segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Monólogos Celestiais

Clique no Video e ouça o Adagietto de Mahler

Deus se estende sobre o universo e observa um pequeno planeta localizado nos confins da via láctea. “Por que tanta maldade contra os meus profetas?”, pensa Javé. “Eu os criei assim”, conclui Alá. “Foi-lhes dado o poder do discernimento e liberdade de agir, não foi assim que Eu os criei?”. “Lembra o que fizeram com João Batista?”, diz Adonai. “E os sofrimentos impostos à Moshé?”, comenta Alá. “E agora essas infâmias contra o meu profeta Maomé”, pensa Deus, pesaroso e triste.

“Demoram muito a aprender”, lamenta Javé. “Talvez Eu tenha superestimado a inteligência deles”. Ao dizer isso, Deus recorda o passado: “Eu sabia que o processo seria longo e penoso... Lembro-Me de Zoroastro e o nome que ele Me deu, Ahura-Mazda, Senhor da Sabedoria, gostei deste nome, mas o bom homem pregava a existência de outros deuses, subalternos a Mim... Ora, o honesto Zoroastro...”, conclui sorrindo. “Alguns enganos foram cometidos, mas era a sedimentação de novos fundamentos, sempre os deixei livres em suas crenças, e quantas vezes à verdade juntaram superstições e tolices”, completou Alá. “Sem dúvida, a humanidade evoluiu, graças ao lento processo da descoberta, mas até o presente, quanta estupidez cometida”, pensou Javé. “Talvez tivesse sido interessante assistir um encontro de Jesus com Maomé, uma conversa de sábios, em meio à ignorância reinante!”. “E tão pouco tempo os separaram”, refletiu Deus. “Para Mim, era nada, para os homens apenas meio século do tempo deles”.

“Gosto também dos índios”, disse Tupã. “Mas estão cada vez mais civilizados, coitados... Confundiam-Me com os relâmpagos e trovoadas”, Tupã deu uma gargalhada. “Um tanto parecidos com a civilização antiga da Grécia, quando Me chamavam de Zeus e temiam a Minha ira”. Deus ria a valer. Depois, o riso cessou e pensou acabrunhado: “Eles têm medo de Mim em vez de Me amar, e quanta maldade praticam em Meu Nome”.

“Tive bons homens”, pensou Deus. “Um deles foi Sidarta Gautama, a quem chamam de Buda. Não foi Meu profeta, mas isso não importa. A sua procura pela verdade sempre me agradou”. “Não fiz um mundo para sofrimento”, diz Javé, “embora os homens tenham escolhido este caminho”. “Dei-lhes um planeta rico e fértil, mas não deixei de criar algumas dificuldades, ocasionais ou permanentes, para evitar o mal da negligência e a nefasta indolência. Dei-lhes um mundo estimulante, que os mantivessem pesquisadores, sempre a perquirir e buscar inovações”, disse Alá. “Se Eu lhes desse um mundo perfeito, seriam eles os imperfeitos em um reino de ociosidades”, concluiu Deus.

“E aquele homenzinho, que inteligência!!”, exclamou Deus sorrindo. “Falo de Confúcio e de suas ideias sobre a moral e o bem”, continuou Alá. “Talvez tivesse sido um bom profeta, se Eu assim o designasse”, pensou Javé.

Alá estendeu suas vistas para outro lado do universo, fora da via láctea. Avistou um planeta azul com três luas. “Eis ali um lugar propício a uma nova experiência, de criar uma raça destinada a receber as Minhas dádivas. Vou dar vida a uma nova humanidade, mas agora farei as coisas de maneira diferente”, concluiu Deus.

E foi assim que os homens do planeta Terra foram abandonados à própria sorte.  

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Campanha de Vereador

Tenho certeza de que você não vai acreditar, mas não perco um programa de televisão de campanha de vereadores, o mais democrático de todas as campanhas eleitorais. Não assisto programas de prefeito, de presidente, de governador, são cansativos e repetitivos, a mesma lengalenga. De vereador não!! Suas mensagens são obrigatoriamente curtas e, por isso, exigem criatividade máxima.

Não estou falando dos candidatos pistolados, aqueles que gozam de um tempo maior e trazem a tiracolo algum padrinho. Falo dos demais, os que precisam anunciar-se e tornar-se conhecido no tempo de cinco a dez segundos, o que não deixa de ser uma proeza sensacional. Neste momento, a genialidade aflora!

Estou a comentar o tipo de propaganda mais usual, quando o candidato é filmado e ele próprio diz o seu refrão. Em tais circunstâncias, surgem problemas talvez despercebidos aos telespectadores. O primeiro problema é o que fazer com os braços. Cruzo os braços, escondo-os sob a mesa, deixo-os soltos, gesticulo, seguro as mãos em gesto de oração, ou de dedos cruzados, a decisão é difícil. Depois, a postura do corpo: fico reto, estico a cabeça, estufo o peito, muito complicado decidir. Aí vem o semblante: demonstro seriedade, dou um sorriso largo, ou um sorriso monalisa, faço cara de triste ou de irritado.

Outros problemas são relacionados com a roupa a usar na ocasião, o tom de voz a ser usado e, finalmente, o refrão a ser transmitido. E tudo isso para uma filmagem de cinco segundos ou pouco mais. Pode-se dizer que serão os cinco segundos de fama e glória, ou os cinco segundos que o levarão ao terror dos políticos, o precoce ostracismo. Este, o impasse, ou tudo ou nada!

Eu observo tudo isso, e vou anotando no caderno os meus palpites de quem será eleito, que são poucos, e dos derrotados, que é a maioria.

Os melhores refrões por mim anotados ontem são os seguintes:

CHEGA DE MENTIRO!
VOTE NO MIRO!!
(observem a sutileza do candidato ao masculinizar a palavra mentira, para rimar com o seu nome. E não o censure: se pode “presidenta”, por que não “mentiro”?)

ENXAQUECA OU DIARRÉIA?
VOTE NO DOUTOR LAMPRÉIA!!
(o doutor instiga o eleitor a lembrar-se de seus males, a se colocar na posição de médico. Genial!)

CHEGA DE PERSEGUIÇÃO!
VOTE NO BETO ESQUISITÃO!!
(Excelente a fórmula utilizada para atrair os votos de algumas minorias. Aliás, o candidato é mesmo meio esquisito quando fala).

SOU O SARGENTO LOUZADA!
QUE NÃO TEM MEDO DE PORRADA!!
(Aqui, ao contrário do Beto Esquisitão, o candidato investe nos eleitores machões)

SOU O PALHAÇO PIRIRICA!
IGUALZINHO AO TIRIRICA!!
(O candidato se veste de palhaço e tenta copiar o sucesso do ilustre Deputado Tiririca. Vai eleger-se, provavelmente)

SOU PALOMA DA BOATE ZEPELIM!
POR FAVOR, VOTE EM MIM!!
(Com um vestido insinuante, olhar malicioso, voz chorosa, fazendo beicinho, ah, muitos homens votarão nela, sem dúvida)

SOU O JOAQUIM, O COVEIRO!
FIQUE LONGE DE MIM, COMPANHEIRO!!
(Ao meu gosto, este é o melhor refrão. Sensacional!)

sábado, 8 de setembro de 2012

O robô doméstico

Lucca D’Epaminondas, o maior gênio de todos os tempos da humanidade, vem sofrendo problemas para iniciar a fabricação em série do robô de atividades domésticas, já apelidado nos Estados Unidos de “Maria”, nome de mais de 90% das empregadas domésticas daquele país, conforme pesquisa da Metro Golding Meyer.

O robô é um equipamento andróide capaz de efetuar inúmeros trabalhos domésticos. Faz limpeza e arrumação da casa, tendo um dispositivo que transforma seus braços em mangueiras de aspirar poeiras e detritos. A sujeira aspirada é guardada em recipiente no interior do seu corpo, para depois, quando cheio, ser evacuada no vaso sanitário usado automaticamente pelo robô. Maria não precisa usar papel higiênico, pois dispõe de processo autolimpante. Os seus braços podem, também, esticar até uma altura de três metros, o que facilita a limpeza do teto e de janelas. Na cozinha, sabe preparar até três mil receitas de comida, cardápio armazenado no seu sistema e que pode ser visualizado no monitor instalado em suas costas. Este monitor é “multi-service”, podendo ser usado, inclusive, como televisão e para computador.

Entre os serviços de destaque realizados por Maria está o de lavar e secar roupas e louças, que são “engolidas” pelo pescoço e retiradas através de um compartimento localizado nas pernas. O andróide também serve para vigiar a casa e cuidar de crianças. Transmite música, ao gosto do dono, e possui interessante dispositivo de “conversar” com donas de casa faladeiras. Por meio deste dispositivo é capaz de falar, de dez a dez segundos, “sim senhora”, “entendi” e “perfeitamente, senhora”, conforme for programado. Tem, ainda, no sistema, a frase “A senhora está linda!”, para ser usada quando a dona da casa estiver para sair.

Nos testes efetuados nos Estados Unidos, a aprovação foi unânime. A maioria das donas de casa apenas exclamava: “Oh my God!”, “Oh my God!”, sem saber mais o que dizer. A única que fez um comentário a mais foi Melissa McCarthy, de 140 kg de peso, que reclamou não encontrar big-mac do McDonald no cardápio. “Já experimentei as oitenta receitas disponíveis de sanduiches e nenhuma é igual ao big-mac”, lamentou a dona de casa.

