Filó Sarcodino era uma ameba e, como todas as amebas, ele era pouco ou nada respeitado. Onde estivesse ninguém lhe dava atenção, ficava ali, sentado, calado, a escutar e nada responder, porque – justiça seja feita -, nada lhe perguntavam, aliás, sua presença passava em branco, totalmente ignorada. Aproximava-se, com aquele sorrisinho dissimulado de ameba, cumprimentava os presentes, ninguém retribuía, sentava-se e ouvia a conversa dos outros. Ele mesmo pedia sua bebida ao garçom e na hora de pagar a conta, os outros somavam tudo, menos a sua parte, que ele pagava diretamente. Iam embora e ele permanecia sentado, a olhar a saída dos demais, sem despedidas ou acenos.
Filó era uma ameba, e se sumisse ninguém daria por sua falta.
Certo dia, grande discussão agitava a mesa da turma, a mesa onde Filó Sarcodino se sentava sem ser convidado. Havia uma vaga aberta no governo da cidade, prometida a um deles, que não poderia ocupá-la por não ter ficha limpa, devendo, assim, indicar alguém do seu relacionamento. Suas amizades ali estavam reunidas, porém, todas de ficha suja. Suas memórias catavam nomes nos recônditos mais obscuros do cérebro, mas nenhum surgia como salvação, se as duas condições impostas pareciam intransponíveis: pessoa de total confiança e com ficha limpa.
Foi de repente que um membro do grupo olhou para o lado onde se sentava Filó Sarcodino, encolhido no cantinho da mesa e bebendo o seu chope. Todos entenderam o olhar e dirigiram suas atenções ao lugar onde se sentava a ameba. E pela primeira vez fizeram-lhe perguntas, quem era ele afinal, onde trabalhava e o mais importante, se tinha ficha limpa. Ora, todas as amebas têm ficha limpa! Ameba que é realmente uma ameba nunca se envolve em coisa nenhuma, sua ficha é limpa em razão de sua própria inexistência.
Resolvido, pois, o problema! Deram o nome de Filó Sarcodino para nomeação e apenas lhe explicaram que ia ser nomeado e ocupar um belo gabinete. E tudo transcorreu da forma planejada: a ameba acomodava-se na poltrona da chefia e o grupo resolvia tudo, tendo Filó o único trabalho de assinar os papéis que os outros colocavam em sua mesa. E todos foram felizes (e ricos) para sempre, exceto Filó Sarcodino, que do mesmo jeito que entrou, saiu.
Fim da história.
O que você disse? Que não gostou do fim da história? Ahh, você queria um final mais romântico, com Filó se rebelando e dando uma rasteira naquele grupo de safados. Ora, meu amigo, eu disse desde o início que Filó Sarcodino era ameba e ameba que se preza não sofre mudanças em sua natureza, apenas pequenas mutações lentas e gradativas ao passar dos séculos. A vida, enfim, nada tem de poético, e, sim, sua dura realidade. E não se esqueça, para cada espertalhão há uma ou várias amebas ao seu redor.
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