sexta-feira, 10 de julho de 2015

Crianças e Crionças

Dois jovens de 17 anos estavam à meia-noite na rua, e a nossa eficiente polícia, que prende, julga e executa a sentença, tudo ao mesmo tempo, mandou bala nos adolescentes, ferindo um e assassinando o outro. Nada diferente do que já estamos acostumados.

A mãe de um dos jovens, entretanto, fez uma declaração tanto inusitada: “As crianças estavam brincando na rua e a polícia chegou atirando”. Bem, polícia chegar atirando nada tem de inusitado, mas dois jovens de 17 anos “brincando na rua” é algo, vamos dizer assim, tanto curioso.

A pergunta que faço é a seguinte: adolescente de 17 anos ainda brinca na rua? O verbo brincar significa divertir-se. E jovem de 17 anos também se diverte. Ir a um baile é divertimento; namorar nessa idade não deixa de ser um divertimento; jogar uma pelada também é divertimento. Mas existem divertimentos perfeitamente lícitos e outros totalmente ilícitos e perigosos.

Por isso, vamos dividir os jovens de 17 anos em dois tipos de adolescentes: as crianças e os crionças. As crianças são aquelas ainda meio inocentes, que ficam dando risadinhas por qualquer motivo. Bastam duas crianças juntas e as risadinhas surgem. Aliás, com o tal do aifone, criança não precisa da companhia de outra para dar risadinhas. São risadinhas solitárias, sai andando na rua, olhando o aifone e dando risadinhas.

As crionças não ficam de risadinhas: estão nas ruas a trabalho, e crionça não brinca em serviço. Sua percepção de trabalho é de lesar ou prejudicar alguém para ganhar alguma coisa. Sobrevive com a desgraça alheia. A crionça vive à espreita, de tocaia, à procura do incauto. Assim como o seu similar, o bicho onça, prefere o trabalho noturno, escondido nas sombras da noite, mas, se surge uma oportunidade, ataca também de dia. Sua luta de sobrevivência está à margem da moral, vive num mundo amoral, onde todos os outros, semelhantes ou não, são suas prováveis vítimas e inimigas. O mundo é o seu inimigo.

A criança estuda sob o amparo da família com perspectivas futuras. A crionça não tem perspectivas futuras, vive e se alimenta do momento atual, o seu amanhã é hoje. A criança é meio frágil, adoece, vai ao médico e toma remédio. A crionça não se permite a tais luxos, se ficar doente, morre, e por isso se fortalece no trabalho de enfrentamento. É arisco, sabe atacar, sabe correr, sabe fugir e esconder-se.

O jovem de 17 anos ainda é adolescente, segundo a lei. A crionça de 17 anos não é criança. Há muitos anos não brinca, o seu mundo não é de brincadeira: é um mundo de ódio. 

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