sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A Gravação Dinamite




O Procurador-Geral pede audiência ao Ministro do Supremo Tribunal Federal.

- Senhor Ministro, tenho aqui uma gravação bombástica contra um Senador da República.
- Essa gravação foi autorizada pela Justiça?
- Não senhor, o áudio foi feito pelo filho do Sr. Cervantes que está preso.
- Ah, então não vale, Procurador. Gravação clandestina! Estou surpreso que o senhor não saiba disso.
- Mas, Senhor Ministro, eu gostaria que o senhor ouvisse uma pequena parte da gravação.
- Posso ouvir, porém a peça não servirá como prova contra o Senador.
- Mas, se o senhor permitir...
- Está bem! Liga o áudio!
- “... Acho que o foco é o seguinte: tirar! Agora, na hora que ele sair tem que ir embora mesmo...
- O Senhor ouviu? Estão tramando tirar o Cervantes da cadeia e fugir para sempre.
- É, ouvi, mas essa gravação não serve como prova.
- Posso ligar novamente em outra passagem da gravação?
- Senhor Procurador, eu estou muito atarefado para ficar ouvindo...
- Mais um pouquinho, Senhor Ministro! Por favor!
- Vá lá! Põe aí.
- “... É, ao inverso, seria melhor porque ele tá no Paraná, atravessa o Paraguai...
- O senhor ouviu? Estão planejando um plano de fuga!
- Eu sei, estou ouvindo, mas esse áudio não serve como prova material. Você deviam ter pedido autorização da Justiça para fazer a gravação.
- Não dava tempo, Senhor Ministro, foi o filho do preso que gravou por vontade própria.
- Menino corajoso, mas, infelizmente, não serve como prova material.
- O senhor permite que eu ligue mais uma vez. A conversa é interessante...
- Liga aí, mas de nada vai servir, a prova é insuficiente.
- “Acho que temos de centrar fogo no STF agora. Eu conversei com Tapajós, conversei com Trombetas, pedi pro Trombetas conversar com o Madeira, o Miguel conversou com o Madeira também, porque o Miguel está muito preocupado com o Zeloso. E eu vou conversar com o Madeira também...”.

- EI! ESPERA AÍ! REPETE, REPETE ISSO!
(repetiu)
- O QUÊ! ELE ESTÁ CITANDO O MEU NOME!
- Pois é, do Senhor e de outros Ministros.
- QUE ABSURDO É ESTE? COMO OUSA ESSE CARA EM MENCIONAR O MEU NOME?
- Do Senhor e também dos Senhores Ministros Trombetas, Madeira e mais adiante cita o Ministro Xingu.
- NÃO ADMITO! UM ABSURDO! ELE ESTÁ AFRONTANDO ESSA CASA!
- Pois é, Senhor Ministro. Por isso eu disse que a prova é bombástica.
- Não só bombástica, mas material, substancial e irrecorrível!
- O que vamos fazer, Senhor Ministro?
- PRENDER TODO MUNDO! ENFIAR NA CADEIA ESSE BANDO DE FALASTRÕES!
- É o que eu queria, Senhor Ministro.
- Me dá essa gravação aqui.
(E o Ministro saiu correndo do seu gabinete)
- TROMBETAS!! MADEIRA!! XINGU!! VENHAM OUVIR ESSA GRAVAÇÃO!!

E todos foram presos. 

terça-feira, 24 de novembro de 2015

O integérrimo Carvalhão


“exagerar não prejudica” (Umberto Eco)

O meu amigo Carvalhão estava desconsolado. “Você viu? O aluno espancou a professora porque ela mandou que ele desligasse o celular na sala de aula. Aonde chegamos, cara?”. Enquanto ele falava o avião sacolejava na turbulência. Concentrado nas sacudidas, dei uma resposta evasiva e idiota: “Não há mais respeito, a sociedade avacalhou-se”.

