quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Os Lobos de Paulista Street

O banqueiro entra na sala de outro banqueiro quando este comia o fígado de um cliente.
- Oba! Cheguei na hora certa!
O outro, cabeça abaixada sobre o prato e com a boca escorrendo sangue, rosnou:
- Este cliente é meu. Vá caçar outro.
O banqueiro sorriu, jogou-se na poltrona e deu um suspiro.
- Está difícil, cara! Os idiotas estão sumindo!
O outro lambeu os dedos ensanguentados.
- E eu não sei? Este aqui caiu na rede por pura sorte... Era um novo rico.
O banqueiro lambeu os beiços.
- Puxa! Sorte mesmo! Um novo rico é sempre um idiota perfeito.
O outro limpou os dedos no guardanapo de linho e bebeu um gole de pinot noir.
- Principalmente os herdeiros de ricaços!
O banqueiro deu uma risadinha e cantou:
- Dinheiro na mão é vendaval, é vendaval...
O outro deu uma gargalhada e completou:
- E nós somos o furacão, o furacão.
Depois, limpou a boca do sangue e da gordura e perguntou:
- Mas, a que devo a honra de sua visita?
O banqueiro cruzou as mãos e ficou mexendo os dedos.
- Estamos precisando ampliar o nosso marketing. A nossa clientela de idiotas está diminuindo, só estou acumulando ossadas no meu cadastro.
O outro se recostou na poltrona.
- Tem razão. Às vezes dou uma chupadela nos ossos dos clientes antigos, mas só dá um caldo ralo, já chupei tudo que tinham. Tem pouca caça no mercado.
- E muita concorrência! Quando farejo um idiota já tem um monte de caçadores atrás dele.
- É verdade... E essa matilha nova, cheia de produtos inovadores, todos de alto risco, os idiotas caem direitinho na esparrela.
O banqueiro levantou-se e aproximou-se da janela, admirando a bela paisagem de torres de concreto.
- A minha mais nova esposa está querendo uma mansão em Fort Lauderdale, já cansou de Miami Beach. Estou precisando de sangue novo, meu caro!
- E qual é a sua ideia?
O banqueiro virou-se para o outro.
- Vamos financiar a corrupção! Vamos emprestar dinheiro aos corruptores e comer os corruptos! Vamos ganhar dos dois lados!
O outro se levantou e deu um passeio na sala com as mãos nos bolsos.
- Huum, interessante... Mas como vamos divulgar esse programa? Não podemos sair por aí falando: Financiamos a corrupção!
- Claro que não! Mas insinuaremos do tipo: Nós resolvemos todos os seus problemas tributários e de burocracia! E o resto é conversa ao pé do ouvido.
O outro deu um sorriso.
- Gostei! O resto é com o pessoal de marketing. Eles são muito criativos.
- Exatamente! Você já pensou quantos idiotas gordinhos estão doidos para ganhar uma propina e não sabem como fazer? Imagine quantos fígados teremos para comer!
O outro levantou os braços.
- E ainda podemos oferecer consultoria aos iniciantes na corrupção, coisas como estabelecer preço, iniciar a negociação, exigir condições, dar garantias, e assim por diante. Está aí! Topo! Prepare o ‘paper’ e marquemos uma reunião com o Marketing.
O banqueiro é todo sorriso.
- Ótimo! Deixa comigo... E me diz uma coisa... Você não vai comer aquele coração? Só comeu o fígado do novo rico!
- Estou querendo emagrecer. Se quiser, mando preparar uma quentinha para você...


terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A Gafieira Brasileira

O Senhor Gilberto Carvalho, Secretário-Geral da Presidência da República, é uma pessoa que merece respeito, mas deve ter cuidado com o vexame. Conforme diz o estatuto da nossa gafieira, dance a noite inteira, mas dance direito! Aliás, o que não é permitido, pelo artigo 120, são as regras seguintes: o distinto subir na parede, dançar de pé pro ar, morar na bebida sem querer pagar, abusar da umbigada de maneira folgazã. A gafieira brasileira também exige respeito!


Disse o nobre senhor que o modelo atual de gestão pública exibe sinais preocupantes de desgaste, e é necessário um novo projeto capaz de ir além dos temas batidos de inclusão social e distribuição de renda. Disse ele que tudo que foi feito ainda é insuficiente. E desabafa: “Fizemos tanto por essa gente e ela agora se levanta contra nós?” A expressão “essa gente” significa o povo brasileiro. E que se levanta contra o governo através das manifestações, passeatas e rolezinhos. Ao fim, está a dizer que o povo é ingrato.

