segunda-feira, 22 de junho de 2015

A moda do livro para colorir


Dizem os entendidos que o único setor de atividades econômicas em crescimento no Brasil é a venda de livros para colorir, sem contar, é claro, com o pujante desenvolvimento das atividades criminosas, tanto do tipo macro (empreiteiras, por exemplo), quanto do tipo micro (assaltos de rua com esfaqueamento, por exemplo). Outros setores que devem estar crescendo são o da comercialização de facas e revenda de celulares usados, mas não temos estatística oficial a comprovar. Não devemos, porém, esquecer o forte incremento na venda de lápis coloridos, que segue a reboque dos tais livros de colorir.

Voltando ao assunto de livros para colorir, os interessados explicam o maravilhoso efeito contra o stress nas pessoas adultas. Assim, quando você estiver estressado pegue um livro e fique colorindo as casinhas, as florzinhas, as paisagens bucólicas. Não se preocupe em desenhar tudo direitinho, ou adotar um estilo pessoal na arte do desenho, pois, deste modo, você ficará mais estressado ainda e terá de comprar outro livro para evitar o stress de desenhar o anterior.

Este é um problema sério que você deve evitar! Nada de relaxar com a procura de outro motivo que possa enervá-lo e sair chutando o cachorro ou espezinhando os que o cercam. Triste exemplo foi aquele sujeito que se achou tomado pelo espírito de Van Gogh, começou a abusar do amarelo e acabou cortando a orelha!

Em resumo, se você for um perfeccionista, não use livro para colorir. Mas, se você insistir recomendo intercalar com a leitura de um livro verdadeiro, de bom autor, como Simenon, Leblanc, Agatha Christie, Chandler, Luke Delaney, Ken Follet, Hammet, Dan Brown, livros assim, de leitura fácil e amena, que prende a sua atenção e remove o stress do dia a dia. Nada de coisa complicada, tipo Nietzsche, Schopenhauer, Kant, Descartes, você vai ficar mais maluco do que está.

A propósito, há quanto tempo você não lê um livro verdadeiro? Livro para se ler e não para desenhar? Cuidado! Com essa história de desenhar você pode acabar esquecendo o significado das letras e fazer parte do índice de analfabetismo do país. Aliás, esse índice deve estar aumentando a pleno vapor. Como evidência, compare o número de livros para colorir vendidos com o de livros verdadeiros!


sábado, 20 de junho de 2015

Os carregadores de malas

Ninguém sabe ao certo quem surgiu primeiro: a mala ou o seu carregador. Não pensem que a resposta correta seria a mais óbvia, ou seja, a mala, porque alguns estudiosos do assunto defendem a tese de que o carregador surgiu primeiro e foi ele o inventor da mala, justamente para distingui-lo de outros reles carregadores de volumes banais. Afinal, não se pode confundir um legítimo carregador de mala com um bagageiro, cuja função dispensa altos estudos e experiência na arte do PCE (Pegar, Carregar, Entregar).  Qualquer especialista nesse tipo de trabalho sabe, por exemplo, que em matéria de peso, P = C < E, significando que o peso ao pegar a mala é igual ao peso do carregar, que é menor ao entregar.  Ora, tais conhecimentos matemáticos passariam totalmente despercebidos aos simplórios bagageiros, nada tendo em comum com os letrados carregadores de malas.

             Ponto característico da classe dos carregadores de malas é a discrição. Onde já se viu um CM (Carregador de Mala) empurrar no Aeroporto um carrinho repleto de malas e ainda gritando: “Olha o pesado!”. Não existe. O verdadeiro profissional CM carrega sempre uma só mala, anda ligeiro, desliza pelos cantos e desvia-se dos obstáculos com exímia habilidade. E normalmente usa terno e gravata, e óculos escuros, como os executivos de grandes empresas. Existe também a questão da ética. Um CM nunca deixa de entregar a mala ao dono ou a quem ele determinou; vazia ou mais leve, não importa, a obrigação é entregar. Temos nos anais da história alguns casos de CMs amadores que esqueceram a sua obrigação, indo passear com a mala em Miami, Genebra ou Singapura, perdendo, assim, o certificado da profissão. Isso acontece em qualquer atividade profissional.

