domingo, 21 de agosto de 2016

Reflexões de uma pessoa de bem

A vida das famílias de bem é insípida e tediosa. As pessoas de bem estudam, juntam-se com outra pessoa de bem, trabalham e procriam. Refugiam-se nos seus lares, dotados de fogão de seis bocas, geladeira duplex, televisão LED, cama box, estofados e nas prateleiras os porta-retratos com fotos de parentes e amigos, todos sorridentes, a comprovar a felicidade familiar.

Pagam suas contas mensais, usam cartão de crédito para suprir saldos negativos, ou, depositam sobras em caderneta de poupança. Uma vez ao ano, aventuram-se em viagem de férias, porém, sempre atentos a documentar o fato, tirar fotos e enviá-las aos próximos, para que todos saibam de suas felizes aventuras. A prova da felicidade exige testemunhas.

As famílias de bem têm pavor das surpresas, de tudo que possa abalar suas rotinas. Desejam que a vida perdure de forma retilínea e pacífica. Regozijam-se das boas novidades, aquelas que as beneficiam, mas repudiam as desagradáveis e preferem esquecê-las ou escondê-las, como se não existissem.

As pessoas de bem são egoístas por índole. Quando algo de bom acontece com pessoas próximas, externam alegria e contentamento, mas acoberta a frustração de não ter sido ela própria a receber o benefício do acontecimento. São invejosas, mas esse sentimento, embora latente, esconde-se no âmago do ser, encapsulada na própria vergonha de sentir-se invejosa.

As pessoas de bem são bajuladoras das pessoas de classes mais ricas. Quando as encontram sempre as olham com sentimentos de subserviência, uma espécie de falso respeito, pelo fato de terem auferido mais riquezas do que elas. As pessoas de bem medem o caráter de outras pessoas pelos bens materiais que possuem, ou pela autoridade do cargo que ocupam.

A pessoa de bem é preconceituosa, apesar das tentativas de demonstrar o contrário para todos e para si mesma. Aparenta falsos ares de liberalismo na tentativa de esconder o arraigado preconceito que a nutre. O ato de tratar bem pessoas de classes sociais mais pobres é mais um gesto destinado a exteriorizar provas de afabilidade do que a sua natureza verdadeira.

Esses conflitos internos são muito bem disfarçados e não chegam a gerar infelicidades. As falsidades são atenuadas no convívio familiar e social. Apegam-se à materialidade dos relacionamentos, nas conversações das futilidades, nos encontros fortuitos, como se estivessem sempre a esperar, a aguardar, algo que venha a mudar radicalmente suas vidas felizes. Mas detestam pensar que vivem nessa expectativa, e anseiam que tudo perdure eternamente.

Em suma, ser pessoa de bem é um saco!

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