terça-feira, 10 de março de 2015

Por que não me ufano do meu país?

Ou “já estou farto!”

Vivo no Brasil, aqui nasci e sempre me ensinaram a amar o meu país. Mas, amor não correspondido aos poucos se esvai e esgota nos bueiros da desilusão. Amor é sentimento de mão dupla e amar a quem não retribui é mera estupidez.

Amei o meu país na infância, juventude e maturidade. Persisti nesse amor com ingênuas aspirações de reciprocidade e sempre sonhei com uma pátria dadivosa, a cuidar dos seus filhos e demonstrar o seu afeto. E por este amor, lutei e apanhei nas ruas, reagi aos desaforos dos estrangeiros, defendi o meu país com as garras da emoção. Tudo em vão.

Somente agora, ao tempo das reflexões, percebo o quanto fui enganado. Não posso dizer que fui traído, porque, na verdade, o meu país nunca se importou comigo, nada me prometeu em troca. Eu o amava, mas sem motivos racionais, como, aliás, são todos os amores.

Eu não me ufano do meu país, ao contrário da declamação do Conde Afonso Celso. Os países são seres imateriais, são os deuses das florestas, dos mares, da saúde e da fartura, os deuses adorados no passado, mais pela superstição e ignorância dos povos. Não vivo pela grandeza territorial do Brasil, vivo em uma cidade violenta, suja, desprovida de serviços públicos e apinhada de ladrões e corruptos.

Vivo num país que não educa o seu povo (apesar dos esforços dos professores, coitados); que não o atende plenamente nos pleitos de assistência médica, que não lhe oferece transporte decente, que não lhe garante segurança eficaz. Um país onde a energia elétrica é cara e nem por isso nos deixa tranquilo com a certeza da fluência sem cortes repentinos. O país dos sumidouros e das valas a céu aberto. Um país que nem disfarça esconder o lixo debaixo do tapete, certamente por não ter tapete. 

As florestas virgens a que alude Afonso Celso já foram defloradas pela sanha predatória. As riquezas naturais já estão saturadas. A baía do Rio de Janeiro transformou-se em esgoto. A cachoeira de Paulo Afonso é hoje uma hidroelétrica. Onde estará o povo bom e caridoso de Afonso Celso? O tal povo bom e caridoso é hoje desconfiado, truculento, grosseiro e mal educado. E vive com medo, desajustado nas desigualdades e nas injustiças.

Não! Eu não me ufano do meu país. Cansei de ufanar-me à toa. Onde está a reciprocidade dessa ufania inexplicável? A verdade é que a maioria vive aqui porque não tem condições de dar o fora. O último a sair que apague a luz (se tiver luz) ou puxe a descarga (se tiver água).


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