Tenho um amigo, atualmente sumido, que costuma dizer: “É tudo ladrão”, assim, de forma drasticamente generalizada. Ladrão no sentido de apropriar-se do patrimônio alheio diante de qualquer oportunidade, não no sentido legal do termo. Achar coisa alheia e não devolvê-la; receber troco a mais; aproveitar-se da ignorância alheia; colar na prova; bajular com o intuito de receber um benefício; pagar propina para obter um ganho maior; mentir para efeito de ganhar alguma coisa; aumentar o preço de venda sem qualquer razão técnica. Enfim, tudo é ladrão.
Em razão da amplitude do termo, a alcançar inúmeros atos e ações do cotidiano, dá-se preferência ao uso da palavra “esperto”, em vez de ladrão, expressão mais conveniente ao íntimo e a sensibilidade do autor e de seus coadjuvantes (mamãe, papai, amigos, partidários etc.). Um motorista de táxi contou-me, feliz da vida, que se apossou de um laptop esquecido por um passageiro no carro. Ao perguntar se ele não ia devolver, espantou-se: “Devolver? Que é isso, patrão? O otário foi ele, eu sou esperto!” Conclui-se, do caso, que esperto é sinônimo de ladrão, mas, convenhamos, ser esperto é socialmente mais aceito do que se confessar ladrão. O esperto, neste caso, é arguto, porém safado como qualquer ladrão, disso não temos dúvida.
Dessa dicotomia de palavras (esperto/ladrão) lembro-me de outra: a hipocrisia, que significa um vício de aparentar uma virtude que não se tem. Dizer-se esperto é o mesmo que se proclamar inteligente e esconder o que realmente é, um ladrão, ou seja, trata-se de um hipócrita, mas, o curioso é que o hipócrita, embora viva no mundo da mentira, ele próprio não se considera mentiroso no seu íntimo, considera-se apenas esperto. Esta é uma falha de formação do ser humano que, por certo, Deus Louvado e Misericordioso irá corrigir em futuras fornadas.
Outra confusão que se faz é com a palavra “esquema”, originária do grego skhema (figura). As quadrilhas costumam chamar de esquema o planejamento do crime ou da fraude: “O esquema é o seguinte:” e traçam o plano do golpe. Deveriam usar “ardil”, “trama”, “truque” e não o coitado do esquema, que não tem a nada a ver com isso.
E mais uma confusão que se faz, no uso das expressões, vem da imprensa. Outro dia, o informador do “Bom dia, Brasil” da Globo disse assim: “Três jovens invadiram o ônibus e atearam fogo...”. Três jovens!? Ora, três bandidos!! Três marginais!! Não importa a idade, é tudo bandido!! Outra: “Dois adolescentes agrediram a assistente social quando foram recolhidos fumando crack”. Melhor e mais correto seria: “Dois viciados agrediram...”.
De qualquer forma, o importante é a dosimetria da pena, a dizer que, genericamente, tudo é crime, mas todos graduados pela gravidade do ato. Deste modo, a pena cominada pode ser a guilhotina, o enforcamento, a cadeira elétrica, o fuzilamento, a amputação da munheca, vinte e cinco chibatadas, trabalhos forçados e, nos casos mais brandos, um descanso no spa do presídio, ou na piscina de sua casa. Ou seja, se não houver castigo, crime não houve, fica tudo por isso mesmo. Assim, pela dosimetria da pena pode-se dizer, ao contrário do que diz o meu amigo sumido, que nem tudo é ladrão, nem tudo é crime, vai depender da pena imposta. Preciso alertá-lo do seu erro, mas ele anda sumido... Será que foi preso?
Nenhum comentário:
Postar um comentário