            A principal virtude do CM chama-se confiabilidade. Geralmente, o dono da mala não conhece em pormenores o conteúdo da bagagem.  Tem apenas uma ligeira ideia dos haveres ali acondicionados. Fica, portanto, na dependência de sua confiança no CM. Já o carregador conhece ou deve conhecer profundamente o dono da mala, para saber a exata medida do peso ao entregá-la, sem despertar constrangimentos. Como exceções, existem donos de malas que, ao recebê-las, conferem meticulosamente o conteúdo, significando desconfiança no CM, o que pode ser fatal, pela deselegância da atitude.  A maioria, entretanto, julga-se superior a essas vulgaridades, nem se importando em abrir suas malas na presença do carregador. Mesmo assim, um bom CM sabe até que ponto a mala deve chegar mais leve, pois a subtração no peso é o seu efetivo ganho, cujo valor nunca é combinado antes por ser assunto melindroso e desagradável.

            Outro aspecto nessa interessante profissão são os apelidos que eles, os profissionais, dão às malas. Ela pode ser chamada de pacote, encomenda, passaporte, documento, vitamina e até de rapadura, como a chamava um falecido político. “Fulano, vá ao endereço tal e pega a minha rapadura”. O CM já entendia o recado.


            Algo que deixa um carregador de malas extremamente aborrecido é quando o dono resolve dividir suas malas com diversos profissionais. Mesmo assim, eles trabalham, mas estão sempre insatisfeitos com o chefe. E é pecado mortal deixar um carregador irritado. Isso aconteceu com o Dr. Jacó, digno Advogado, ao assumir um elevado posto na capital. Passou a receber tantas malas no seu gabinete que ele achou por bem dividi-las com os membros da sua assessoria. Repartição de malas pode ser vista como um ato muito bonito, uma espécie de comunismo no mundo da distribuição de rendas, ou melhor, das malas, mas nunca dá certo. Aparece logo um delator fominha, que se julga prejudicado, sempre a ganhar mala mais leve. Resultado: Dr. Jacó foi exonerado. Ele aprendeu a lição e hoje faz estágio na profissão de carregador de malas. Por enquanto ele carrega maleta, tipo James Bond, mas, com perseverança, ele chega lá.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

A Ave Celestial

Todos os dias uma grande ave imaculadamente branca planava sobre as ruas próximas da praia, aproveitando-se do vento constante que vinha do mar. Com as asas abertas, permanecia imóvel, como estivesse a examinar as profundezas do oceano a procura de algum peixe, mas todos nós sabíamos que, na verdade, ela vigiava os passos tortuosos de nossas vidas.

Caso acontecesse uma tragédia ou um fato triste na comunidade, lá estava a ave, estacionada no céu, a sentenciar nossos atos e a despertar os nossos pecados. Sob o peso do olhar das alturas, todos, rotineiramente, levantavam a cabeça e dirigiam suas vistas em direção ao solene e austero pássaro, que nada dizia, mas nos controlava e exigia nossas reflexões.

Do temor aos pedidos de ajuda foi um passo. As oferendas, os agrados, peixes espalhados nas areias da praia, para servirem ao senhor alado. E brotaram os oráculos, a predizer mensagens da ave celestial, a comprovar milagres surgidos das orações dedicadas ao pássaro majestoso. Os abençoados juravam as mensagens recebidas e construíam templos em sua homenagem. Vieram visitantes, romeiros e doentes. E a ave, simplesmente, planava e vigiava.
 Certo dia desceu mansamente uma pena, ao sabor do vento, a pousar na areia da praia. Alguém mais afoito pegou a pena e a fez relíquia, tornando-se rico e poderoso. E surgiram os caçadores de penas, todos querendo também um pedaço do ser alado. E aos poucos vieram mais penas e outras mais, a flutuarem fragilmente no céu, como um manto branco a esconder o azul celeste. Até que todas caíram, pobre ave depenada, agora constituída somente de ossos, um esqueleto que, sem a proteção da plumagem, esfarelou-se ao vento, tornou-se pó, e desapareceu das vistas humanas e da triste história de nossas vidas.

terça-feira, 9 de junho de 2015

O Blefe do Pescador




"ERA DESTA TAMANHO!! EU FICAR SURPRESA COM TAMANHO DO COISA".