Ele não prestou atenção ao meu comentário. E continuou: “O ensino obrigatório devia ser banido! O Estado deveria manter escola só para quem realmente deseja aprender”. Carvalhão conseguiu despertar a minha atenção. “Uma tese interessante, mas como saberíamos quem quer realmente aprender?”. Ele respondeu rapidamente: “Ora, expulsando todos os alunos que não acompanham as aulas, os indisciplinados, os reprovados, os parvos, enfim, promovendo uma limpeza ética total nas escolas! Só fica quem quer estudar!”.

Dei uma risadinha. “Deste modo, acho que sobrarão poucos”. Ele bateu a mão na minha perna. “Adivinhão! Pois o objetivo é esse! O Estado não teria tantas despesas com a educação, uma meia dúzia de escolas bastaria”. Tentei contestar: “Mas, Carvalhão, desse jeito a maioria da sociedade seria analfabeta!”. Ele fuzilou-me com os olhos: “E já não é? Uma cambada que só aprendeu a escrever o nome e alguns palavrões. Um bando de néscios! Que fiquem por aí morrendo à míngua!”.

Carvalhão não é fácil. É tão radical de direita que pra ele Hitler era comunista. Tentei ponderar: “Se fosse assim, a violência imperaria”. Que frase infeliz a minha. Ele aproveitou: “Mas já não impera? Ou você quer mais violência ainda? Vamos instalar um violenciômetro! Uma máquina para calcular a violência?. Cara! A solução contra a violência é a pena de morte! Pena de morte sumária, sem delongas, sem embargos, sem delações! A justiça tem que ser rápida: roubou, julgou e matou! Simples assim!”.

Percebi que aquela viagem seria longa demais. Por que fui sentar-me logo ao lado de Carvalhão? Inventei algo para dizer: “Você está esquecendo que a falta de educação gera desemprego, fome e doença. A saúde pública ficaria abarrotada de gente”. Ele franziu as sobrancelhas. “Saúde Pública? Que saúde pública? Não deveria existir saúde pública, esse monte de postos de saúde para atender essa multidão que finge estar doente! Esse pessoal vai ao posto de saúde porque não tem mais nada pra fazer”.

Fiquei perplexo. “Você acabaria com o atendimento médico?”. Ele abanou a cabeça. “Não! Mas atenderia somente quem estivesse realmente doente. Se alguém fosse lá só pra fugir do trabalho, ou pra dar um passeio, os médicos injetariam um arsênico no malandro que se finge de doente! Se fosse assim, nunca mais haveria fila em posto de saúde e hospital!”.

Quando o avião pousou, percebi que uns dois passageiros próximos prestavam atenção ao discurso de Carvalhão, e gesticulavam a cabeça a concordar com ele. Senti um friozinho na barriga, mas deve ter sido por causa da batida brusca no solo, e não por outras preocupações.


domingo, 22 de novembro de 2015

Aos internautas desconhecidos


Profundamente emocionado, gostaria de agradecer as diárias e constantes mensagens que recebo de pessoas desconhecidas, com ofertas e sugestões destinadas a melhorar a minha vida.

Entre elas, destaco:

Natue – quer que eu coma alimentos sem glúten;
Carolina Pasinatto – me recomenda um novo plano de saúde;
Andrea – quer que eu ilumine a minha vida com lâmpadas LED;
M Pozenatto – me oferece móveis com incríveis descontos;
Diogo – quer que eu tenha uma vida sexual mais ativa;
Infojobs – diz que o meu perfil lhe interessa;
Marisa – me oferece sandálias com preços formidáveis;
Rede Natura – me oferece batom roxo;
Rodrigo – diz que tem um recado para mim, mas não diz qual é;
Trader – quer que eu fique rico fazendo apostas no futebol;
Luis Bueno – quer que a minha parceira fique mais feliz na cama;
Marcos – quer que eu elimine gordura localizada;
Lucas Barbosa – quer que eu melhore o meu desempenho sexual;
Catarina Segala – quer que eu tenha livre escolha de hospitais e médicos;
Vinicius Monteiro – quer saber se o meu desempenho sexual é ótimo, bom ou mais ou menos;
Maurício Saraiva – quer saber se eu tenho enfrentado problemas sexuais.


