O que eu mais gosto no meu
trabalho é a falta de rotina, a diversidade de assuntos, os múltiplos contatos.
Acontece, porém, que às vezes surge um caso a induzir-me a pensar em parar tudo
que faço, e refugiar-me no ‘bunker’ da minha casa, onde as paredes grossas
impedem até a invasão das ondas interneteiras.
Um desses fatos surgiu
recentemente. Uma singela associação cristã comunitária, pessoa jurídica de
capital constituído de R$1.000,00, cujo objetivo é ajudar as famílias carentes
do local, foi autuada pela Prefeitura por não ter emitido uma tal de Declaração
de Encerramento Fiscal, conforme exige a legislação municipal. Resultado: uma
multa de R$32.000,00!
O Fiscal foi logo me dizendo: “descumprimento
da obrigação acessória”. E perguntei: “acessória de quê?”. O Fiscal ficou desconfiado,
pois ele sabe que eu não sou tão idiota assim. “Ora, acessória da obrigação
principal”, respondeu sem muita convicção. Estávamos conversando no pátio da
Prefeitura, o meu fumódromo. Dei uma tragada e perguntei: “essa associação paga
imposto?”. Ele respondeu: “não, porque é imune, mas a obrigação acessória é
para todos!”. Ali, sentado na mureta, fiquei olhando o jardim do Paço Municipal,
coberto com as florezinhas amarelas do amendoim. Voltei à realidade: “E a
entidade presta serviços?”, perguntei. O Fiscal titubeou e não soube responder.
Pois é, a pequena associação não
presta serviços; ela realiza serviços para os necessitados; ela ajuda as
pessoas, fornece roupas e mantimentos e ainda dispõe de uma creche gratuita
para as crianças da comunidade. Vive de doações. E assim, pergunto: por que
exigir o cumprimento de deveres instrumentais a quem não se obriga à obrigação
principal?
Bom lembrar de que as chamadas obrigações
acessórias têm serventia no interesse da arrecadação ou da fiscalização de
tributos. É o que diz o § 2º do art. 113 do CTN. Se a associação não é contribuinte
do ISS, por que exigir o cumprimento burocrático das obrigação acessórias?
Perguntei ao Fiscal: “você
visitou essa instituição?”. Respondeu que não. Levantei-me e disse a ele: “pega
o carro e vamos até lá”. A proposta não agradou, mas concordou. E era
exatamente o que eu pensava: uma casinha humilde, mas limpa e arrumada, onde
crianças brincavam sob os cuidados de zelosas senhoras, todas voluntárias da
instituição.
Transformar obrigação acessória
em receita fiscal, cá entre nós, já é um absurdo. Sair multando todo mundo, sem
ter o mínimo cuidado de conhecer melhor os autuados, aí já considero uma
aberração fiscal, ou, como os romanos falavam, aberratio ictus!
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