A primeira reação contrária à fabricação do Maria foi da Confederação Americana de Trabalhadores Domésticos, cuja Presidente, Jennifer Lopez, declarou que o robô vai liquidar de vez o emprego doméstico nos Estados Unidos. “São milhões de mulheres latino americanas que perderão os seus empregos de domésticas”, disse Jennifer Lopez, de costas para os fotógrafos.

Como alternativa para compensar o desemprego em massa, o governo americano vai propor uma sobretaxa de 100% na venda de Maria. O Partido Republicano já afirmou que vetará o projeto de aumento.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A vacina contra o vicio

Mais uma invenção do extraordinário Lucca D’Epaminondas fracassou diante das liminares impetradas e aceitas na Justiça, e a firme oposição dos governantes de alguns países.

O fantástico cientista, agraciado com o título de Benfeitor da Humanidade, concedido pela ONU, foi impedido de fabricar a vacina popularmente denominada de Vacina Contra o Vício. Segundo o cientista, essa vacina age no cérebro e impede qualquer ato ou ação socialmente censuráveis ou nocivos à saúde. Exatamente em razão das dimensões de seus efeitos, a Justiça vem concedendo mandatos de segurança para aqueles que se sentem reprimidos e prejudicados com a adoção da vacina.

Um forte exemplo da abrangência de suas ações foi a declaração de uma das cobaias de que parou de roer as unhas após ser vacinado. Todas as cobaias foram voluntárias e escolhidas entre internos de presídios. Os presidiários deram testemunho de que depois da vacina perderam o desejo de fumar, de usar tóxicos de qualquer tipo, de agir violentamente contra outras pessoas, de esmagar uma barata e de coçar o saco escrotal na frente dos outros.

O filósofo ítalo-americano, Silvester Stallone, autor da obra prima “Os Mercenários da Esperança”, declarou em entrevista que a vacina de Lucca D’Epaminondas será o ato final do extermínio da humanidade, sob a qual somente os fracos e covardes terão vez. “A humanidade evoluiu e fortaleceu-se graças à sua natureza violenta, ousada e criminosa”, disse o filósofo.

Lucca D’Epaminondas defendeu a sua vacina dizendo apenas: “Acredito que a humanidade seria mais feliz sem certos vícios abomináveis”. Mas, os produtores de papoula do Afeganistão contestaram a posição do cientista, afirmando que a sobrevivência de milhões de afegãos depende do vício do ópio. A mesma tese foi levantada pela CCC – Cooperativa dos Cartéis de Cocaína, a favor dos produtores de coca da América Latina. “Realmente, a produção de papoula no Afeganistão é condição social a ser considerada das mais relevantes”, disse o Diretor da CIA, Georg W. H. Y. K. Bush.   

As indústrias tabagistas conseguiram mandato de segurança contra a vacina. Na petição afirmaram que o ser humano tem o direito constitucional de fazer o que bem entende em relação à sua saúde. Os governantes de alguns países explicaram que a receita tributária obtida com os fabricantes de cigarros é indispensável para custeio da saúde pública. “Sem essa receita não haverá recursos para investir nos serviços públicos de promoção da saúde em todos os seus ambientes”, disse o Secretário de Saúde da Franca, Déclouflé Souza Cruz.

No Brasil, o governador de um Estado declarou à imprensa ser contra a instituição da vacina. Disse o governador que uma de suas vitórias foi a promulgação da lei que proíbe o fumo em ambientes fechados. “Todos se lembram de mim quando olham a plaqueta que diz ser proibido fumar naquele local. Melhor, então, é permitir o fumo, mas proibi-lo de forma pontual”.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Violência na comunidade

Aqui na comunidade, novidades e boatos nascem na banca de jornais do Miranda, e dali seus efeitos são irradiados para todos os recantos com um crescimento constante de intensidade, a depender do entusiasmo dos porta-vozes e interlocutores. E, às vezes, um fenômeno extraordinário acontece: uma mesma notícia sai da banca de jornais e, depois, lá retorna em nova versão, com mais riqueza de detalhes e informações até então desconhecidas.

Como de costume, após caminhar na praia fui ao Miranda à cata de notícias. Um grupo já estava reunido a ler os jornais presos na banca, com alguns comentários, lá e cá, a maioria relacionada com os jogos do último fim de semana. Noticiário político ninguém comenta, tão pouco o cansativo mensalão, assunto desagradável e por todos desconhecido.

Foi Seu Broa, empresário do ramo da reciclagem e sabedor de novidades em vista de suas funções de catar latinhas nos lixos das casas, quem deu a notícia. Sem olhar para ninguém e de olhos fixados no jornal, disse em voz alta para que todos ouvissem: “Uma casa da Rua 12 foi roubada”.

