“exagerar não prejudica”
(Umberto Eco)
O meu amigo Carvalhão estava
desconsolado. “Você viu? O aluno espancou a professora porque ela mandou que
ele desligasse o celular na sala de aula. Aonde chegamos, cara?”. Enquanto ele
falava o avião sacolejava na turbulência. Concentrado nas sacudidas, dei uma
resposta evasiva e idiota: “Não há mais respeito, a sociedade avacalhou-se”.
Ele não prestou atenção ao meu
comentário. E continuou: “O ensino obrigatório devia ser banido! O Estado deveria
manter escola só para quem realmente deseja aprender”. Carvalhão conseguiu
despertar a minha atenção. “Uma tese interessante, mas como saberíamos quem
quer realmente aprender?”. Ele respondeu rapidamente: “Ora, expulsando todos os
alunos que não acompanham as aulas, os indisciplinados, os reprovados, os
parvos, enfim, promovendo uma limpeza ética total nas escolas! Só fica quem
quer estudar!”.
Dei uma risadinha. “Deste modo,
acho que sobrarão poucos”. Ele bateu a mão na minha perna. “Adivinhão! Pois o
objetivo é esse! O Estado não teria tantas despesas com a educação, uma meia
dúzia de escolas bastaria”. Tentei contestar: “Mas, Carvalhão, desse jeito a maioria
da sociedade seria analfabeta!”. Ele fuzilou-me com os olhos: “E já não é? Uma
cambada que só aprendeu a escrever o nome e alguns palavrões. Um bando de
néscios! Que fiquem por aí morrendo à míngua!”.
Carvalhão não é fácil. É tão
radical de direita que pra ele Hitler era comunista. Tentei ponderar: “Se fosse
assim, a violência imperaria”. Que frase infeliz a minha. Ele aproveitou: “Mas
já não impera? Ou você quer mais violência ainda? Vamos instalar um
violenciômetro! Uma máquina para calcular a violência?. Cara! A solução contra
a violência é a pena de morte! Pena de morte sumária, sem delongas, sem
embargos, sem delações! A justiça tem que ser rápida: roubou, julgou e matou!
Simples assim!”.
Percebi que aquela viagem seria
longa demais. Por que fui sentar-me logo ao lado de Carvalhão? Inventei algo
para dizer: “Você está esquecendo que a falta de educação gera desemprego, fome
e doença. A saúde pública ficaria abarrotada de gente”. Ele franziu as
sobrancelhas. “Saúde Pública? Que saúde pública? Não deveria existir saúde
pública, esse monte de postos de saúde para atender essa multidão que finge
estar doente! Esse pessoal vai ao posto de saúde porque não tem mais nada pra
fazer”.
Fiquei perplexo. “Você acabaria
com o atendimento médico?”. Ele abanou a cabeça. “Não! Mas atenderia somente
quem estivesse realmente doente. Se alguém fosse lá só pra fugir do trabalho,
ou pra dar um passeio, os médicos injetariam um arsênico no malandro que se
finge de doente! Se fosse assim, nunca mais haveria fila em posto de saúde e
hospital!”.
Quando o avião pousou, percebi que uns dois passageiros próximos prestavam atenção ao discurso de Carvalhão, e gesticulavam a cabeça a concordar com ele. Senti um friozinho na barriga, mas deve ter sido por causa da batida brusca no solo, e não por outras preocupações.
Quando o avião pousou, percebi que uns dois passageiros próximos prestavam atenção ao discurso de Carvalhão, e gesticulavam a cabeça a concordar com ele. Senti um friozinho na barriga, mas deve ter sido por causa da batida brusca no solo, e não por outras preocupações.
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