Fui demitido e cumpro minhas
obrigações finais no dia derradeiro. A solidão é a bagagem dos exonerados, e o
gabinete, outrora pequeno pelo número de visitantes, agiganta-se pelo presente
vazio. A recepção ao lado dormita no silêncio e a própria recepcionista já se evadiu,
temerosa pelo contágio dos desempregados. Os telefones se quedam, não mais
reclamando atenção.
Faço, então, a limpeza do
gabinete e pretendo deixar tudo arrumado para que o meu sucessor fique à
vontade e faça a desordem dele. A desordem é sempre personalizada.
Os livros, eu levo, são meus. A
Constituição Federal eu deixo, espero que tenha serventia. O quadro da
Presidente eu deixo, não acredito em impeachment. Mas, se acontecer, o meu sucessor
que o leve em sua desocupação final, antes que outros o despedaça por rancor e
ódio. Deixo a caneta bic, meio usada e sem tampinha, na primeira gaveta da mesa.
Os elásticos estão numa caixinha de plástico no canto da mesa. Os clipes, eu os
deixo dentro do cinzeiro nunca usado. Afinal, são bens do Estado, a mim não
pertencem.
Os processos pendentes, eu os
deixo na caixa de saída, que o sucessor os resolva. Os processos por mim
deferidos são postos ao lado da caixa de saída com o bilhete: “para revisão”,
pois as decisões futuras podem divergir das minhas.
Retiro do banheiro a escova de
dente e o tubo de pasta, bens por mim adquiridos. O sabonete meio gasto jogo
fora. As toalhas eu levo, são minhas. Examino o ambiente e o resto eu deixo,
são bens do Estado. Apago a luz do banheiro e ele adormece nas sombras. Fecho a
sua porta, por delicadeza.
Lembro-me das fotos na mesa do
gabinete. Fotos de família, eu as guardo. Uma flâmula de Cuba, autografada por
Fidel e que sempre me acompanha, eu a levo na minha caixa de coisas carregadas.
Da porta de saída, examino pela
última vez o gabinete, agora um espaço inútil, despejado, constituído de coisas
amorfas, abandonadas. Bem, acredito não ter esquecido nada. Seria desagradável
um assessor me telefonar depois da minha saída, a dizer que me esqueci de levar
coisas minhas. Não gosto de ser repreendido. Acredito, também, que tudo que fiz
foi na direção certa, e tudo que não fiz foi por ordens superiores. Sei que vão
me criticar e imputar-me a responsabilidade dos malfeitos. Não me darei ao
trabalho de defender-me, esta é a pena dos demitidos.
Saio do gabinete levando minha
caixa de coisas carregadas. Não há mais seguranças e assessores para me
ajudarem, carrego sozinho as minhas coisas. Vou direto à garagem, onde está o
meu carro. O carro oficial e o motorista não mais me aguardam, ninguém abre a
porta para mim. Na garagem silenciosa, apenas o ronco do motor do meu carro.
Ligo o ar e tiro a gravata. E dou uma banana pra todos os ausentes.
Este artigo não se refere, exclusivamente, à saída do Ministro Levy. Procura retratar todos os casos de exonerados do Serviço Público por motivos puramente políticos. Já passei por isso e o sentimento é esse, que descrevo.
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