(Este
relatório está dividido em três partes)
1ª
Parte:
Processo 40.568.333/61
Referência: Relatório de viagem
pertinente à inspeção de estabelecimentos agropecuários na região de Pirapora,
Estado de Minas Gerais, período de julho de 1961.
Senhor Diretor,
Aproximava-se o meio-dia e este
relator já próximo de Pirapora, vista de frente e deitada na planície, contornou o largo trevo rodoviário e seguiu a
oeste, afastando-se da entrada principal da cidade, até chegar a um posto de
gasolina, lugar onde estacionou, esticou as pernas, bebeu um cafezinho e
perguntou ao moço do bar se estava no
caminho certo, conforme o mapa que se lhe estendia no balcão de madeira. Estava, ou pelo menos, havia uma possibilidade
de chegar às fazendas procuradas, se seguisse por um caminho de terra, cuja
entrada ao lado do posto ele apontava de braço estendido, com o intuito de
ajudá-lo a localizar, embora difícil de percebê-la, porque, na realidade,
aquilo nem parecia estrada de carro, seria mais caminho de gente ou de animais,
contudo, a gente sabe, são vias
importantes essas estradinhas, única ligação de muitas propriedades à rodovia
principal, e se um dia em uma delas V. Sª transitar, aceite a sugestão,
descuide-se de ter um mapa, pois lá não lhe servirá de valia.
Sabe
V. Sª que este é meu serviço, visitar propriedades e fiscalizar a aplicação do
financiamento concedido, assim, já acostumado a tais dificuldades de encontrar
fazendas, geralmente perdidas nos confins do sertão, ou, se V. Sª me permite
tamanha ousadia, até mesmo inexistentes, quantas vezes obrigaram-me a procurar
fantasmas, resultados, segundo soube de fontes confidenciais, porém fidedignas,
de conluios e tramóias entre as partes, negócios financeiros fraudulentos
urdidos nos gabinetes, não o de V. Sª., antecipo-me a declarar, eu o conheço
muito bem, mas, sinceramente, são segredos tão mesquinhos, pois a mim que nada
tem a compartilhar na roubalheira, poderiam, se lhes houvesse, no mínimo, uma
singela dor de consciência, mandar-me avisos de forma sutil ou simulada, da
desnecessidade da procura em razão da inexistência do objeto. Sem nada a saber,
fico a perscrutar grotões, a focinhar lameiro, procurando o que só existe no
papel, ora se isso tem cabimento, se o salário é o mesmo, mas o custo da
repartição prospera! Essa revolta, contudo, já está embutida e sedimentada na
rotina da minha vida, deixando aqui o registro, não de denúncia, que não sou de
meter a mão em vespeiro, e sim para antecipar a V. Sª minha justificativa de
eventuais demoras na consecução dos processos.
Lá
fui eu, preparado às previsíveis dificuldades e exigências do percurso, em
fazer muitas indagações no decorrer da viagem, mas, com um pouco de sorte, quem
sabe, teria tempo de retornar à Pirapora ainda sob a luz do sol, fazer o
precioso relatório a V. Sª., este ora reportado, e, ao estar efetivamente fora
do horário de trabalho, beber uma cerveja nas margens do São Francisco, cuja
despesa, posso garantir, não será incluída na minha prestação de contas, pois
conheço as vedações contidas em regulamento, embora, se me permite o abuso de
opinar, tal proibição deveria ser revista, abrindo-se exceções para o período
de elevadas temperaturas e para pessoas calorentas, entre as quais me incluo.
O
caminho era cansativo, parecia um labirinto, onde todos os atalhos me levavam a
uma porteira fechada ao mato cerrado, porteiras a dividir matagal, fugazes
lembrança de que ali um dia houve capim, houve boi e agora não existe nada, e
nem poderia existir se não tem mais cerca de arame, somente o valente mourão de
braúna, sem mais motivos de ali estar plantado, exceto para dar descanso ao
curió, que o barulho do jipe espantou, e lá foi ele a procurar sossego nas
alturas, em direção aos galhos de um enorme e solitário jequitibá, ali nascido
de forma inexplicável, a dominar a densa mata de pequenas árvores retorcidas. Não havia gente, ninguém surgia no caminho, e
os únicos sinais de vida eram alguns animais desgarrados, moitas de canaviais
queimados e dispersas roças de milho abandonadas.
A
propósito, deixo registrado, Senhor Diretor, a minha queixa pelo jipe velho que
me é destinado nas viagens, cujo ronco e tosse assustam mais a mim do que ao
próprio curió, se o pássaro é abençoado com asas e não lhe traz serventia este
veículo, podendo voar e ficar bem longe dessa barulheira, vantagem que não me
cabe, obrigado a conviver com esses estrondos e arranhões estridentes, a
provocar-me um zumbido constante nos ouvidos, e sérias preocupações de tudo se
calar repentinamente e aprisionar-me em local soturno, sem meios de condução,
totalmente abandonado no meio do mato.
Segundo
informações que me foram passadas, não por mexerico, ou estivesse eu a
bisbilhotar, tomei conhecimento da chegada ao Rio de Janeiro de certo número de
veículos novos, doados pela Aliança para o Progresso, do governo americano
(deixo claro que não cabe aqui qualquer conotação política, embora eu saiba dos
laços familiares de V. Sª com a mais alta patente militar que ilustra a
presidência de nossa autarquia). Quem sabe, a pedido de V. Sª, esse moribundo
jipe, que certamente já prestou relevantes serviços durante a segunda guerra
mundial, pudesse finalmente descansar, no gozo de merecida aposentadoria,
talvez até, outra ideia, receber solene homenagem de despedida com hasteamento
de bandeira e toque de corneta, homenagem bem a gosto dos militares, vindo em
troca um daqueles carros novos, americano, sugerindo, se não estiver no limite
do abuso, um hidramático e da cor verde, que muito aprecio.
(continua)
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