Peço desculpas a todos os demais que, por falta de espaço, não faço destaque. E quando deleto essas mensagens tão reconfortantes, sinto-me constrangido em não respondê-las. Afinal, eis aí um exemplo da bondade e solidariedade que florescem no convívio da humanidade.

domingo, 15 de novembro de 2015

A guerra do lixo


Desembarquei no Aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro, saí do prédio, atravessei a rua e fui fumar em lugar aparentemente permitido. Peguei o maço de cigarros da minha pasta e tirei o fiapinho de plástico que circunda o maço, o selo e um papelzinho prateado que protege a parte superior dos cigarros. Juntei tudo na mão e fui até uma lixeira presa num poste e joguei as coisas lá dentro. Mas, o fiapinho de plástico escapuliu ao vento e voou para destino incerto e ignorado.

Surgiu, então, à minha frente, uma senhora a vestir um colete com os dizeres: “Fiscal da Conlurb”. Conlurb é a empresa de limpeza urbana do Município do Rio de Janeiro. Ela aproximou-se agressiva: “O senhor jogou lixo no chão!”. “Em absoluto!”, respondi, “Joguei na cesta de lixo!”. Ela deu um risinho de desdém. “O senhor foi jogar na lixeira porque viu que eu estava te vigiando!”.

O quê? Aquela terrível verdade caiu sobre mim. Eu era alvo de uma vigilância! Eu estava na mira das forças policiais, fiscais e ambientais! Por certo, uma operação lavajatista estava em curso, toda direcionada à minha triste pessoa! Sem dúvida, uma operação por enquanto sigilosa e autorizada pelo juiz Moro. Foi neste momento que observei um carrão preto da Polícia Federal estacionado na frente do aeroporto. Com aquelas janelas de vidro preto indevassável, diversos policiais deviam estar no interior do carro, a filmar e gravar tudo! Eu estava frito!

Tentei a alternativa da delação premiada. “Minha senhora, juro que não tinha visto a senhora e se o fiapinho de plástico caiu no chão, vou apanhá-lo e recolher ao lugar certo”. Ela apiedou-se. “Então faça! Eu vou ajudá-lo”. E lá fomos nós à cata do fiapinho, eu a empurrar a mala de rodinhas e ela, curvada, a examinar o chão.

A calçada estava repleta de sujeira: saquinhos de papel, bingas de cigarro, latas de cerveja e de refrigerantes, algumas coisas nojentas, outras menos nojentas, mas não encontramos o bendito fiapinho de plástico.

Depois de um tempo, ela desistiu. “Olha, não tem jeito. Vou ter de multar o senhor”. “E qual é a multa?”, perguntei. “Resíduos sólidos jogados no chão a multa é de 50 reais”. Fiquei na dúvida. “Fiapinho de plástico é considerado resíduo sólido?”. Ela balançou os braços. “Ora, tanto faz se sólido ou semissólido a multa é a mesma.” Ironizei: “Então, se eu jogasse um sofá na calçada, pagaria a mesma multa?”. Ela irritou-se: “Não senhor! A multa aumenta de acordo com o tamanho do lixo!”. “E como se mede o lixo?”, perguntei. A Fiscal sabia das coisas: “É por metro cúbico!”.

Bem, eu não tinha a menor ideia de quantos metros cúbicos media o fiapinho. Resolvi pagar. Não queria aumentar a confusão, ainda mais com aquele sinistro carrão preto da Polícia Federal a me observar. Quando fui pegar a carteira no bolso do paletó, surpresa! O fiapinho de plástico ficara colado no meu braço! “Olha a fiapinho aqui!”, gritei para a Fiscala. Ela, que já estava puxando uma maquineta para emitir a multa, ficou desalentada. “Puxa, o senhor é mesmo um homem de sorte”.

Com o máximo de cuidado, depositei o fiapinho na lixeira. “Estou liberado?”, perguntei. Ela foi se afastando. “Está! Mas da próxima vez não serei boazinha não!”. Pensei naquela piadinha do Hitler, mas essa já era uma outra guerra.