O ar condicionado funcionava no máximo, mas, mesmo assim, a
sala do magistrado estava abafada e o ambiente tenso. O Promotor não conseguia
ficar sentado, levantando-se a todo o momento com o dedo em riste a apontar o
magistrado.
- Excelência! O crime está provado! Já foi julgado! A ré
condenada! Como conceder sursis?
Mas o Advogado de defesa não perdia a calma. Sentado, de
pernas cruzadas, até esboçava um sorriso irônico. Respondeu no lugar do
magistrado:
- Meu caro Promotor, a ré não é reincidente, examine os seus
antecedentes...
O Promotor nervoso:
- Não é reincidente? Matou três! Os jornais a chamam de A
Ciclista Serial Killer!
O magistrado passava a mão pelos ralos cabelos.
- Calma, Promotor! Vamos ouvir a tese da defesa.
O advogado de pernas cruzadas e curvado a endireitar a meia
da perna dobrada, explicou meio sonolento.
- Obrigado, Excelência. De fato, ela foi considerada culpada
nos três crimes, mas, observem por favor, os crimes foram iguais, repetitivos,
todos decorrentes de surtos psicóticos perfeitamente justificáveis. Examinem o
seu passado! Foi torturada, foi perseguida!
O Promotor de pé.
- E isso lhe dá o direito de matar três?
- Ora, Promotor, o senhor sabe que os tais crimes foram
acidentes de percurso, meros atropelamentos, ou pedaladas inconsequentes se o
senhor quiser...
- Meros atropelamentos? Ela pedalou em cima das vítimas!
- Bem, não vou discutir o que já está julgado. Ela perdeu,
nós perdemos, paciência, mas seria uma grande injustiça imputar-lhe uma pena
pesada. E esse negócio de Ciclista Serial Killer é coisa da imprensa
sensacionalista.
- Quer dizer que vamos deixá-la em liberdade para que mate
mais gente?
- Eu já disse que ela surtou. Ela tem realmente esse
problema, mas não é sua culpa.
- E essa mania de exigir que todos a chamem de presidenta?
Ela é egocêntrica e perturbada mental! Se não vai para a cadeia, então que vá
para o Hospício!
O magistrado intervém:
- Calma, Promotor! Não exagere e modere os termos! Temos que
analisar juridicamente o problema, e... Espera um pouco, onde está o papel,
doutor?
E o Advogado passa um papel para o juiz.
Ah, obrigado, me deixa
ler aqui, considerando que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e
personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias do fato
permitem a concessão do benefício, eu vou decidir pelo sursis.
O Promotor protestou:
- Senhor Juiz! Isso é uma aberração jurídica!
O juiz bateu com as mãos na mesa.
- Pode ser uma aberração, mas não maior que o berreiro da
turma da ré nos meus ouvidos. Assim eu decido!
- E qual foi ser o sursis?, perguntou o Promotor.
- Crime sem pena! Aliás, eu prefiro Dostoievski, “Crime sem
Castigo”. Acho melhor que “Crime e Castigo”.
O Advogado sorridente:
- Gosto muito de Dostoievski. O senhor já leu “Humilhados e
Ofendidos”?
E o tema passou a ser Dostoievski. Como o Promotor nunca tivera
tempo de ler as obras do escritor russo, pegou a sua pasta, pediu licença, e saiu
de fininho.
Foi a melhor opção do Promotor, já que o mesmo era de temperamento irascível!
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