Ninguém sabe ao certo quem surgiu primeiro: a
mala ou o seu carregador. Não pensem que a resposta correta seria a mais óbvia,
ou seja, a mala, porque alguns estudiosos do assunto defendem a tese de que o
carregador surgiu primeiro e foi ele o inventor da mala, justamente para
distingui-lo de outros reles carregadores de volumes banais. Afinal, não se
pode confundir um legítimo carregador de mala com um bagageiro, cuja função
dispensa altos estudos e experiência na arte do PCE (Pegar, Carregar,
Entregar). Qualquer especialista nesse
tipo de trabalho sabe, por exemplo, que em matéria de peso, P = C < E,
significando que o peso ao pegar a mala é igual ao peso do carregar, que é
menor ao entregar. Ora, tais
conhecimentos matemáticos passariam totalmente despercebidos aos simplórios
bagageiros, nada tendo em comum com os letrados carregadores de malas.
Ponto característico da classe dos
carregadores de malas é a discrição. Onde já se viu um CM (Carregador de Mala)
empurrar no Aeroporto um carrinho repleto de malas e ainda gritando: “Olha o
pesado!”. Não existe. O verdadeiro profissional CM carrega sempre uma só mala,
anda ligeiro, desliza pelos cantos e desvia-se dos obstáculos com exímia
habilidade. E normalmente usa terno e gravata, e óculos escuros, como os executivos
de grandes empresas. Existe também a questão da ética. Um CM nunca deixa de
entregar a mala ao dono ou a quem ele determinou; vazia ou mais leve, não
importa, a obrigação é entregar. Temos nos anais da história alguns casos de
CMs amadores que esqueceram a sua obrigação, indo passear com a mala em Miami,
Genebra ou Singapura, perdendo, assim, o certificado da profissão. Isso
acontece em qualquer atividade profissional.
A
principal virtude do CM chama-se confiabilidade. Geralmente, o dono da mala não
conhece em pormenores o conteúdo da bagagem.
Tem apenas uma ligeira ideia dos haveres ali acondicionados. Fica,
portanto, na dependência de sua confiança no CM. Já o carregador conhece ou
deve conhecer profundamente o dono da mala, para saber a exata medida do peso
ao entregá-la, sem despertar constrangimentos. Como exceções, existem donos de
malas que, ao recebê-las, conferem meticulosamente o conteúdo, significando
desconfiança no CM, o que pode ser fatal, pela deselegância da atitude. A maioria, entretanto, julga-se superior a
essas vulgaridades, nem se importando em abrir suas malas na presença do
carregador. Mesmo assim, um bom CM sabe até que ponto a mala deve chegar mais
leve, pois a subtração no peso é o seu efetivo ganho, cujo valor nunca é
combinado antes por ser assunto melindroso e desagradável.
Outro
aspecto nessa interessante profissão são os apelidos que eles, os
profissionais, dão às malas. Ela pode ser chamada de pacote, encomenda,
passaporte, documento, vitamina e até de rapadura, como a chamava um falecido
político. “Fulano, vá ao endereço tal e pega a minha rapadura”. O CM já
entendia o recado.
Algo
que deixa um carregador de malas extremamente aborrecido é quando o dono
resolve dividir suas malas com diversos profissionais. Mesmo assim, eles trabalham, mas estão sempre insatisfeitos com o chefe. E é pecado mortal deixar um
carregador irritado. Isso aconteceu com o Dr. Jacó, digno Advogado, ao assumir
um elevado posto na capital. Passou a receber tantas malas no seu gabinete que
ele achou por bem dividi-las com os membros da sua assessoria. Repartição de
malas pode ser vista como um ato muito bonito, uma espécie de comunismo no
mundo da distribuição de rendas, ou melhor, das malas, mas nunca dá certo.
Aparece logo um delator fominha, que se julga prejudicado, sempre a ganhar mala
mais leve. Resultado: Dr. Jacó foi exonerado. Ele aprendeu a lição e hoje faz
estágio na profissão de carregador de malas. Por enquanto ele carrega maleta,
tipo James Bond, mas, com perseverança, ele chega lá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário