segunda-feira, 30 de março de 2015

A Operação Zelotes e o futuro do Contencioso Administrativo

Nada contra a Operação Zelotes deflagrada pela Polícia Federal no Conselho de Administração de Recursos Fiscais – CARF, mas me parece que a equidade de direitos das partes será prejudicada no futuro. Quero dizer que os julgadores, a partir de agora, repensarão duas, três ou quatro vezes sobre a matéria antes de votar a favor do contribuinte. Qualquer voto contra o Fisco poderá ser alvo de suspeita, indício talvez de uma suposta fraude.

Até mesmo um mero pedido de vista do processo antes de votar, procedimento até então comum e corriqueiro, pois nem sempre o julgador se sente seguro em dar o seu voto de imediato, sem antes analisar com maior profundidade o caso, poderá ser visto como armação de uma negociata.

E nem adianta a boa intenção de apartar o joio do trigo. Haverá sempre desconfiança. Como dizem, não basta dizer que é honesto, é preciso provar, e ninguém está acima de qualquer suspeita. Todos são suspeitos até prova em contrário, mas como provar quando a decisão for fruto de uma interpretação pessoal, que é a essência de um julgamento?

Vai daí que um julgador para votar a favor do contribuinte será agora obrigado a tecer laudas e laudas que possam dar sustento a sua interpretação. A dizer, então, que o voto a favor do Fisco independe de grandes esforços mentais e intelectuais que permitam corroborar a sua posição. Contudo, o voto contra vai exigir vastíssima sustentação, longo tempo de preparo e de pesquisa doutrinária.

A lide não será mais justa.

E esse problema não estará restrito ao CARF. Em todas as instâncias administrativas julgadoras, inclusive municipais, a Operação Zelotes irradiará efeitos. Os membros das Juntas de Recursos Fiscais ou dos Conselhos de Contribuintes estarão temerosos de votar contra o Fisco e somente o farão se houver provas cristalinas, inequívocas, indiscutíveis a favor do contribuinte. Ou seja, prevalecerá o “in dúbio, pro fisco”.
Deste modo, sucumbe o princípio da igualdade no contencioso administrativo. O Fisco já começa a disputa com vantagem no “goal average”. Julgadores mais medrosos, ou mais tementes às críticas e suspeitas vão preferir o voto mais simpático e isento de comentários maliciosos.

Já não é de hoje que os contribuintes reclamam que os julgamentos de primeira instância são meros procedimentos burocráticos, pois quem decide é o próprio Fisco. E, agora, com a repercussão da tal Operação Zelotes, o mesmo poderá ocorrer na segunda instância. Quem sabe, o melhor seria logo acabar com o contencioso administrativo?

segunda-feira, 23 de março de 2015

PPP - Parceria Público-Privada

Da série: Conversas de Gabinete

Representante Público – Bem, o máximo que consegui para fechar o contrato foi 1 Bi.
Representante Privado – É pouco! Bota mais 500 que eu fecho.
Lobista – Não se esqueçam da minha parte.
Representante Público – Posso botar mais 300, mas a comissão de intermediação aumenta para 2%.
Representante Privado – Não dá! E o lucro da privada?
Lobista – Não se esqueçam da minha parte.
Representante Público – Faço o seguinte: fica 1 Bi e 300 e passado um ano coloco um aditivo de 20%.
Representante Privado – Com 2% de intermediação?
Representante Público – Claro!
Representante Privado – Em cima também do aditivo? É muito!
Lobista – Não se esqueçam da minha parte.
Representante Público – Então, vamos fazer o seguinte: coloco um aditivo de 25% e mantenho os 2% de intermediação sobre os 20%.
Representante Privado – Melhora um pouco, mas não é suficiente. Este ano vamos ter muita chuva, greve de operários, falta de material, o aditivo tem que ser maior.
Representante Público – Podemos reexaminar o aditivo no momento certo. Por enquanto, eu garanto 25%.
Representante Privado – Pode pensar num aditivo de uns 50%.
Representante Público – Neste caso, a comissão de intermediação vai pegar tudo.
Representante Privado – Puxa! Está difícil negociar com você.
Representante Público – Você não sabe das dificuldades que enfrento. Todo mundo quer um pedaço cada vez maior.
Representante Privado – Goela profunda...
Representante Público – Bota profunda, mas não se esqueça que as despesas são muitas. Você sabe quanto custa uma eleição?
Representante Privado – E eu não sei? Você esquece as doações que tenho que fazer aos partidos? Aliás, poderíamos incluir nos 2% da comissão essas doações, seria justo!
Representante Público – Você está louco? Aí mesmo que não vai sobrar nada para mim!
Representante Privado – Bem, foi uma ideia, mas não posso aceitar um aditivo menor que 50% e a comissão não ultrapassar os 2% de até 25% do aditivo.
Representante Público – Concordo, mas com uma condição.
Representante Privado – Qual é?
Representante Público – As despesas de repasse do doleiro ficam por sua conta.
Representante Privado – Bom, posso dar um jeito...
Representante Público – Então está fechado.
Lobista – E a minha parte?
Representante Privado – Eu assumo. A gente fecha um contrato de consultoria, está bom?
Lobista – Se você pagar os encargos por fora eu emito até nota fiscal.
Representante Privado – Tudo bem, está fechado.
Representante Público – Então, todos de acordo? Posso puxar a descarga?
Representante Privado e Lobista – Pode! Escorre tudo na privada! E que nada fique público!
Representante Público – Eu adoro essas parcerias...

sexta-feira, 20 de março de 2015

Vamos falar sério!

Vamos falar sério! Ministro entrar no Congresso e achincalhar os congressistas, isso não é sério! Mereçam ou não os achincalhes, um visitante tem sempre que respeitar os princípios éticos da casa que o recebe como convidado. A segurança deveria ter sido chamada e o Ministro expulso do recinto.

Vamos falar sério! Fazer passeata contra o governo é ato lícito e faz parte da democracia. Mas, ofender a figura da Presidente é uma grosseria que atinge a todos nós. Afinal, o Presidente da República é o representante maior do país e ofendê-lo (no caso, ofendê-la) é uma agressão contra todos nós, brasileiros. Não devemos confundir atos falhos do governo com a pessoa que representa a nação. Queiram ou não, a Presidente foi eleita democraticamente, não interessa que os eleitores estejam arrependidos ou frustrados.

Vamos falar sério! O impeachment é um ato derradeiro, avassalador. Ele faz cair por terra o que foi construído pelo povo através do voto. Deste modo, o impeachment só pode ocorrer mediante provas materiais irrefutáveis e inquestionáveis contra a Presidência. Clamar pela derrubada do governo sem essas provas é atentar por um golpe de Estado.

Vamos falar sério! Aproveitar a passeata e conclamar o retorno do regime militar é ação criminosa, inconstitucional e aberrante. Quem portava cartazes desse tipo talvez não sabia que estava incitando o povo a praticar um ato criminoso.

Vamos falar sério! Uma meia dúzia de gatos pingados, arregimentados ninguém sabe como, paralisa uma rodovia, bota fogo em pneus, e prejudica milhares de pessoas que tentavam chegar aos seus trabalhos. E, pasmem! A Polícia tenta “negociar” com a turminha para que ela, por favor, se retire e faça a gentileza de permitir o livre trânsito da população. Não era uma comunidade agrupada, era um grupelho de vândalos que nem sabia por que estava ali. Aí, sim, a Polícia teria de agir com força, como faz com aqueles ativistas depredadores.

Vamos falar sério! A atividade de lobista é permitida. Abrir portas e aproximar pessoas é atividade do lobista. Nada contra. Mas, receber quase trinta milhões de reais para exercer essa atividade é quantia meio exagerada, não é mesmo? Vamos supor que o lobista seja contratado para “abrir portas” em Cuba e tenha que ficar uma semana na Ilha. Mesmo ao exagero (voo de primeira classe e hotel cinco estrelas), calculemos em cem mil reais de despesas. E mais cem mil reais (puxa!) de honorários. Total de duzentos mil reais. Para receber trinta milhões seriam necessárias cento e cinquenta viagens desse tipo, ou quase três anos de viagens permanentes e consecutivas. E se as despesas de transporte e hospedagem forem pagas por fora, seriam trezentas viagens semanais! Quase seis anos de viagens ininterruptas!

Vamos falar sério! Prisão cautelar não pode ser instrumento de barganha para convencer o réu a delatar os crimes cometidos. A prisão cautelar é medida excepcional para impedir: a continuação da prática do crime; que o réu atrapalhe o andamento do processo com ameaças às testemunhas ou destruindo provas; e impossibilitar a fuga do réu. Não pode, assim, ser usada como escambo, como meio de troca da delação. A delação é colaboração efetiva e voluntária do réu e nada tem a ver com a prisão preventiva ou cautelar. Fala sério!

sábado, 14 de março de 2015

As Passeatas - Dúvida Cruel

Da série: Conversas de Botequim


- Cara, estou na maior dúvida...

- De quê?

