Dois jovens de 17 anos estavam à
meia-noite na rua, e a nossa eficiente polícia, que prende, julga e executa a
sentença, tudo ao mesmo tempo, mandou bala nos adolescentes, ferindo um e
assassinando o outro. Nada diferente do que já estamos acostumados.
A mãe de um dos jovens,
entretanto, fez uma declaração tanto inusitada: “As crianças estavam brincando
na rua e a polícia chegou atirando”. Bem, polícia chegar atirando nada tem de
inusitado, mas dois jovens de 17 anos “brincando na rua” é algo, vamos dizer
assim, tanto curioso.
A pergunta que faço é a seguinte:
adolescente de 17 anos ainda brinca na rua? O verbo brincar significa
divertir-se. E jovem de 17 anos também se diverte. Ir a um baile é
divertimento; namorar nessa idade não deixa de ser um divertimento; jogar uma
pelada também é divertimento. Mas existem divertimentos perfeitamente lícitos e
outros totalmente ilícitos e perigosos.
Por isso, vamos dividir os jovens
de 17 anos em dois tipos de adolescentes: as crianças e os crionças. As
crianças são aquelas ainda meio inocentes, que ficam dando risadinhas por
qualquer motivo. Bastam duas crianças juntas e as risadinhas surgem. Aliás, com
o tal do aifone, criança não precisa da companhia de outra para dar risadinhas.
São risadinhas solitárias, sai andando na rua, olhando o aifone e dando
risadinhas.
As crionças não ficam de
risadinhas: estão nas ruas a trabalho, e crionça não brinca em serviço. Sua
percepção de trabalho é de lesar ou prejudicar alguém para ganhar alguma coisa.
Sobrevive com a desgraça alheia. A crionça vive à espreita, de tocaia, à
procura do incauto. Assim como o seu similar, o bicho onça, prefere o trabalho
noturno, escondido nas sombras da noite, mas, se surge uma oportunidade, ataca
também de dia. Sua luta de sobrevivência está à margem da moral, vive num mundo
amoral, onde todos os outros, semelhantes ou não, são suas prováveis vítimas e
inimigas. O mundo é o seu inimigo.
A criança estuda sob o amparo da
família com perspectivas futuras. A crionça não tem perspectivas futuras, vive
e se alimenta do momento atual, o seu amanhã é hoje. A criança é meio frágil,
adoece, vai ao médico e toma remédio. A crionça não se permite a tais luxos, se
ficar doente, morre, e por isso se fortalece no trabalho de enfrentamento. É
arisco, sabe atacar, sabe correr, sabe fugir e esconder-se.
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