Todos os dias uma grande ave
imaculadamente branca planava sobre as ruas próximas da praia, aproveitando-se
do vento constante que vinha do mar. Com as asas abertas, permanecia imóvel, como
estivesse a examinar as profundezas do oceano a procura de algum peixe, mas
todos nós sabíamos que, na verdade, ela vigiava os passos tortuosos de nossas
vidas.
Caso acontecesse uma tragédia ou um
fato triste na comunidade, lá estava a ave, estacionada no céu, a sentenciar
nossos atos e a despertar os nossos pecados. Sob o peso do olhar das alturas, todos,
rotineiramente, levantavam a cabeça e dirigiam suas vistas em direção ao solene
e austero pássaro, que nada dizia, mas nos controlava e exigia nossas
reflexões.
Do temor aos pedidos de ajuda foi um passo. As
oferendas, os agrados, peixes espalhados nas areias da praia, para servirem ao
senhor alado. E brotaram os oráculos, a predizer mensagens da ave celestial, a
comprovar milagres surgidos das orações dedicadas ao pássaro majestoso. Os
abençoados juravam as mensagens recebidas e construíam templos em sua
homenagem. Vieram visitantes, romeiros e doentes. E a ave, simplesmente,
planava e vigiava.
Certo dia desceu mansamente uma pena,
ao sabor do vento, a pousar na areia da praia. Alguém mais afoito pegou a pena
e a fez relíquia, tornando-se rico e poderoso. E surgiram os caçadores de
penas, todos querendo também um pedaço do ser alado. E aos poucos vieram mais
penas e outras mais, a flutuarem fragilmente no céu, como um manto branco a esconder
o azul celeste. Até que todas caíram, pobre ave depenada, agora constituída
somente de ossos, um esqueleto que, sem a proteção da plumagem, esfarelou-se ao
vento, tornou-se pó, e desapareceu das vistas humanas e da triste história de
nossas vidas.
Que triste essa história! Será esse o fim de todos nós?
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