- Não sei se vou à manifestação de sexta ou na de domingo.

- Estou por fora, que manifestações são essas?

- Manifestação política. O Sindicato quer que a gente vá à passeata de sexta. Tem condução e sanduíche. E se a gente vestir uma camisa vermelha que eles vão emprestar, ainda pagam trinta reais.

- Puxa! Legal! Vai nessa então!

- O problema é que o patrão vai cortar o ponto de quem faltar ao trabalho na sexta.

- Xiii! E você não é funcionário público, não é mesmo?

- Não. Se fosse era mais fácil.

- Mas a manifestação de domingo não tem ponto nenhum. Vá no domingo!

- Acontece que a manifestação de domingo é contra a manifestação de sexta, entendeu?

- Ah, são duas manifestações rivais?

- Exatamente! Se eu for à de domingo vou ficar contra o sindicato.

- E aí não tem condução, sanduíche e nem trinta reais...

- Claro que não! E pior, vou ficar mal visto pelo pessoal.

- Entendi. O melhor então é não participar de nenhuma!

- Mas o patrão reuniu o pessoal e disse que dará um abono de trinta reais para quem for à manifestação de domingo.

- Ah! O patrão apoia a passeata de domingo e é contra a de sexta...

- Acho que é isso.

- Para que servem essas manifestações?

- Não sei... Dizem que a de sexta vai gritar contra a política econômica e a roubalheira na Petrobrás...

- E a de domingo?

- Dizem que vai gritar contra a roubalheira da Petrobrás e contra o governo...

- Não é a mesma coisa?

- Não sei. O que sei é que não posso perder o emprego e nem ficar mal com o Sindicato.

- Que problemão! Ainda bem que eu não trabalho...

- Está de bolsa família?

- Graças a Deus! Não preciso me envolver nessa política.

- É mesmo. Garçom! Mais duas cervejas!

terça-feira, 10 de março de 2015

Por que não me ufano do meu país?

Ou “já estou farto!”

Vivo no Brasil, aqui nasci e sempre me ensinaram a amar o meu país. Mas, amor não correspondido aos poucos se esvai e esgota nos bueiros da desilusão. Amor é sentimento de mão dupla e amar a quem não retribui é mera estupidez.

Amei o meu país na infância, juventude e maturidade. Persisti nesse amor com ingênuas aspirações de reciprocidade e sempre sonhei com uma pátria dadivosa, a cuidar dos seus filhos e demonstrar o seu afeto. E por este amor, lutei e apanhei nas ruas, reagi aos desaforos dos estrangeiros, defendi o meu país com as garras da emoção. Tudo em vão.

Somente agora, ao tempo das reflexões, percebo o quanto fui enganado. Não posso dizer que fui traído, porque, na verdade, o meu país nunca se importou comigo, nada me prometeu em troca. Eu o amava, mas sem motivos racionais, como, aliás, são todos os amores.

Eu não me ufano do meu país, ao contrário da declamação do Conde Afonso Celso. Os países são seres imateriais, são os deuses das florestas, dos mares, da saúde e da fartura, os deuses adorados no passado, mais pela superstição e ignorância dos povos. Não vivo pela grandeza territorial do Brasil, vivo em uma cidade violenta, suja, desprovida de serviços públicos e apinhada de ladrões e corruptos.

Vivo num país que não educa o seu povo (apesar dos esforços dos professores, coitados); que não o atende plenamente nos pleitos de assistência médica, que não lhe oferece transporte decente, que não lhe garante segurança eficaz. Um país onde a energia elétrica é cara e nem por isso nos deixa tranquilo com a certeza da fluência sem cortes repentinos. O país dos sumidouros e das valas a céu aberto. Um país que nem disfarça esconder o lixo debaixo do tapete, certamente por não ter tapete. 

As florestas virgens a que alude Afonso Celso já foram defloradas pela sanha predatória. As riquezas naturais já estão saturadas. A baía do Rio de Janeiro transformou-se em esgoto. A cachoeira de Paulo Afonso é hoje uma hidroelétrica. Onde estará o povo bom e caridoso de Afonso Celso? O tal povo bom e caridoso é hoje desconfiado, truculento, grosseiro e mal educado. E vive com medo, desajustado nas desigualdades e nas injustiças.

Não! Eu não me ufano do meu país. Cansei de ufanar-me à toa. Onde está a reciprocidade dessa ufania inexplicável? A verdade é que a maioria vive aqui porque não tem condições de dar o fora. O último a sair que apague a luz (se tiver luz) ou puxe a descarga (se tiver água).