sábado, 20 de junho de 2015

Os carregadores de malas

Ninguém sabe ao certo quem surgiu primeiro: a mala ou o seu carregador. Não pensem que a resposta correta seria a mais óbvia, ou seja, a mala, porque alguns estudiosos do assunto defendem a tese de que o carregador surgiu primeiro e foi ele o inventor da mala, justamente para distingui-lo de outros reles carregadores de volumes banais. Afinal, não se pode confundir um legítimo carregador de mala com um bagageiro, cuja função dispensa altos estudos e experiência na arte do PCE (Pegar, Carregar, Entregar).  Qualquer especialista nesse tipo de trabalho sabe, por exemplo, que em matéria de peso, P = C < E, significando que o peso ao pegar a mala é igual ao peso do carregar, que é menor ao entregar.  Ora, tais conhecimentos matemáticos passariam totalmente despercebidos aos simplórios bagageiros, nada tendo em comum com os letrados carregadores de malas.

             Ponto característico da classe dos carregadores de malas é a discrição. Onde já se viu um CM (Carregador de Mala) empurrar no Aeroporto um carrinho repleto de malas e ainda gritando: “Olha o pesado!”. Não existe. O verdadeiro profissional CM carrega sempre uma só mala, anda ligeiro, desliza pelos cantos e desvia-se dos obstáculos com exímia habilidade. E normalmente usa terno e gravata, e óculos escuros, como os executivos de grandes empresas. Existe também a questão da ética. Um CM nunca deixa de entregar a mala ao dono ou a quem ele determinou; vazia ou mais leve, não importa, a obrigação é entregar. Temos nos anais da história alguns casos de CMs amadores que esqueceram a sua obrigação, indo passear com a mala em Miami, Genebra ou Singapura, perdendo, assim, o certificado da profissão. Isso acontece em qualquer atividade profissional.

            A principal virtude do CM chama-se confiabilidade. Geralmente, o dono da mala não conhece em pormenores o conteúdo da bagagem.  Tem apenas uma ligeira ideia dos haveres ali acondicionados. Fica, portanto, na dependência de sua confiança no CM. Já o carregador conhece ou deve conhecer profundamente o dono da mala, para saber a exata medida do peso ao entregá-la, sem despertar constrangimentos. Como exceções, existem donos de malas que, ao recebê-las, conferem meticulosamente o conteúdo, significando desconfiança no CM, o que pode ser fatal, pela deselegância da atitude.  A maioria, entretanto, julga-se superior a essas vulgaridades, nem se importando em abrir suas malas na presença do carregador. Mesmo assim, um bom CM sabe até que ponto a mala deve chegar mais leve, pois a subtração no peso é o seu efetivo ganho, cujo valor nunca é combinado antes por ser assunto melindroso e desagradável.

            Outro aspecto nessa interessante profissão são os apelidos que eles, os profissionais, dão às malas. Ela pode ser chamada de pacote, encomenda, passaporte, documento, vitamina e até de rapadura, como a chamava um falecido político. “Fulano, vá ao endereço tal e pega a minha rapadura”. O CM já entendia o recado.


            Algo que deixa um carregador de malas extremamente aborrecido é quando o dono resolve dividir suas malas com diversos profissionais. Mesmo assim, eles trabalham, mas estão sempre insatisfeitos com o chefe. E é pecado mortal deixar um carregador irritado. Isso aconteceu com o Dr. Jacó, digno Advogado, ao assumir um elevado posto na capital. Passou a receber tantas malas no seu gabinete que ele achou por bem dividi-las com os membros da sua assessoria. Repartição de malas pode ser vista como um ato muito bonito, uma espécie de comunismo no mundo da distribuição de rendas, ou melhor, das malas, mas nunca dá certo. Aparece logo um delator fominha, que se julga prejudicado, sempre a ganhar mala mais leve. Resultado: Dr. Jacó foi exonerado. Ele aprendeu a lição e hoje faz estágio na profissão de carregador de malas. Por enquanto ele carrega maleta, tipo James Bond, mas, com perseverança, ele chega lá.

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