos uma hora de atendimento. Fiz os cálculos: dá uns 240 atendimentos por dia! Abato uns 30% só por garantia; vai dar, arredondando, uns 170 atendimentos. E só emitem quinze notas por dia...
- Caraca! Não percebi isso.
- Mas eu percebi! Enquanto você olha, eu observo! As minhas células cinzentas trabalham...
- Você parece uma Sherlock!
- Sherlock não! Prefiro Tuppence...
- Tup o quê?
- Tuppence, personagem de Agatha Christie, uma mulher danada de esperta!
- Não conheço essa gata que você falou... Trabalha em novela?
- É Agatha!! Ah, esquece... A verdade é que nós, Fiscais Municipais, temos que às vezes dar uma de detetive. Não temos aquilo que chamam de inteligência fiscal. Os auditores federais têm tudo nas mãos: cruzam informações, sabem a movimentação financeira nos bancos, sabem as transmissões imobiliárias, sabem tudo! Por isso, ficam lá nos seus gabinetes, sentadinhos, não precisam ir a campo.
- É verdade... Trabalho braçal é com a gente...
- E você sabe o que mais descobri?
- O quê?
- Enquanto você ficava lá de conversa mole com as enfermeiras, eu me enturmei com a clientela, fiquei lá do lado da mulherada batendo papo...
- Isso eu vi! Pensei: em vez de trabalhar fica lá de fofoca com as velhinhas...
- Fofoca uma ova! Em me entrosei com as pacientes e sabe o que descobri?
- O quê?
- O Hospital só emite nota fiscal de atendimento com planos de saúde, convênio, essas coisas. Os particulares, que pagam em dinheiro, só recebem um recibinho, nada de nota!
- Puxa! A gente precisava botar as mãos nesses recibinhos...
- Ah – Ah! Enquanto você está indo eu já estou voltando! Olha aqui! Consegui oito recibinhos...
- Cacilda!! Como você conseguiu, cara?
- Ora, eu pedi às pacientes, contei que era Fiscal... Elas me deram...
- Ah, agora ficou fácil...
- E tem mais! Você por acaso percebeu o luxo do Hospital? Mobiliário novo, equipamentos de primeira, aparelhagem de última geração...
- Isso eu vi, mas e daí?
- Pois me diga como eles conseguem tudo isso com a receita mixuruca que apresentam? De onde vem o dinheiro?
- Eu examinei a folha de pagamento de pessoal e é bem modesta...
- Cara! Tu és burro mesmo! Aquela folha é fajuta! Só tem 30 funcionários nela! Cadê o resto?
- É mesmo... Uma enfermeira me disse que tem 20 enfermeiras lá...
- Vinte enfermeiras! Na recepção tem 10 atendentes. Pronto! Já matou a folha! Cadê os médicos? Cadê o pessoal da faxina? Cadê o pessoal de laboratório?
- Podem ser terceirizados...
- Ah é? E cadê os contratos de fornecimento de mão de obra? Cadê a retenção do ISS?
- Isso mesmo! Eles disseram que não têm retenções na fonte...
- Tá vendo? E ainda acha que está tudo direitinho?
- Não! Você tem razão... Temos que arbitrar...
- Calma! Já está na rede! Agora eu quero saber de onde vem o dinheiro.
- Ora, do caixa dois.
- Eu sei, mas a lavagem tem que ser escriturada. Eu vi na contabilidade alguns empréstimos ao Hospital, são meio estranhos...
- Mas isso já não é nosso problema...
- Eu sei, mas Tuppence não para no meio do caminho...
- Ah, a personagem daquela gata que você falou...
- Que gata coisa nenhuma! Cala a boca!! Tu és burro mesmo!!
- Caraca! Não sei como o teu marido te aguenta!

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