Notícia em jornal: “Caiu neve em São José dos Ausentes”.
Sou de São José dos Ausentes, apesar de presente nesta terra incongruente, de calor inclemente e de neve surpreendente; este país continente, de extensas planícies, planaltos e vertentes, o país dos profetas videntes, de bizarros presidentes e de cândidos docentes, todos com seus discursos nobres e eloquentes. Sou de São José dos Ausentes, terra dos ricos imprudentes, de banqueiros intransigentes, do operariado pungente, da política ambivalente, do surrealismo vigente e de um povo silente.
Sou de São José dos Ausentes, onde a história só descreve o presente, sem explicar o passado correspondente, sem perspectivas futuras evidentes, a não ser de vãs promessas pendentes. Sou um dos ausentes, desses muitos inexistentes, essa massa invisível de gente, que apenas vota obediente e nem percebe o seu ato inconsequente.
Sou de São José dos Ausentes, palco da destruição do meio ambiente, de empreendimentos decadentes, da ladroagem reticente, de um poder político persistente, de uma camarilha subserviente, e de um povo (ah, o povo) no silêncio dos inocentes. E, ora, quem diria! Já tivemos a passeata irreverente, o Tiradentes, a revolta dos inconfidentes, a rebelião dos crentes, um fugaz grito independente e o massacre dos insurgentes.
Sou de São José dos Ausentes, já velho, cansado e doente, como muitos desse enorme contingente. Assisto a tudo, pacientemente. Tenho íntima pena dos irmãos carentes, que não percebem a realidade indecente. Sigo nesta estrada, sem nada pela frente, a não ser uma neve indolente, a cair, suavemente, nesta terra dos ausentes.
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