Apranagildo Vicentão, lídimo
Fiscal de Tributos do Município de Bolinha, cumpridor fiel da letra da lei, exigiu
ser ordenado a vistoriar as contas de um Hospital Psiquiátrico, cuja
inadimplência tributária era avassaladora e vergonhosa, tendo aquele manicômio,
como acionistas majoritários, pessoas poderosas, da mais alta lavra, todas
agraciadas de comendas honoríficas e gozando das regalias dos arrolados em
diversas operações policiais e judiciais, tudo a abrilhantar os seus
currículos, inclusive seus notórios conhecimentos de lavagem de dinheiro.
Os chefes receberam com surpresa
e reticência o pedido do servidor, haja vista a poderosa organização a ser
enfrentada, mas, diante das ameaças do Fiscal em denunciar ao Ministério
Público a indecente omissão do poder fiscalizatório, resolveram aceitar o
pedido, apesar das inúmeras ressalvas e advertências.
Foi convencido, porém, por seus
chefes, a seguir em missão acompanhado por um séquito policial. E, assim, Apranagildo
foi conduzido durante o percurso em viatura policial de sirenes abertas e luzes
intermitentes. No interior do veículo, já organizava o papelório da
formalização do levantamento fiscal e alardeava aos policiais acompanhantes a
importância do seu árduo trabalho.
Ao ingressar no pátio do
estabelecimento hospitalar, foi recepcionado por enfermeiros protocolares que o
conduziram para o interior do prédio numa maca dobrável de rodas, antes de vesti-lo
com uma camisa de força. Aquela calorosa recepção fez o Fiscal sentir-se
lisonjeado, a pedir aos funcionários da casa que deixassem, pelo menos, suas mãos
soltas e pudesse deste modo lavrar as ocorrências e respectivas autuações.
No interior do Hospital,
Apranagildo foi recebido por um médico de plantão que imediatamente prescreveu
a aplicação de lítio, medicamento antipsicótico para estabilização do seu humor.
E a levar em conta a insistência do Fiscal de receber e examinar os documentos
do Hospital, o médico reforçou o tratamento com o uso ácido valpróico, carbamazepina,
lamotrigina e outras drogas antialucinógenas e antidepressivas.
Ofereceram ao Fiscal, como local
de trabalho, um pequeno quarto, decorado com acolchoados nas paredes e no teto,
onde, enfim, Apranagildo pôs-se a trabalhar no preenchimento de suas
notificações e intimações, que eram despachadas por baixo da porta forrada e
sempre trancada a ferro e aço.
Por não ter recebido os
documentos requeridos, o Fiscal arbitrou o imposto e efetuou o lançamento
devido, sem antes tomar o cuidado de notificar o contribuinte. Tudo encaminhado
protocolarmente por debaixo da porta, nos termos da lei em vigor.
E Apranagildo ainda lá está, a
discutir com os internos as questões complexas do direito tributário, do
princípio da legalidade, do direito de ir e vir e suas avenças. O parecer
médico vetou a sua saída do Hospital, mesmo com o uso de tornozeleiras.
Considerou o Fiscal um perigo para a sociedade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário