A Cidade do Rio de Janeiro tem agora nova lei que impõe multa para quem joga lixo na rua. A multa oscila de cento e poucos reais a três mil e tanto. O Guarda Municipal carrega uma maquininha de autuação automática e fica na espreita para pegar o incauto que jogar na rua um saco de pipoca, um panfleto, um bilhetinho de cartomante, um talãozinho de jogo perdido, uma binga de cigarro.
Apanhado o infrator em flagrante, exige-se que se identifique, que apresente identidade e CPF. Aceita-se passaporte no caso de estrangeiros, e se a multa não for paga no prazo devido, será registrada em Dívida Ativa. Por certo, a cobrança judicial será por precatória e endereçada ao país do gringo, Nova Zelândia, Taiwan ou Índia, não importa.
Caso o infrator se recuse a identificar-se, será conduzido à força bruta à Delegacia mais próxima onde prestará declarações em boletim de ocorrência por desacato à autoridade. A multa será agravada. Ainda não está prevista pena de prisão fechada ou semi-aberta; as autoridades temem os prováveis embargos que serão encaminhados ao Supremo e as longas discussões filosóficas sobre o conceito de lixo. Não se sabe, também, que as reincidências poderão provocar penas mais graves; talvez sejam adotadas algumas das regras das saudosas ordenações filipinas que vigoraram até o ano de 1830, com as sanções de suplício, mutilação, tortura, banimento e morte por enforcamento. Os ricos pagavam em dinheiro e se livravam das sanções físicas; os pobres, os escravos e “qualquer outra pessoa perigosa” (como diziam as ordenações) sofriam os flagelos, porque não tinham dinheiro para pagar a multa.
Há uma dúvida pairando no ar: quem for apanhado urinando na rua, a urina será considerada lixo? Vários juristas, sociólogos e filósofos estão sendo consultados sobre a matéria, realmente de alta complexidade. A lei prevê que cocô de cachorro é lixo, mas se cala diante da urina animal ou humana. A Justiça há que se pronunciar a respeito. Vislumbram-se fortes discussões entre Barbosas e Lewandowskis, e apaziguamento dos Mellos.
Outro dia fui ao Rio almoçar com um amigo. Enquanto o aguardava, na esquina da Rio Branco com Sete de Setembro, puxei automaticamente um cigarro para fumar. Percebi dois guardas me olhando a certa distância, na expectativa de autuar mais um incauto. Disfarcei e fiquei fumando. Sem que notassem, batia levemente o dedo no cigarro para soltar as cinzas. Cinza é lixo? Outra questão emblemática. Quando o cigarro chegou ao fim, os guardas já se aproximaram de maquineta em punho, somente aguardando o desfecho da infração, pois naquela esquina não havia qualquer recipiente para receber binga de cigarro.
Foi aí, então, que, tranquilamente, enfiei a mão no bolso do paletó e retirei uma latinha vazia de pastilhas Valda, agora transformada em guarda-guimba, ou repositório de cotoco de cigarro. Apaguei o cigarro na latinha, tampei-a e guardei novamente no bolso. Os guardas se sentiram profundamente desapontados e, na falta do que mais fazer, resolveram espantar os camelôs que ali trabalhavam irregularmente. Coitados, sobrou pra eles.
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