Na série dinamarquesa Bogen, divulgada no Brasil pelo canal GloboSat, a Primeira Ministra resolveu aprovar lei, pela qual todos os Conselhos de Administração, inclusive de empresas privadas, seriam obrigados a ter, pelo menos, 40% de Conselheiras mulheres. O mais importante magnata das indústrias do país protestou e disse à Primeira Ministra que se ela mantivesse a lei, ele levaria suas empresas para o exterior. Suas empresas representavam quase 2% do PIB da Dinamarca.

A Primeira Ministra ficou em dúvida: se voltasse atrás, perderia força política; se ficasse firme, a economia sofreria enorme baque. Ela pensou: esse cara é dinamarquês de nascença, já recebeu as principais comendas do país, é amigo da rainha, é conhecido por toda a população. Se deixar a Dinamarca e for para um grande país, tipo Alemanha, ele será lá mais um grande empresário, no meio de tantos, e, pior, estrangeiro. “Ele está blefando”, ela concluiu.

Fez, então, pé firme e disse ao magnata que não cancelaria o projeto. E ele respondeu: “Tudo bem, mas não posso sair perdendo. Faça o seguinte: prorrogue por mais dois anos aquele outro projeto que aumenta as exigências de sustentabilidade ecológica, e eu fico aqui”. A Primeira Ministra aceitou e eles apertaram as mãos.

Moral da história: Em nenhum momento o magnata estava preocupado com as mulheres no Conselho de Administração. Ele queria outra coisa, um peixe bem maior. E conseguiu!

segunda-feira, 8 de junho de 2015

O jabuti

Da série: Conversas de botequim


- Meu Deputado Relicário Benzolino! Que prazer encontrá-lo!
- Dr. Energu Meno! Como vai essa sapiência?
- Sinto o senhor alegrinho, degustando o seu uísque. Não sabia que o Deputado bebia.
- Uma confidencialidade, doutor. Diante da plateia, somente água; em recinto fechado, faço as minhas extravagâncias. Ainda mais quando estou comemorando...
- Posso saber o motivo da comemoração?
- Claro que pode. O motivo é que consegui enfiar um jabuti na aprovação de uma Medida Provisória.
- E qual era o assunto dessa Medida Provisória?
- Ah, sei lá! Qualquer coisa sobre aumento de imposto, não prestei atenção.
- E o seu jabuti? Trata de quê?
- Do perdão de multas contra as igrejas. Um absurdo! As igrejas vão quebrar se tiverem que pagar essas multas.
- Não estou sabendo do assunto. Por que as igrejas foram multadas?
- É o seguinte: as igrejas pagam aos seus religiosos, uma espécie de salário, alguma coisa do tipo...
- Então, os religiosos são empregados das igrejas?
- Tecnicamente, não! Não tem carteira assinada. Recebem um fixo e mais uma parcela pelo desempenho. Pois a Receita Federal exige que o religioso recolha o INSS dessa diferença!
- Entendi... O jabuti diz o quê?
- Ah, fiz mais ou menos assim: “Os valores despendidos, ainda que pagos de forma e montante diferenciados, vinculados exclusivamente à atividade religiosa, não configuram remuneração direta ou indireta”. Matou, não é mesmo?
- Bem, se não configura remuneração, qual seria a origem desses pagamentos?
- Ah, doutor, o senhor está exigindo muito de mim. Sei lá, seria uma espécie de prestação de serviços.
- Bem, se for prestação de serviços os religiosos poderiam ser enquadrados como profissionais autônomos...
- Isso aí! Sem problema.
- Huum, mas se forem enquadrados como profissionais autônomos, os religiosos teriam de pagar o ISS.
- O que é isso?
- O Imposto sobre Serviços das Prefeituras. Os Municípios vão querer cobrar...
- Ora, doutor, se isso acontecer eu enfio outro jabuti em cima dos Municípios.
- O senhor, então, ficou especialista em jabuti?
- Ah-Ah-Ah, essa é boa. A propósito, o senhor sabia que não se come jabuti. Só tartaruga.
- Mas comer tartaruga é proibido...
- Para a plateia, doutor, para a plateia. O doutor vai me acompanhar no uísque?
- Não, Deputado, eu prefiro uma boa cachaça... Garçom! Traz uma Weber Haus Premium, por favor... Olha! Garçom! Dose dupla caprichada!!