Cadeiras fazendo um círculo, visão aberta para todos os presentes, o moderador no meio.
- Meu nome é Janosico e eu sou ladrão!
E todos responderam:
- Olá Janosico, seja bem-vindo!
Dizer o seu nome e declarar-se ladrão é a forma clara e insofismável de reconhecer e aceitar sua conduta como um mal irrefutável. E o fato de estar ali presente é o testemunho material de que precisa de ajuda para libertar-se daquela obsessão de roubar.
Na sala, velhos ladrões, a maioria aposentada, libertada ou perdoada, mas ainda ladrões em seus sentimentos internos e profundos. Se tiverem novas oportunidades, certamente irão roubar novamente. Mas, a presença deles no Centro de Ladrões Anônimos já seria um sinal de tentativa de recuperação.
O novato Janosico, ainda titubeante, assume a palavra:
- Sou ladrão desde a época em que fui Vereador, já são mais de vinte anos... De início, as propinas vinham de origens desconhecidas. Envelopes fechados e deixados na minha sala na Câmara Municipal, sem identificar os remetentes. Lembro-me que na primeira vez em que recebi um desses envelopes fui perguntar ao Presidente da Câmara o que era aquilo... Santa ingenuidade... O Presidente deu um sorriso matreiro e bateu de leve nas minhas costas. “Aproveite”, foi o que ele disse. Os meus sentimentos iniciais eram confusos, de uma leve repulsa ao enfiar o dinheiro no bolso, não uma repulsa a ponto de denunciar no plenário ou mostrar os envelopes à imprensa, talvez não fosse repulsa, mas o constrangimento da vergonha. Minha consciência batia de leve, afinal nada me exigiram em troca. Na verdade, eu sempre votava de acordo com as indicações do partido, o que o líder mandava, eu obedecia. E hoje eu sei que era só isso que eles queriam de mim.
Um ladrão aposentado comentou:
- Seu raciocínio está correto, o mesmo aconteceu comigo. Continue!
Confortado pelo apoio, Janosico continuou:
- Da surpresa do recebimento dos envelopes passei a aguardá-los ansioso. Com o tempo, passei a conversar naturalmente sobre a propina com meus pares, e até a reclamar que os valores repassados deviam aumentar, pois alguém ficava com o quinhão maior, o que não era justo. Aos poucos, galguei posições de comando e administração da propina, participei de reuniões com os corruptores e alcancei status de entregador de envelopes, posto equiparado a chefe da quadrilha. Ao ser eleito Deputado, levei todo o meu know-how sobre técnicas da ladroagem, mas, para minha surpresa, os meus conhecimentos eram primários diante da estrutura encontrada. Nada de envelopes ou guardar dinheiro na cueca, os recursos circulavam no sistema financeiro, grandes empresas e contas em paraísos fiscais. Fui obrigado a me atualizar, estudar finanças e aprender inglês. As propinas passaram a ser chamadas de “funding” e o ato de concordar com a maracutaia era chamado de “agreement”. Um mundo novo surgiu diante de mim!
Os ladrões presentes sorriam e meneavam a cabeça em concordância. Um deles falou:
- E de repente, a bomba!!
Janosico esboçou um sorriso triste:
- Pois é... A bomba. E a verdadeira bomba explodiu somente agora, quando o Supremo veio a dizer que tudo aquilo que fazíamos era crime. Pois sempre acreditei que as minhas ações nada mais eram do que uma simples esperteza, de levar certa vantagem por força das minhas funções e o cargo ocupado. Quem enfrenta uma eleição sabe das dificuldades enfrentadas, e os vencedores têm direito a usufruir da conquista, como se fossem as pilhagens para as nações que ganham uma batalha ou uma guerra.
Um ladrão comentou:
- As nações saqueiam petróleo e nós o dinheiro, no fim é a mesma coisa.
E Janosico chorou. Suas lágrimas e soluços não permitiram que continuasse a contar a sua história. O moderador, então, resolveu encerrar a sessão, mas antes fez uma revista nos presentes, para descobrir quem furtara a sua carteira.
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