sábado, 26 de outubro de 2013

O infortúnio de ser prefeito

Da série “Conversas de Botequim”


- Meu amigo Ivanildo Precioso! Há quanto tempo!
- Rapaz! Que prazer te ver aqui!
- Você sumiu! Eu soube que agora você é prefeito de Manguezinho!
- Pois é. Este é o motivo do meu desaparecimento.
- Quer dizer que agora você frequenta os bares de Manguezinho.
- Que nada! Se eu quiser beber tenho que fugir de lá.
- Mas por quê?
- Meu amigo, lá em Manguezinho não tenho liberdade pra nada! Eu sou o prefeito!
- Poxa! Nem de beber?
- Você não imagina! Se eu beber, vão me chamar de pau d’água; se vou à igreja, vão me chamar de fingido e os fiéis das outras igrejas ficam zangados; se vou a um enterro, tenho que ir a todos; se ajudo a um, tenho que ajudar a todos. É um inferno!
- Bem, Manguezinho é um município muito pequeno, talvez seja isso.
- Manguezinho tem dois mil habitantes e eu acho que a metade da população fica na porta da minha casa todas as manhãs, querendo falar comigo. Tem gente que passa a madrugada na minha calçada para pegar lugar.
- Puxa vida! Vai beber o quê?
- Garçom!! Traz três Germana gelada!!
- Três? Somo dois!
- Vou beber duas de uma só vez. Cara, você não sabe a fria em que entrei.
- Ser prefeito?
- Isso! Ser prefeito de uma cidade de dois mil habitantes e todo mundo conhecido. Não posso nem cobrar os tributos!
- Ninguém paga?
- Se eu mando a guia para alguém da oposição, ele vai dizer que é perseguição política. Se eu mando a guia para alguém do meu partido, ele vai dizer que é traição. Ninguém paga!
- Mas você pode cobrar daqueles que não são políticos.
- Meu caro, numa cidade pequena todo mundo é político ou amigo de político, ou, então, inimigo de algum político. Não sobra ninguém!
- E como você paga as contas?
- Ah, tem um dinheirinho do governo federal, uns seiscentos mil por mês...
- Já dá pra alguma coisa...
- Tira a parte carimbada da educação e da saúde, sobram uns trezentos mil para pagar os funcionários, entregar a parte da Câmara Municipal, e acabou.
- Não sobra um dinheiro para melhorar a cidade?
- Sobra nada! E o povo reclama, diz que a cidade está suja, não tem coleta de lixo, não tem pavimentação, uma loucura!
- Mas o povo não paga os tributos e ainda reclama?
- Pois é. Olha, esse negócio de ser prefeito é uma furada. Minha mulher está querendo até se separar. Sai na rua e é vaiada, se veste uma roupa nova dizem que estou roubando.
- Nossa! Lamento o seu infortúnio...
- Obrigado, meu amigo. Posso lhe pedir um favor?
- Claro, prefeito, o que pedir!
- Você pode pagar essa conta? Estou durinho, durinho.


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