sábado, 28 de setembro de 2013

Novo assunto na comunidade

Eram sete horas da noite e eu já estava acomodado no sofá, em frente da televisão. Aguardava o novo capítulo da série “Lei & Ordem - SVU”, 14ª temporada, mas o que surgiu na tela foi uma repetição da primeira, quando a atriz Mariska Hargitay ainda usava trancinha e piercing no nariz. Desiludido, fiquei rodando os canais, na dúvida se devia dormir mais cedo ou reler Agatha Christie, e veio então uma barulheira infernal lá de fora que me fez pular do sofá.

Um foguetório danado! O que foi? O que não foi? O Flamengo está jogando? Não! E os flamenguistas não estão propensos a gastar dinheiro com fogos, a coisa não anda boa; resolvi dar uma espiada.

A rua principal da comunidade estava cheia de gente, a maioria totalmente estranha, não era morador quem soltava fogos, eu logo vi, gente da comunidade não incomoda os vizinhos, a não ser gol do Flamengo, isso se justifica, mas é raro acontecer; a turma vinha andando e na frente duas autoridades, o prefeito (esqueci o nome dele) e o vice-governador, um tal de Pisão, segundo me disse o seu Broa que sabe das coisas.

O motivo da passeata público-interna era a inauguração do início das obras de pavimentação das ruas da comunidade, isto é, antes de fazer já se comemora. “Isso dá azar”, comentou seu Broa no meu ouvido. “Aniversário só se festeja na data certa”. E o foguetório comendo solto. As duas autoridades vieram em nossa direção para cumprimentar e por educação esticamos as mãos, seu Broa dizendo “sua majestade”. Foi quando o vice-governador falou alto para o prefeito: “esta rua principal também precisa de melhorias, está no projeto?”. Um sujeito que vinha logo ao lado respondeu: “Não está não, seu Pisão”. “E quando você cobra para consertar esta rua?”. O outro não pestanejou: “Um milhão dá”. E Pisão, com sua autoridade: “Então bota no projeto!”. Fiquei surpreso, nunca tinha visto licitação tão rápida.

Fiquei pensando no milhão pra lá, milhão pra cá, e eu fazendo cursinho pelo Brasil afora, por conta de minguados reais e um monte de exigências, certidões e comprovações de toda espécie, por que não fui ser empreiteiro de obra ou vendedor de fogos? E exatamente no momento da minha auto-lamentação, alguém começou a gritar: “Cambada de puxa-sacos!”; “Políticos safados!”. Não acreditei, era o Henheco, o eletricista extremista, que ressurgia depois do seu misterioso desaparecimento no dia de fúria das manifestações. O pessoal da comunidade olhou surpreso: “O Henheco está de volta!”, alguém gritou, e todo os comunitários correram em direção a ele, abraçando-o e perguntando por onde ele andou e gente já contando casos de curto-circuito, corte de luz, que precisava fazer um gato, todo mundo sentiu falta do Henheco.

As autoridades não gostaram daquela concorrência e o prefeito (esqueci o nome dele) já falava com assessores para mandar a polícia dar um novo sumiço no agitador, mas estava difícil, cercado como estava pelo povo da comunidade. Mesmo assim, um policial sem graça conseguiu aproximar-se e disse ao Henheco: “o senhor, por favor, pare de gritar”. E o Henheco respondeu: “Senhor policial, o senhor tem que prender os que usam máscara, eu não estou mascarado”. “E quem está?”, perguntou o policial olhando em volta. “Aqueles dois lá na frente”, respondeu o eletricista apontando o seu Pisão e o prefeito (esqueci o nome dele). “Eu não vejo máscara nenhuma”, disse o policial já enfezado. “Olha bem, senhor policial. Eles estão com a máscara da soberba”, disse Henheco. A turma caiu na risada, até o policial.

Deixamos a passeata pra lá, ficaram as autoridades com a sua turma, e fomos todos beber uma cerveja na mercearia, e ouvir as aventuras do Henheco. Voltei para casa meio bêbado, mas satisfeito. Minha mulher perguntou: “Que barulheira era aquela?”. Respondi: “O nosso eletricista está de volta”. Ela deu um sorriso, já pensando no fio partido da sua máquina de costura.    


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