quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A mangueira e o espinheiro

No largo quintal da casa, a mangueira suntuosa e bela aproveita os raios do sol e produz cachos de minúsculas flores brancas, cujo aroma se estende suave por todo o terreno, atraindo abelhas, borboletas e pequenos pássaros.

“Venham queridos entes alados! Alimentem-se das minhas dádivas!”, disse a árvore, orgulhosa dos seus feitos.

Um espinheiro mal humorado, que vive próximo à frondosa mangueira, replicou: “Que se aproveite da senhora! Não queiram esses bichos danosos pousar nos meus galhos e me importunar! Serão recebidos por espinhos!”.

“Sabe, espinheiro, tenho pena de você”, disse a mangueira em tom de lástima.
“Pena? Não preciso da sua piedade! Pena! Que atrevimento! Quem você pensa que é?”, reagiu agressivamente o espinheiro.
A mangueira deu um sorriso de desdém.
“Quem sou eu? Ora, sou a árvore da generosidade, produzo tantos frutos saborosos que os donos da casa não conseguem consumi-los todos. Dão aos vizinhos, aos que passam na rua, aos parentes, dou-lhes fartura! E eles me admiram, gostam de mim”.
O espinheiro deu um muxoxo.
“Gostam de você... que presunção! Esses humanos não gostam de ninguém! Eles dão as suas mangas por vaidade, a dizer que eles são os generosos, não você, uma simples árvore metida a besta”.
As folhas tremularam ao sabor do vento, como se a mangueira estivesse rindo do comentário.
“Ah é? Você precisava ouvir as conversas das crianças quando trepam nos meus galhos e chupam as mangas nas sombras da minha copa. São elogios ao sabor dos meus frutos, aos meus galhos fortes, às folhas que as protegem do sol”.
O espinheiro deu um suspiro de desalento.
“Você não passa de uma tola, senhora mangueira! Acreditar em elogios de crianças, quanta ingenuidade! Pulam em seus galhos, arrancam suas mangas, jogam pedras contra os frutos distantes! E ainda diz que gostam de você? Pois eu prefiro o respeito que elas me dedicam! Não se aproximam de mim! A mãe grita: cuidado com o espinheiro! E elas nem chegam perto! Isso é respeito, senhora mangueira!”.
A mangueira parecia prestar mais atenção num marimbondo pousado em um de seus galhos.
“Entre respeitar e amar, minha preferência está no último verbo, meu caro espinheiro. No seu caso, o respeito é sinônimo de medo. Você tem medo de sua fragilidade e inutilidade. Não sei por que não o derrubaram ainda, se você é improdutivo e ameaçador”.
“Sou o que sou, respondeu o espinheiro. “Não engano ninguém, não faço bondades por vaidade, ou para que me considerem uma árvore boazinha, de boa estirpe ou qualquer bobagem do gênero. Não faço simulações para esconder o que sou realmente, não vivo dos aplausos e dos elogios, minhas raízes não sugam essas coisas imateriais”.
A mangueira reagiu ríspida.
“Eu também não simulo! Sou feliz porque gostam de mim! E faço o possível para que todos gostem cada vez mais, desde esse marimbondo intrometido ao dono dessa casa! Os agradecimentos me alimentam!”
O espinheiro deu uma gargalhada.
“Alimentam sua vaidade, não o seu corpo! A senhora é uma tola, a viver de elogios e aplausos, de sentimentos passageiros que se transformam a cada momento. A senhora já tem idade para saber que o elogio é efêmero, que se esgota e cansa”.
A mangueira sentiu-se ofendida.
“Tenho apenas sessenta anos e posso viver mais duzentos. E gosto sim! Gosto muito de servir aos outros! Não sou uma inútil como o senhor, a enfrentar tolamente o mundo com esses espinhos ridículos! O seu futuro é um machado afiado, pode esperar!”.
O espinheiro deu outra gargalhada.
“Pois tentem chegar ao meu tronco rodeado de galhos espinhosos! Você não percebe a nossa diferença? Enquanto você lança seus galhos para cima, eu os rodeio em volta do tronco, como uma fortaleza inexpugnável”.
A mangueira comentou baixinho, quase para si própria.
“Pobre espinheiro. Seus galhos de nada servem contra o fogo e o machado”.

E percebendo que a discussão seria interminável, as duas árvores resolveram se calar.

Naquele verão, a mangueira ofereceu mais uma vez a fartura de seus frutos. As crianças brincavam nos seus galhos e chupavam as suas mangas, até que uma delas perdeu o equilíbrio, caiu ao solo e fraturou a espinha dorsal.

Os pais, tomados de dor e revolta, mandaram derrubar a mangueira. E o espinheiro lá ficou - ele e os seus espinhos.

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