Parece que o ilustre Secretário-Geral não percebeu ainda, por toda a sua existência, que povo silente, submisso e obediente é povo burro, ignorante e inofensivo. Quer manter o povo assim? Que lhe dê apenas o mínimo para sobreviver e o distraia com festas, shows, carnavais e futebol. Povo subnutrido, inculto, deseducado é povo fácil de se lidar. Sentindo-se abandonado, aceita facilmente um líder populista, aquele que lhe dá tostões e o atrai com discursos retóricos apimentados de piadinhas chulas. Há vários exemplos na História. Um deles é o Hitler.

E não vamos esquecer a compensação post-mortem. Aos tristes e desesperados as igrejas acolhem, e lhes oferecem uma vida melhor depois de morto, ou, quem sabe, algum milagre nesta vida terrena a preço módico de uma indulgência. Em outras palavras, seja bonzinho e obediente nesta vida de pobreza e será recompensado no paraíso, quiçá aqui mesmo, mediante um pagamento extra.

Todavia, se você deseja uma revolução, eduque o povo. Dê-lhe condições de pensar e você terá novos problemas a resolver, pois o povo passou a enxergar. Quem lê, pensa e acaba lendo tudo que lhe cai nas mãos, até bula de remédio se também tiver boa visão. E certamente vai ler, inclusive, o Estatuto da nossa Gafieira, principalmente os artigos dos nossos direitos. Vai entender a obrigação do Estado em prestar serviços públicos de excelência, como transporte digno para seres humanos e não para animais; tratamento de saúde que realmente trata as pessoas com educação, eficiência e rapidez; escolas que realmente ensinam e não essas atuais que fingem ensinar; moradias condignas e não essas favelas horizontais do programa “minha casa minha vida”.

O que aconteceu, de fato, na Gafieira Brasileira foi a vitória incontestável do governo Itamar Franco contra a inflação que afligiu o povo brasileiro durante o tal “desgoverno sarney”, com inflação superior a 50% ao mês. Debelada a perda escandalosa do valor real do salário, o povo passou a consumir mais, as indústrias e o comércio prosperaram e o número de empregos aumentou. A economia cresceu, o povo aprendeu a ter um gostinho, e começou a pensar, a conversar, a refletir sobre sua própria sorte. Disse o ilustre governista: “Satisfeita a demanda, a exigência passou a ser por serviços públicos”. E queria o quê? O povo continuar aplaudindo enquanto convive com esse achincalhe que chamam de serviços públicos? Que continuaria lendo apenas o artigo 120 das obrigações? Bom lembrar que o Estatuto da Gafieira Brasileira também tem os artigos dos Direitos do Cidadão.
Tá bem, moço?

PS. Aqui presto uma singela homenagem ao inesquecível samba “Estatutos da Gafieira”, de Billy Blanco.


domingo, 26 de janeiro de 2014

Um ano depois da tragédia de Santa Maria

O Jornal O Globo deste Domingo (dia 25/01/2014) publica reportagem de quatro páginas sob o título “No País do Faz de Conta”, a lembrar a tragédia de Santa Maria. A conclusão da reportagem, resumindo, é de que nada foi feito em termos práticos na melhoria e rigor na fiscalização das casas noturnas.

A reportagem insiste em citar o número de Fiscais, como se fosse isso o motivo maior da deficiência das ações fiscais. Diz, por exemplo, que o número de Agentes Vistores da Cidade de São Paulo, atualmente em 550 Servidores, é insuficiente. E diz que Curitiba tem 35 Fiscais, Cuiabá, 250 e Recife, 60. Fazendo uma comparação com o número de empresas estabelecidas em tais cidades, teríamos a seguinte relação:

Cidade
Nº de Fiscais
Nº de Empresas
Fiscais p/Empresa
São Paulo
550
554.344
1.007 por Fiscal
Curitiba
35
98.575
2.816 por Fiscal
Cuiabá
250
19.704
79 por Fiscal
Recife
60
23.827
397 por Fiscal

Fonte: Nº de empresas pelo IBGE. Número de Fiscais pela reportagem.

