Certa vez, fui
dar um curso numa cidade bem próxima do fim do mundo, lá onde o vento faz a curva
e retorna. Na cidade do aeroporto peguei um ônibus velho e empoeirado que
seguiu em direção oeste por uma estrada asfaltada, até aí tudo muito bem, mas,
uns cem quilômetros depois, dobrou repentinamente para entrarmos numa estrada
de terra vermelha esburacada e sob um sol arrasador. O motorista gritou,
provavelmente para mim, pois eu era o único passageiro: “Acabou o conforto!”.
Durante toda a
manhã viajamos pela região deserta, sacolejando, entrando e saindo dos buracos,
como se a estrada fosse um mar revolto. Às vezes, o buraco era tão fundo que o
sol sumia e fazia sombra no interior do ônibus e eu chegava a pensar nunca mais
sair das profundezas. Depois do grito avisando o final do conforto, o motorista
nada mais disse, talvez por estar assoberbado trocando as marchas para descer e
subir os barrancos escarpados.
Já passava do
meio dia quando nos aproximamos de um vilarejo localizado exatamente no meio de
nada, um nada repleto de nada, formado por um caminho com meia dúzia de casebres
irregulares apoiados no chão vermelho. “Uma hora para almoço!”, gritou o
motorista lá da frente, descendo rápido do ônibus e sumindo por detrás de um
dos casebres.
Na rua (vamos
chamar de rua), uma bomba de combustível movida à mão, onde o ônibus estacionou,
e ao lado um telheiro com uma placa gasta pelo tempo, da qual fui forçado a
aproximar-se para ler as palavras “Max Restaurante”. Debaixo do telheiro,
algumas mesas de dobrar forradas com oleado. Aos fundos, uma mulher mexia nas
panelas esfumaçadas sobre um fogão de lenha. Um homem magro de bermuda e sem
camisa surgiu dos fundos, arrastando os pés e levantando poeira. “Pode escolher
uma mesa”, disse ele. Como não havia ninguém, sentei na cadeira de qualquer uma.
Eu estava sedento. “O senhor pode me trazer uma garrafa de água?”, pedi ao
homem magro. Ele não respondeu, retornou ao fundo e gritou para a mulher: “Solta
um pf!”.
Voltou com a
água e logo depois a mulher desabou na minha mesa um prato de feijão, arroz e
uma carne gordurosa cujo gosto até hoje não esqueci. E enquanto eu comia,
surgiram as moscas e os mosquitos.
A partir
daquele dia passei a respeitar as moscas. São bichos organizados, trabalham de
forma orquestrada, pousam em nuvem e se afastam em conjunto ao comando da minha
mão. Ao deixar de abanar, elas voltam agrupadas e todas pousam no meu prato.
Faço um abano e elas fogem. Sem eu saber, firmamos um pacto consensual, uma
espécie de acordo de princípios: cada um come no momento certo. Quando abano,
sou eu a dar uma garfada; paro de abanar, é a vez delas. Se não fosse os
mosquitos eu até me divertiria com o jogo das moscas.
Os mosquitos
atacaram nas pernas, mas sem qualquer organização, uma verdadeira bagunça!
Havia diversos tipos de mosquitos. Grandes, enormes, médios, pequenos e do tipo
mignon. Todos querendo ao mesmo tempo encontrar uma brecha na minha roupa para
sugar o meu sangue. Aprendi que os mosquitos são truculentos entre eles e os
pequeninos, coitadinhos, não conseguiam se alimentar, pois eram barrados pelos
valentões.
Percebi que um
aedes exercia certa liderança em razão do seu porte. Mosquitona imponente, parecia
uma rainha, posso até dizer que era bonitona, bem jeitosa. E os outros tinham
medo dela. Quando ela pousava, todos se afastavam, curvando a cabeça
respeitosamente. Até que surgiu uma ochlerotatus e tentou promover uma rebelião
republicana, mas a rebelde fugiu perseguida pelos asseclas da rainha aedes, sob um protesto tímido de pernilongos do gênero culex. Neste momento, um
esperto mutunzinho aproveitou a oportunidade para me dar uma ferroada.
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