Neste sábado,
lá fui eu comprar o pão de cada dia. Faço hora em casa para aguardar a fornada
das sete, mas, às vezes, sou convocado a participar dos debates em frente à
banca de jornais do Daniel, que fica exatamente ao lado da padaria. Já percebi
que a turma considera de grande importância a minha presença, apesar da minha
mínima participação. Acho que sou o Dornelles da Comunidade.
Bem,
Chinelinho me viu e gritou me chamando. Tive que ir. O assunto era eleição.
Chinelinho foi logo pegando duro:
- Doutor! Em
quem o senhor vai votar pra Prefeito?
Salvou-me a
idade, bendita velhice!
- Eu não voto
mais! A idade permite.
Dona BPereira,
com o mais recente filho nos braços, sempre desbocada:
- Eu não voto
em ninguém! Cambada de safados!
Henheco, o
eletricista comunista, aproveitou:
- Eleição da
burguesia! O voto não leva a nada! O regime só muda com a revolução armada!
O Daniel,
sempre apaziguador:
- Calma,
Henheco! Cada um vota de acordo com a sua consciência.
Dona Zica das
Tainhas comentou baixinho:
- Eu vou votar
naquele magrinho que fala: “Que Deus os abençoe”. Eu sempre respondo amém.
Índio das
Verduras tirou um cartão do bolso.
- Vocês
poderiam votar nesse cara aqui. O meu fornecedor do Ceasa, que me vende fiado,
pediu pra conseguir voto pra ele.
O vigia Bill,
com aquela calça velha de moletom e sem camisa, foi logo dizendo:
- O meu patrão
me mandou votar num amigo dele. Disse que o cara é bom.
Pezinho, que
só pensa em futebol, perguntou:
- O Romário
vai ser candidato? Se for, eu voto nele... Jogava um bolão!
Chinelinho
resolveu confessar o seu voto:
- Vou votar no
Tinhoso da Pedreira! Me prometeu uma boca na Prefeitura...
Dona Zica das
Tainhas fez o sinal da cruz.
- Tinhoso?
Deus me livre!
Não resisti e
falei me dirigindo ao Daniel:
- Está vendo,
Daniel? Todos vão votar de acordo com as suas consciências.
Bokão, o
pedreiro, foi o último a expressar a sua opinião:
- Minha
consciência, doutor, é ter trabalho e botar dinheiro em casa.
Resolvida essa
questão de consciência, fui à padaria comprar o meu pão.
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