Qual é a conclusão do quadro acima? Nenhuma! Em primeiro lugar, duvidamos que Curitiba tenha apenas 35 Fiscais. Em segundo lugar, a reportagem não explica a categoria dos Fiscais, a não ser o quadro de São Paulo, constituído por Agentes Vistores que são responsáveis por uma gama enorme de fiscalizações e não somente dos estabelecimentos. Jogar a culpa nos Agentes Vistores por qualquer deficiência de fiscalização é pura hipocrisia.

As Prefeituras, órgãos executivos dos Municípios, precisam ter, pelo menos:
- Um quadro regular de Vigilância Sanitária, cuja responsabilidade é de fiscalizar e vistoriar todos os estabelecimentos que, direta ou indiretamente, exerçam atividades de repercussão com a saúde e o bem-estar da população. Do restaurante à escola de ensino; da padaria à farmácia; do hospital à indústria; do consultório médico ao supermercado.
- Um quadro regular de Fiscais de Obras Particulares, cuja responsabilidade é de fiscalizar e vistoriar as obras de construção civil, inclusive de autorizar a construção e liberar o habite-se.
- Um quadro regular de Fiscais de Estabelecimentos em geral, cuja responsabilidade é de fiscalizar e vistoriar os estabelecimentos que não exerçam, direta ou indiretamente, atividades relacionadas com a saúde e o bem-estar da população. Do escritório de um advogado à loja de roupas; de uma joalheria à oficina mecânica; da imobiliária ao posto de gasolina.
- Um quadro regular de Fiscais de Meio Ambiente, cuja responsabilidade é de fiscalizar e vistoriar os estabelecimentos que exerçam, direta ou indiretamente, atividades que possam agredir ou prejudicar o meio ambiente.

Liberar o alvará de funcionamento de um estabelecimento significa, pura e simplesmente, que, naquela data, o estabelecimento estaria apto a abrir suas portas ao público, mas tal situação pode ser alterada até mesmo no dia seguinte. Daí a necessidade de vistorias periódicas, de controle dos estabelecimentos, de planejamento das ações fiscais, dando prioridade aos que exercem atividades de alto risco. As Prefeituras precisam melhorar a gestão de seus atos de poder de polícia administrativa, isto é, precisa nomear pessoas realmente capacitadas em gerenciamento e administração. Nomear as chefias mediante análise dos currículos e não pelo QI de “Quem Indicou”.


E mais, precisa unificar a fiscalização, cada quadro com suas especialidades profissionais, a não deixar que cada um faça o que bem entenda. Mas não misturar fiscal tributário com fiscal de poder de polícia administrativa. Cada qual com suas responsabilidades. A estrutura requer investimento em equipamentos, espaço adequado, informática, veículos e pessoal.

E, finalmente, pagar ao Fiscal um salário condigno, que não o envergonhe, que o faça ter orgulho de sua função, e que impeça aos mais fracos de caráter cair nas malhas da corrupção.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A revolução econômica da Região Norte (II)

O (excelente) Jornal Valor publicou hoje (dia 23) matéria que foi meu assunto no artigo “A revolução econômica da Região Norte”, publicado neste blog no último dia 18. O artigo do Jornal acrescenta informações valiosas e acaba por corrigir alguns pontos do meu artigo. Vamos a eles:

A) Ao contrário do que eu disse, o Canal de Panamá já comporta a passagem de navios de até 60 mil toneladas de carga. A obra de modernização do canal permitirá a movimentação de navios de até 150 mil toneladas (ops!!). A mudança do navio já será suficiente para reduzir em 20% o custo do transporte.

B) O valor médio do frete do Mato Grosso para os portos de Santos ou Paranaguá fica em US$ 133 por tonelada. O embarque via Pará terá um frete estimado em US$ 88

C) O trajeto de ida e volta até a China seria reduzido de 40 para 36 dias em relação ao caminho hoje percorrido pelos navios que saem de Santos e Paranaguá, a lembrar que a China importou 75% da exportação brasileira de soja em 2013.

Bem, o Jornal ressalta as preocupações com o término do asfaltamento da BR-163, prometido pelo Governo para o ano que vem. Sem este asfaltamento tudo vai ficar difícil e talvez comprometer todo o grandioso projeto. Acredito que devemos ter fé, ou “fé de mais” ou “fé de menos”. No caso, eu prefiro “fé de mais”.

