quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O corrupto e o servidor

Ele precisava daquela certidão naquele dia! Caso não a recebesse perderia o prazo de participar da licitação e essa tragédia não poderia acontecer! Tanto trabalho deu, convencer as autoridades, fazer uns agrados, preparar o edital, negociar com outras empresas para participarem com os preços já combinados, meu Deus! Que trabalheira danada! Seria um absurdo perder prazo por causa de uma certidão!

O problema é que o servidor responsável pela assinatura da bendita certidão não é gente conhecida, está a pouco tempo na função, ninguém conhece suas referências e preferências, sujeito trancado, quieto, não se abre ao falatório, não confessa os seus desejos, o pior tipo de servidor: o indevassável, o impenetrável, concurso público devia proibir esse tipo de gente!

O empresário remoia tais pensamentos na sala de espera da repartição, onde aguardava o servidor. Pediu a reunião um dia antes e somente agora o cretino vai recebê-lo, sujeito arrogante e pretensioso, funcionário de quinta categoria, pé de chinelo, metido a importante! Lá vem ele! Com aquela calça jeans velha e desbotada, camisa para fora das calças, sapato sujo, sem meia, cabelo desalinhado, que cara ridículo!

O empresário levantou-se todo sorriso para receber o servidor. Apertou-lhe a mão.

- Como vai o senhor? Desculpe pedir essa reunião, o assunto é urgente!
- Não tem importância, qual é o assunto?
- É uma certidão que está na sua mesa para assinar, preciso dela pra hoje, senão vou perder o prazo da licitação!
- Qual é o nome da empresa?
- Construtora Vai Nessa Ltda. Sua secretária disse que está na sua mesa, só falta ser assinada...
- Ah, ela disse... Mas tem um problema, a empresa está na Dívida Ativa, alguns débitos pendentes...
- Mas isso é coisa muito antiga, já deve estar prescrito...
- Não está, não senhor...
- Será que o senhor não pode dar um jeitinho? Ganhando essa concorrência vou pagar todas as dívidas...
- Infelizmente, não é possível...

Bem, a essa altura, pensou o empresário, o cara apresenta a dificuldade para ganhar a facilidade. Isso, ele conhece, não o amedronta. Era o momento da oferta, da persuasão. Inicia-se o assunto com a demonstração de força política do pleiteante:

- O senhor sabe, eu estive ontem com o Prefeito, ele é muito meu amigo, e me perguntou como andava a licitação, uma obra importante para ele.
- Sei... Deve ser realmente importante...

Não funcionou! O imbecil nem piscou um olho, parecia distante, em outro mundo. Momento de entrar no assunto do agrado. Baixou o tom de voz.

- Por falar nisso, eu trouxe, está lá no carro, uma encomenda para o senhor...
- Encomenda? Eu não encomendei nada...
- Bem, eu digo encomenda, mas é um volume... Um volume de tamanho razoável...
- Volume? Volume de quê?
- Volume de quê? Ah... De livro! Livro grande!
- Ah, um livro! O senhor é escritor?

Será que o idiota não entende? O empresário estava nervoso!

- O autor do livro não importa, mas olha, são... Três exemplares! Não está bom? Três exemplares!

E mostrou três dedos da mão.

- Mas o que vou fazer com três exemplares de um livro? É para distribuir aqui na repartição?

Meu Deus! Que sujeito burro!

- São três processinhos, gordinhos...

- Ah, meu senhor, por favor, já estou cheio de processos...

Raios! Preciso mudar de tática.

- O senhor já viajou nesses navios de turismo? Um passeio até Porto Seguro...
- Ih! De jeito nenhum! Tenho pavor do mar!
- E o presente de Natal da esposa? Já pensou no que vai dar?
- Ah, já até comprei! Um perfume da Natura...
- Ora, podia ser um vestido de baile...
- Ah, isso não, ela não dança...

Que sujeito mais idiota! Tenho que ser mais direto:
- Escuta, aqui entre nós, tem alguma coisa que eu possa fazer pelo senhor?
- Bem... Na verdade, tem, mas estou sem graça de falar...

AGORA!! Finalmente!! Está no papo!!

- Pode acreditar, você tem aqui um verdadeiro amigo, pode confiar, pode pedir que eu atendo, um amigo é para os momentos difíceis.
- Posso pedir mesmo? O senhor não vai ficar chateado?
- De jeito nenhum! Estou aqui para servir!
- É o seguinte... O senhor poderia quitar sua dívida na Prefeitura? Eu estou com a sua certidão na minha mesa e não gosto de cancelar documento.

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