Tricarico Pé-de-Boi, o Manda-Chuva
do agreste, dono de papel passado das terras da região, conquistadas a tiros e mortandade,
dono do cartório da cidade e manejador do poder público, homem que não tolera mercê e suplicância, vivia afastado de todos na sua mansão, verdadeiro
castelo, que o rodeava.
Ninguém ousava aproximar-se, nem
o padre a procura de donativos, nem o prefeito na busca de bons conselhos. O
único permitido a entrar no território restrito de sua casa, era o rábula
Fiorofino Broxa, o tratador de suas contas e das anotações contábeis, sendo,
por isso, personagem da mais alta recomendação social, bajulado na elite e
respeitado na plebe.
O Doutor Broxa, como gostava de
ser intitulado, era quem personificava o lendário Tricarico Pé-de-Boi, lendário
por não ser visto e examinado, presenciado e apalpado, mas se sabia existente
por seus domínios, por seu poder, pela majestosa visão do seu castelo.
Todos queriam puxar conversa com
o Doutor Broxa, para saber o que pensava Tricarico Pé-de-Boi sobre os diversos
acontecimentos, mesmo prosaicos, filosóficos ou simples observações ocasionais,
se o mercado do boi ia melhorar, se ia chover no inverno, como se cura
rouquidão, se valia a pena estocar feijão. E o pomposo Doutor Broxa deitava
falação, de queixo erguido e peito estufado: “O meu amigo Tricarico Pé-de-Boi
não acredita que o mercado da carne vai melhorar”. “O meu amigo Tricarico
Pé-de-Boi tem certeza que vai chover no inverno”.
Certo dia, chegou na cidade um
jornalista da capital para fazer uma reportagem sobre a região e ao ouvir falar
de Tricarico Pé-de-Boi desejou entrevistá-lo. Logo o encaminharam ao Doutor
Broxa, que tentou de todas as maneiras convencer o jornalista a desistir da
empreitada. Mas, o jornalista da capital era homem persistente e jogou todas as
fichas de sua importância ao colo do coitado Dr. Broxa, que, sem outra
alternativa, foi conversar a respeito com o seu poderoso patrão.
Ao entrar no castelo, em meio a
um silêncio absoluto, era tanta a sua timidez que foi quase murmurando a chamar
o dono do castelo, e cada vez mais a ingressar nos recônditos da mansão, até
encontrar Tricarico Pé-de-Boi deitado na cama do seu quarto, debaixo da esposa
do Doutor Broxa, os dois a exercitarem entusiasmada felação.
Aturdido com o que vira, o Doutor
Broxa recuou seus passos, afastou-se do quarto e retornou ao lado de fora da
mansão, onde o jornalista o interpelou: “E então, Doutor Broxa, o tal Tricarico
Pé-de-Boi vai me atender?”.
O Doutor Broxa logo se recompõe,
empina o queixo e responde solene: “Infelizmente, será impossível!”. O
jornalista irritou-se: “Ora, por que ele não me atende?”. O Doutor Broxa
esboçou um sorriso cúmplice: “Sabe por quê? O meu amigo Tricarico Pé-de-Boi
está agora num encontro íntimo com uma das senhoras mais requintadas da nossa
sociedade, ou melhor, a mais requintada da nossa sociedade, mas não me pergunte
quem é, jamais contarei”.
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