O artigo do Jornal Valor foi assinado pelas jornalistas Mariana Caetano e Bettina Barros. Aos queridos amigos, principalmente dos Estados do Pará e do Mato Grosso, recomendo adquirir o Valor do dia 23 de janeiro de 2014, recortar e guardar o artigo. Como diz o Góes, do Jornal O Globo, vamos torcer, vamos cobrar.


sábado, 18 de janeiro de 2014

A revolução econômica da Região Norte

Está previsto para este ano a inauguração do novo canal do Panamá que permitirá a passagem de navios graneleiros de até 60 mil toneladas de carga.

O Estado do Mato Grosso é, atualmente, o maior produtor de soja no Brasil, com, aproximadamente, 24 milhões de toneladas.

A relação de preço entre grão de soja e soja beneficiada (óleo e farelo) era de 1 para 3 (o preço da soja beneficiada era três vezes maior que a soja em grão). Hoje, a relação caiu, passando a ser de 1 para 2. E continua caindo. Em termos de custo-benefício o melhor agora é exportar a soja em grão.

O problema do Mato Grosso é o escoamento da produção. Mais ou menos 90% da produção seguem por mais de mil quilômetros em rodovia para o porto de Paranaguá. A rota dos navios é, em geral, pela travessia do Atlântico, contornando a costa africana, em direção à China, que adquire 65% das exportações brasileiras de soja. O tempo de navegação dura, aproximadamente, 35 dias, sem contar a perda de dias provocada pelo congestionamento do porto.

A Rodovia BR-163 que liga Cuiabá a Santarém já está totalmente asfaltada no Estado do Mato Grosso, e o Governo promete concluir até 2015 o asfaltamento no Estado do Pará.

Santarém fica nas margens do majestoso e navegável Rio Tapajós, cuja largura alcança até 12 quilômetros (que beleza de rio) e oferece maravilhosas vantagens portuárias.

Unindo tudo isso, a soja do Mato Grosso vai mudar de rota. Seguirá de caminhão pela Rodovia BR-163 até Itaituba ou Santarém. Armazéns e portos graneleiros vão embarcar a soja nos navios que seguirão pelo Tapajós/Amazonas, atravessarão o canal do Panamá, e no Pacífico tomarão o rumo em direção à China. A viagem será reduzida em dez dias em relação às saídas de Paranaguá. O custo do frete será reduzido em quase 40%. A competitividade da soja brasileira será bem maior no mercado internacional.

Ao retornar, os navios trarão fertilizantes que os produtores de soja tanto necessitam. O custo do fertilizante também vai cair.

As empresas gigantes do setor já estão se movimentando, adquirindo terras em Itaituba e Santarém para construir armazéns e complexos de logística. Um novo cenário está surgindo.

A única preocupação é o governo deixar de cumprir a promessa de concluir o asfaltamento da BR-163. O DNIT garante que entregará a obra no prazo. Outra preocupação é o governo deixar de tomar iniciativas de reduzir a burocracia na exportação, que demanda tempo e custo. Outra é a capacidade de gestão dos portos oficiais. E outra mais são os icebergs da corrupção no trânsito dos papéis... Mas, poxa, vamos ter fé que tudo se resolva!

O Pará ansiosamente aguarda. E o Brasil cresce para o Norte, até então esquecido e abandonado, como se fosse terra de ninguém, ou, pelo menos, do açaí e do cupuaçu (ou kupuaku como dizem os japoneses).   


sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O Motel


Da série: Manicômio Fiscal


Marivante Frigodal, disciplinado servidor do Fórum da Justiça, recebeu polpuda herança de um tio espanhol, de quem já ouvira breves comentários através do seu falecido pai, e resolveu investir na construção de um motel de luxo, atividade cuja carência já era por demais conhecida e reclamada na região.

Dinheiro sem suor é gasto sem dó, velho provérbio, todo mundo conhece, e aquele dinheiro não continha uma gota do seu suor, talvez do seu tio desconhecido, sabe-se lá como o parente o conseguira, mas uma coisa Marivante sabia, todo espanhol tem tino para o negócio de motel. Por certo, o tio, lá do céu, estaria aprovando o projeto.

Quis fazer tudo certo e dentro da lei. Terreno adquirido nas margens da rodovia, tudo acertado com a concessionária, projeto de bom arquiteto da capital, licença para construir, meio ambiente assegurado, INSS quitado, empresa constituída, taxas e mais taxas aceitas e pagas, casa de força, reservas de água, corpo de bombeiros, alvará da vigilância sanitária, licença da fazenda estadual, alvará da prefeitura e benção do padre na inauguração, com água benta vendida a litro.

