A vida das famílias de bem é
insípida e tediosa. As pessoas de bem estudam, juntam-se com outra pessoa de
bem, trabalham e procriam. Refugiam-se nos seus lares, dotados de fogão de seis
bocas, geladeira duplex, televisão LED, cama box, estofados e nas prateleiras os
porta-retratos com fotos de parentes e amigos, todos sorridentes, a comprovar a
felicidade familiar.
Pagam suas contas mensais, usam
cartão de crédito para suprir saldos negativos, ou, depositam sobras em
caderneta de poupança. Uma vez ao ano, aventuram-se em viagem de férias, porém,
sempre atentos a documentar o fato, tirar fotos e enviá-las aos próximos, para que
todos saibam de suas felizes aventuras. A prova da felicidade exige
testemunhas.
As famílias de bem têm pavor das
surpresas, de tudo que possa abalar suas rotinas. Desejam que a vida perdure de
forma retilínea e pacífica. Regozijam-se das boas novidades, aquelas que as
beneficiam, mas repudiam as desagradáveis e preferem esquecê-las ou escondê-las,
como se não existissem.
As pessoas de bem são egoístas
por índole. Quando algo de bom acontece com pessoas próximas, externam alegria
e contentamento, mas acoberta a frustração de não ter sido ela própria a
receber o benefício do acontecimento. São invejosas, mas esse sentimento,
embora latente, esconde-se no âmago do ser, encapsulada na própria vergonha de
sentir-se invejosa.
As pessoas de bem são bajuladoras
das pessoas de classes mais ricas. Quando as encontram sempre as olham com
sentimentos de subserviência, uma espécie de falso respeito, pelo fato de terem
auferido mais riquezas do que elas. As pessoas de bem medem o caráter de outras
pessoas pelos bens materiais que possuem, ou pela autoridade do cargo que
ocupam.
A pessoa de bem é preconceituosa,
apesar das tentativas de demonstrar o contrário para todos e para si mesma. Aparenta
falsos ares de liberalismo na tentativa de esconder o arraigado preconceito que
a nutre. O ato de tratar bem pessoas de classes sociais mais pobres é mais um
gesto destinado a exteriorizar provas de afabilidade do que a sua natureza
verdadeira.
Esses conflitos internos são
muito bem disfarçados e não chegam a gerar infelicidades. As falsidades são
atenuadas no convívio familiar e social. Apegam-se à materialidade dos
relacionamentos, nas conversações das futilidades, nos encontros fortuitos,
como se estivessem sempre a esperar, a aguardar, algo que venha a mudar
radicalmente suas vidas felizes. Mas detestam pensar que vivem nessa
expectativa, e anseiam que tudo perdure eternamente.
Em suma, ser pessoa de bem é um
saco!
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