Traquino Bigorante era frequentador assíduo da igreja e gostava de prestar testemunho de fé quando o pastor convidava os fiéis a fazê-lo. Traquino tinha o dom da palavra e da interpretação, um artista nato, a dosar o tom de voz, o uso adequado dos gestos, a gritar quando devia, a dramatizar as passagens, a surpreender o público.
Uma das atribuições dos pastores da igreja era a de atrair novos talentos, fiéis que se destacavam na participação dos cultos. E assim, Traquino Bigorante foi convidado a trabalhar na instituição, a começar como trainee na sede paroquial da igreja, uma monumental sede encravada no interior do país. Lá ficou durante um ano, sendo treinado para dirigir uma igreja, recebendo completo doutrinamento sobre os conceitos dogmáticos e a forma correta de angariar fiéis. Foi aprovado com louvor.
O pastor-chefe do Centro de Treinamento explicou ao recém-formado seus direitos e obrigações, a perceber um salário fixo de R$ 5 mil e mais adicional de produtividade. Ele receberia, inicialmente, uma modesta igreja em uma pequena cidade, cujo potencial econômico estabelecia uma meta de receita de R$ 20 mil por mês, conforme os estudos do setor de previsões econômicas da igreja. Se viesse a superar a meta de R$ 20 mil, a metade do excedente seria dele e a outra metade da igreja.
No Policy and Procedures Manual da igreja, um calhamaço de trezentas páginas, que o clérigo apelidava de ‘bíblia’, continha uma ordem expressa: o dinheiro recolhido dos fiéis não podia de forma alguma ser depositado em conta bancária. E nem trocado. O dinheiro recebido teria de ser o mesmo a ser entregue aos coletores credenciados.
Ao receber o diploma de conclusão do treinamento, o diretor do Centro de Treinamento foi claro: “Entenda sempre que nós somos uma empresa! O nosso portfólio de venda insere produtos como a fé, a esperança e a ilusão. Não vendemos promessas para depois da morte, como certas concorrentes fazem, mas para a vida atual! Os nossos clientes querem melhorias imediatas e não para depois que morrerem! Por isso, um pastor não pode ficar muito tempo na mesma igreja, porque pode ser desacreditado caso os milagres não aconteçam”. E concluiu: “Assim, os pastores que se destacarem no cumprimento de suas metas de arrecadação, precisam de mobilidade e aceitar as ordens de transferências paroquiais”.
Com essas instruções sedimentadas no cérebro, Traquino Bigorante mudou-se para a pequena cidade e iniciou os seus trabalhos. Em pouco tempo, já superava a meta e recebia a metade do excedente. Todos os meses ele recebia os sisudos coletores e despejava na mesa as sacolas de dinheiro para que eles contassem, registrassem nos livros e lhe pagassem a sua parte.
Acontece que Traquino era casado e a sua mulher queria comprar uma casa e ter filhos. O jovem pastor resolveu, então, comentar o assunto com o seu chefe e pedir um empréstimo. O pedido preocupou o chefe, levando o problema à diretoria que, incontinenti, deu ordens para Traquino fazer uma vasectomia às escondidas da esposa, pois família numerosa era algo vedado na ‘bíblia’, isto é, no Policy and Procedures Manual. Em relação ao empréstimo, a diretoria deixou claro ao pastor que a “instituição não era casa de caridade para ficar ajudando os outros”.
Diante da recusa, Traquino resolveu diminuir aos poucos o excedente, enfiando no bolso pequenas somas de dinheiro a cada mês. Ele queria tornar realidade o desejo da esposa. Até que foi pego. Ele não sabia que a igreja era visitada de vez em quando pelos irmãos chamados de espiões, que colocavam dinheiro marcado nas sacolas. Na primeira contagem, verificaram que o dinheiro depositado pelos espiões desaparecera.
Traquino Bigorante foi demitido sumariamente. Tentou vaga em outra igreja, mas o seu currículo estava irremediavelmente manchado. Confessou à mulher a vasectomia que fizera e ela, amargurada, o abandonou. Atualmente, Traquino é taxista e vive sozinho em uma casinha alugada.
PS – Esta história é verídica, mas não dizer com isso que todas as igrejas funcionam desse jeito.
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