Soltou propaganda e a notícia se espalhou na cidade. “Chanson d’Amour”, o nome do estabelecimento, nome de uma música antiga que um velho cantor, um tal de Perry Como, cantava nas discotecas de antanho. Marivante nunca explicou a razão deste nome, se gostou dele, ou gostava do velho Perry.

A primeira noite apinhada de gente. Estavam presentes Fiscais de Tributos, Fiscais de Posturas, Vigilância Sanitária, Fiscais do Meio Ambiente, Fiscais de Serviços Públicos, Polícia Militar, membros do Corpo de Bombeiros, cinco vereadores, um Inspetor de Polícia, um punhado de políticos sem mandato e alguns soldados do quartel próximo. Um casal, disposto a conhecer o novo estabelecimento, deu a volta e fugiu a toda velocidade, ao dar de frente com aquele aparato fiscal-militar. Outros casais fizeram o mesmo. Muita gente, mas nada de negócio.

Marivante, tentando resolver o problema, conduziu a tropa fiscal-político-militar para uma das suítes, onde mandou servir bebidas e canapés, na tentativa de manter o grupo escondido dos eventuais hóspedes. A tentativa foi infrutífera, porque as viaturas oficiais, inclusive um caminhão do Bombeiro, aguardavam no estacionamento. E todos os carros anunciavam nas respectivas portas: “Em serviço”, a dar ideia de uma gloriosa blitz estatal contra o estabelecimento, sempre mal visto aos olhos do público por sofrer tamanha ofensiva bélica fiscal.

Em suma, a inauguração foi um fracasso.

E durante a semana tudo se repetiu, com fiscais, militares e políticos fazendo escala de presença, já passando o motel a ser considerado o local oficial de

Plantão Fiscal e a suíte como gabinete dos políticos mal sucedidos nas últimas eleições, onde comiam e bebiam de graça, tecendo reclamações contra os governantes atuais pelo esquecimento de seus nomes nas boquinhas surgidas e destinadas a outros.

E foi assim que Marivante, desanimado, resolveu vender o Motel Chanson d’Amour a um legítimo espanhol. Este, imediatamente, enviou convite permanente de gratuidade para o Prefeito, o Delegado, o Comandante da PM, o Comandante do Corpo de Bombeiros e para o Comandante do Quartel.

Nunca mais foi “fiscalizado”. E o gabinete dos “ex-políticos” foi desmantelado.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A numeração das casas

Da série: Conversas de Botequim



- Aceitas mais um trago?

- Aceito, tchê! Mas vamos trocar a sanga funda por uma mineira? E pedimos como tira-gosto um torresminho no capricho!

- Apoio a ideia, mas sabes que a mineira tem graduação alcoólica mais alta...

- Vamos de boazinha! Tem 42% e é das melhores de Salinas.

- Concordo! Torresminho pede uma mineira... Garçom!! Duas boazinha e uma porção de torresmo!!

- E quando posso conhecer tua casa nova?

- Quando o amigo quiser! Rua Dr. Jan, quadra 16, lote 12.

- Lote? Tua casa ainda não tem número?

- Ainda não! Está errado?

- Acho que está errado. Tu já não tens o habite-se?

- Tenho! Já te contei a trabalheira que deu.

- E a Prefeitura não deu o número da tua casa?

- Não deu! Teria que dar?

- Entendo que sim! A numeração das casas é feita pela Prefeitura.

- Pois não tenho número! Continuo usando a numeração da quadra e do lote.

- Todas as casas da tua rua estão assim?

- Boa pergunta! A casa do lado da minha tem número, mas eu acho que o dono inventou um número.

- Não pode! Quem dá o número é a Prefeitura!

- Mas a Prefeitura não deu número. O número dele é 14, o mesmo do lote dele.

- Se for assim, tu pões o número 12 na tua.

- Não posso! O outro vizinho já inventou o número 12 pra casa dele.

- Barbaridade! Tu ficaste sem número!

- Eu posso colocar o número 13...

- Afasta-te deste número aziago! E número impar é do outro lado da rua.

- E como eu faço para dar número na minha casa?

- Não tens que fazer nada! Isto é assunto da Prefeitura! A numeração segue a distância da casa até o início da rua, tem uma técnica a ser usada.

- E a Prefeitura sabe disso?

