sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A vingança maligna

Da série: “Conversa de Fiscais”

Entrou esbaforida na repartição, jogando a bolsa em cima da mesa.
- Cara, estou p da vida! Uns calhordas! Desgraçados!
O parceiro, que estava sentado em sua mesa, assustou-se.
- O que houve? Recebeu trote de sequestro relâmpago?
- Que trote nada! O dono da empresa veio insinuar propina, filho da ...
- Hei! Olha o palavrão! Vamos lá! Senta aí direitinho e me conta o que aconteceu.
- Cara! Eu fico revoltada com essa gente que acha que pode nos corromper.
- O sujeito te ofereceu dinheiro?
- Ah, se oferecesse assim na lata eu chamaria a polícia, eu ia fazer um escarcéu! Mas esse pessoal é vivo! Ele insinuou, assim, como não quer nada, jogando a isca, o filho da mãe!
- Ah minha amiga, e você ainda não se acostumou a isso? Todo mundo acha que Fiscal é tudo ladrão.
- Pois é! E é isso que me revolta. Nós precisamos fazer alguma coisa!
- Você está certa, mas fazer o quê?
- A verdade é que a nossa profissão é ingrata, temos que estar sempre com um pé atrás... Tem café aí?
- Frio e aguado.
- Porra! Nem café a gente tem nessa repartição. O computador está funcionando?
- De manhã estava parado, mas agora voltou.
- Tudo bem. Estou com um plano na cabeça...
- Xii, lá vem encrenca!
- Me diz uma coisa: há quanto tempo trabalhamos juntos?
- Uns oito anos, eu acho.
- Pois é. E nesses oito anos quais foram os tipos de contribuintes que encontramos?
- Ora, de todos os tipos... Sonegadores e gente direita...
- Isso! Encontramos gente direita, sem maldade, que cometeram erros e nós autuamos, não é?
- O que podemos fazer? Errou, tem que ser autuado.
- Pois eu acho que este é o nosso erro. Se errar sem maldade, sem intenção, nós temos que ajudar, explicar como fazer, orientar, mas não autuar.
- Discordo. Nossa função é fiscalizar. Quem dá orientação é o contador e o advogado...
- Este é o nosso erro! Temos, sim, que ajudar os inocentes. A nossa legislação é muito complicada, cheia de exceções e regrinhas malucas. Agora, se ficar repetindo o erro, aí autuamos pela reincidência.
- E os sonegadores?
- Ah! Nos sonegadores porrada em cima! Sem dó nem piedade!
- Então, de acordo com a cara do contribuinte nós vamos saber quem autuar ou apenas orientar?
- Não é pela cara! É pela conduta, pelo comportamento! Você, com todo esse tempo de Fiscal, ainda não consegue perceber o caráter do contribuinte?
- Bem, a maioria sim, mas, às vezes, a gente esbarra com uns caras de pau, com aquela cara de anjinho e é um tremendo sonegador.
- Então, vamos fazer o seguinte: quando a gente sentir que o cara está com má intenção, nós fiscalizamos tudo, tintim por tintim, leve o tempo que for. E tudo que for errado, nós autuamos. Quando a gente sentir que o cara é correto, que não venha com insinuações maledicentes, a gente orienta, corrige, ajuda. Concorda comigo?
- No fim eu sempre concordo...
- Ótimo! Então me ajuda a olhar tudo desse cara que tentou me comprar. Vamos examinar tudo e qualquer erro que seja porrada nele!!
- Nossa! Você é vingativa!
- Meu amigo, a minha vingança está na caneta!


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