Cá estão eles, os meninos bem
vestidos. Terno cinza Ermenegildo Zegna, sapato Ferragamo, por certo tudo
comprado a prazo ou no cartão de crédito, para compor este momento, o momento
crucial de suas vidas. Eles vão me interrogar! E todos com aquela aparente
ausência de envolvimento emocional, a induzir o acusado a acreditar na
integridade dos inquisidores. Quem engana? Eu os conheço bem!
São meninos! Comportados, eles
seguem o manual de interrogatório do FBI, o velho processo dos nove passos. Inicia-se
com a pergunta acusatória ofensiva; depois, a atenuação; outra acusação; a
solidariedade; nova investida; o apaziguamento; a busca da conciliação; por aí
vai... Coitados... Se sentem mestres no ofício, porque leram um livro. Pois eu
nunca li um livro na minha vida, mas já sei de cabeça todo o desenrolar do
manual de interrogatório, a mim imposto desde o tempo da ditadura. Meninos: não
será fácil, vocês vão sofrer comigo!
Não existe nada mais barulhento
que o mutismo total! O silêncio brutal e ofensivo de quem é vítima do esperneio
dos acusadores. Acusam-me e eu me calo! Agrido-lhes com a fúria do meu
silêncio! Estão perplexos!
Enquanto eles perguntam, eu me devaneio
em pensamentos. A verdade (que eles não precisam saber) é que sempre vivi
impune! Meus crimes (sei agora que eram crimes) me galgaram à galeria dos
deuses! Eu não andava; eu flutuava sobre os subservientes. Eles me idolatravam,
e eu, mais ainda, me adorava! Ah, como fui apaixonado por mim! Eu passava e via
os olhos arregalados me admirando. Eu era o show, o mundo a plateia. E agora,
esses meninos me impingem o surrado manual do FBI. É ridículo e injusto!
Perguntam agora sobre propinas...
E eu calado a olhar para o teto. Propinas... Eles não sabem algumas verdades: nunca
em minha vida pedi propina! Nunca! Mas, por motivos de educação, nunca recusei
as ofertas. São coisas diferentes.
Perguntam sobre minhas
ambições... Desejos? Sim, sempre tive um desejo, um desejo bem guardado, nunca
confessado e não será agora o momento de contá-lo. Eles não sabem que, em vez
de uma faixa peitoril, sempre quis uma coroa. Uma coroa cintilante, cravejada
de pedras preciosas, pousada mansamente em minha cabeça. Se um dos subalternos do
meu tempo de mandante tivesse tido um lampejo de inteligência, e mesmo que
insinuasse sutilmente que eu merecia uma coroa, ah, eu faria aquela ideia
vingar, faria uma algazarra até ganhar contornos jurídicos (para isso servem os
bajuladores advocatícios), até concretizar-se em cerimônia episcopal. Eu seria
coroado! Este sempre foi meu único desejo, mas as formigas humanas se
alastravam aos meus pés e não percebiam o que eu mais gostaria de ter.
E cá estão os meninos! Nervosos!
Desesperam-se diante do meu radical silêncio. Claro que não vão propor delação
premiada se eu já sou o píncaro dos delatados. E eu que gosto tanto de falar...
Mas aqui não é o lugar, não sou besta. Ah, como seria bom agora um tragozinho
da Havana. A Germana resolvia... Uma cigarrilha... Eles pensam que estou com
medo, esse bando de fedelhos! Aposto que nunca chegaram ao nono passo do
interrogatório do FBI. Esse passo dói, e muito! Eles não têm peito de aplicá-lo!
A turma da ditadura tinha, eu sei.
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