- Se não sabe, deveria saber! E quem dá número é a Secretaria de Urbanismo, onde ficam os técnicos desse assunto.

- Então, o número da minha casa que está no carnê do IPTU não serve pra nada?

- Recebeste o carnê do IPTU já com número de casa?

- Recebi! Deram o número 1.612. Parece que juntaram os números da quadra e do lote.

- Barbaridade! Isso é uma loucura! Tu não reclamaste?

- Eles disseram que este número serve somente para IPTU.

- E a Secretaria de Urbanismo sabe disso?

- Não tenho a mínima ideia!

- Que desgraceira danada! Está parecendo a minha rua...

- Tua rua também é número de quadra e lote?

- Não! Mas tem números repetidos! A minha casa é de número 8 e lá no final da rua tem outro número 8. Ninguém sabe onde começa a rua...

- Isso deve dar uma grande confusão...

- Antigamente dava, mas agora todo mundo já sabe que a minha casa é 8A e a outra é 8B.

- Foi a Prefeitura que fez isso?

- Claro que não! Nós mesmos fizemos a alteração. O importante é que o carteiro já sabe.

- Meu amigo, se a Prefeitura não consegue acertar nem o número das casas...

- Imagine o resto!!

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Os nomes de ruas

Da série: Conversas de Botequim




- Analgiso, meu irmão! Tudo justo e perfeito contigo?

- Tudo perfeito! Que bebes?

- Uma sangafunda legítima! Vais junto?

- É claro! Garçom!! Duas sangafunda aqui pra gente!

- E afinal! Mudaste de endereço?

- Ah, finalmente! O tal do habite-se demora mais que promessa de governo, mas consegui juntar todos os documentos, aleluia!

- O que pediram para liberar o habite-se?

- Tenho aqui no bolso a relação... Vou ler: requerimento, inscrição no IPTU, alvará de construção, atestado do engenheiro, certidão negativa do terreno, pagamento do ISS, comprovante do INSS, três cópias do projeto aprovado, o habite-se do corpo de bombeiros, certidão de comprovação da ligação da água e esgoto, declaração de ligação da luz pela concessionária, laudo de estanqueidade, ART da engenharia, certidão de controle sanitário, certidão da coleta de lixo, comprovante de instalação de hidrômetro, três cópias da escritura...

- Chega! Chega! Já estou satisfeito...

- Mas tu pediste todos os documentos e ainda tenho mais duas páginas!

- Não é preciso, irmão! E qual é o seu novo endereço? Ainda não tenho!

- Tenho aqui um cartão... Este é o nome da rua...

- Baá! Que nome é este? Dr. Jan Jarkwlhnteskorovski? Como se pronuncia isso?

- Ninguém sabe! A rua é conhecida como Dr. Jan, ninguém consegue pronunciar esse sobrenome.

- E quem foi esse Dr. Jan? Para ser nome de rua deve ter sido uma pessoa importante.

- Ninguém sabe! Dizem que foi tio-bisavô de um vereador.

- Mas pode isso?

- Ora, ninguém se importa. Todo mundo escreve Dr. Jan, ficou fácil. Até o carteiro sabe onde fica a rua Dr. Jan.

- Bueno, neste ponto tu estás certo. Muito melhor que o nome da minha rua.

- Mas a sua rua tem um nome fácil: Rua Dona Maria, não é este?

- Este é o nome que usamos, mas o nome verdadeiro é outro.

- E qual é o nome verdadeiro?

- Tenho aqui num cartão. Podes ler!

- Barbaridade! Rua Dona Maria da Aparecida Consagrada de Jesus Batista Ildefonso Pederneira Coimbra Leitão de Arroio Grande. Que légua de nome!

- Por isso ninguém usa! Até o CEP é Rua Dona Maria, mas o nome oficial é este aí. Tens que ver a placa com o nome da rua. A letra é tão miudinha que ninguém consegue ler!

- E quem foi essa Dona Maria de não sei o quê?

- Dizem que foi a matriarca da família do Vereador Ildefonso.

- E que fez de tão importante essa senhora?

- Bueno, dizem que ela se casou com um antigo comendador.

- E quem era esse comendador?

- Ninguém sabe direito.

- Nem o nome dele?

- Ninguém sabe, porque o nome dele era muito comprido.

- Vamos, então, brindar ao Dr. Jan e Dona Maria.

- Tim-tim para os dois... Que delícia essa sangafunda.