sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O Motel


Da série: Manicômio Fiscal


Marivante Frigodal, disciplinado servidor do Fórum da Justiça, recebeu polpuda herança de um tio espanhol, de quem já ouvira breves comentários através do seu falecido pai, e resolveu investir na construção de um motel de luxo, atividade cuja carência já era por demais conhecida e reclamada na região.

Dinheiro sem suor é gasto sem dó, velho provérbio, todo mundo conhece, e aquele dinheiro não continha uma gota do seu suor, talvez do seu tio desconhecido, sabe-se lá como o parente o conseguira, mas uma coisa Marivante sabia, todo espanhol tem tino para o negócio de motel. Por certo, o tio, lá do céu, estaria aprovando o projeto.

Quis fazer tudo certo e dentro da lei. Terreno adquirido nas margens da rodovia, tudo acertado com a concessionária, projeto de bom arquiteto da capital, licença para construir, meio ambiente assegurado, INSS quitado, empresa constituída, taxas e mais taxas aceitas e pagas, casa de força, reservas de água, corpo de bombeiros, alvará da vigilância sanitária, licença da fazenda estadual, alvará da prefeitura e benção do padre na inauguração, com água benta vendida a litro.

Soltou propaganda e a notícia se espalhou na cidade. “Chanson d’Amour”, o nome do estabelecimento, nome de uma música antiga que um velho cantor, um tal de Perry Como, cantava nas discotecas de antanho. Marivante nunca explicou a razão deste nome, se gostou dele, ou gostava do velho Perry.

A primeira noite apinhada de gente. Estavam presentes Fiscais de Tributos, Fiscais de Posturas, Vigilância Sanitária, Fiscais do Meio Ambiente, Fiscais de Serviços Públicos, Polícia Militar, membros do Corpo de Bombeiros, cinco vereadores, um Inspetor de Polícia, um punhado de políticos sem mandato e alguns soldados do quartel próximo. Um casal, disposto a conhecer o novo estabelecimento, deu a volta e fugiu a toda velocidade, ao dar de frente com aquele aparato fiscal-militar. Outros casais fizeram o mesmo. Muita gente, mas nada de negócio.

Marivante, tentando resolver o problema, conduziu a tropa fiscal-político-militar para uma das suítes, onde mandou servir bebidas e canapés, na tentativa de manter o grupo escondido dos eventuais hóspedes. A tentativa foi infrutífera, porque as viaturas oficiais, inclusive um caminhão do Bombeiro, aguardavam no estacionamento. E todos os carros anunciavam nas respectivas portas: “Em serviço”, a dar ideia de uma gloriosa blitz estatal contra o estabelecimento, sempre mal visto aos olhos do público por sofrer tamanha ofensiva bélica fiscal.

Em suma, a inauguração foi um fracasso.

E durante a semana tudo se repetiu, com fiscais, militares e políticos fazendo escala de presença, já passando o motel a ser considerado o local oficial de

Plantão Fiscal e a suíte como gabinete dos políticos mal sucedidos nas últimas eleições, onde comiam e bebiam de graça, tecendo reclamações contra os governantes atuais pelo esquecimento de seus nomes nas boquinhas surgidas e destinadas a outros.

E foi assim que Marivante, desanimado, resolveu vender o Motel Chanson d’Amour a um legítimo espanhol. Este, imediatamente, enviou convite permanente de gratuidade para o Prefeito, o Delegado, o Comandante da PM, o Comandante do Corpo de Bombeiros e para o Comandante do Quartel.

Nunca mais foi “fiscalizado”. E o gabinete dos “ex-políticos” foi desmantelado.

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