Seguiu-se um silêncio de alguns segundos, necessário para que todos absorvessem o sentido da notícia. Seu Broa reiniciou: “foi na casa do Nestor”. Nestor é mecânico, consertador de carro de qualquer marca, só não cuida de hidramático. “A casa tava trancada?”, perguntou Lilico da Mercearia. Seu Broa respondeu: “O Nestor contou que a porta não tem tranca, ele perdeu a chave há muito tempo. Ele só encosta pro cachorro não entrar”.

Os presentes pensaram em suas casas, a maioria não tranca a porta, é falta de educação, como ensinou dona Berga, viúva de um sujeito que morreu de cirrose uns dez anos atrás. Dona Berga é muito respeitada na comunidade, porque fala enrolado e é russa. Aliás, aqui todos os estrangeiros são russos, inclusive japoneses, fica mais fácil o entendimento.

“Roubaram muita coisa?”, perguntei ao Seu Broa. “O Nestor disse ao cabo Miguel, vocês conhecem, lá da DPO, que só levaram o liquidificador e umas laranjas que estavam na geladeira”, respondeu. “Vai ver o ladrão queria fazer um suco”, comentou Cubicheque, do Açougue, mais conhecido pelo apelido Cubinho. Ninguém riu, o assunto era sério. Seu Broa prosseguiu: “O Nestor tinha saído com a família, foi visitar um parente na Baixada. Foi naquele Monza que ele tem. Quando voltou, a porta estava encostada, direitinho, mas deu falta do liquidificador. Depois, sua mulher disse que as laranjas tinham sumido”.

“Não levaram mais nada?”, perguntou o pedreiro Walmir. Seu Broa, alvo das atenções gerais naquela manhã, respondeu: “Nada, nada, não levaram o fogão, a geladeira, a televisão... Bem verdade que a única coisa nova era o liquidificador. Eles compraram no mês passado”.

Lilico lembrou-se de algo importante: “Ih, gente! Uma semana atrás a mulher do Nestor teve uma baita discussão lá na mercearia com uma vizinha, não vou dizer o nome, que reclamou da zoeira do liquidificador. A mulher do Nestor tem mania de acordar de madrugada e fazer vitamina para as crianças. Foi uma discussão danada! A vizinha reclamava do barulho!”.

Foram segundos de silêncio diante daquele grave depoimento do Lilico. Contudo, sentiu-se no ar o alívio de todos, talvez não fosse nada de ladrão. Passado o silêncio, Miranda disse em voz baixa: “Gente, acho melhor não espalhar esse negócio de discussão com vizinha. Vamos deixar que pensem que foi um ladrão”. “Por quê?”, perguntei.

E Miranda explicou: “Ora, doutor, a nossa comunidade é muito atrasada! O senhor está vendo o exemplo agora? Nem político vem aqui fazer campanha! Aqui não tem quadrilha, não tem roubo de carro, não tem sequestro, não tem esse negócio de tráfico, não tem tiroteio, aqui não acontece nada de importante!! Essa notícia de roubo pode ser o início de uma nova era, vai sair nos jornais, na televisão, vamos ser notícia! Quem sabe até instalem uma polícia pacificadora aqui, já imaginou?”.

E percebendo que eu ainda estava relutante, arrematou: “Doutor, com a polícia pacificadora talvez até instalem um teleférico horizontal, ou uma escada rolante na praia, para os idosos que os médicos obrigam a caminhar”.

Essa ideia já me deixou mais animado. O Miranda é muito persuasivo.

domingo, 2 de setembro de 2012

Conversa de Fiscais III

“Agatha Christie” ataca outra vez.


- Bom dia!
- Bom dia não! Boa noite! Isso é hora de chegar? Se aqui tivesse relógio de ponto você estaria ferrado!
- E você sabe que andaram falando em instalar relógio de ponto para Fiscais? Olha que absurdo! Nós teríamos que vir até aqui todas as manhãs bater o ponto, e depois sair para fiscalizar. E no fim do expediente a mesma coisa!
- Concordo que é um absurdo, uma perda de tempo. Fiscal tem que ser avaliado por produção e não por horário. Mas nos dias de plantão temos que chegar no horário, você não concorda, seu dorminhoco!
- Eu não estava dormindo! Fui fazer uma averiguação...
- O quê? Então você está dando uma de Poirot?
- Já é a segunda vez que você fala neste tal de Porrô. Não sei quem é esse Fiscal.
- Não é Fiscal, cara! É o detetive Hercule Poirot, personagem da Agatha Christie...
- Ah, aquela gata inglesa... Mas deixa te contar, você se lembra daquela firma que veio aqui para pegar autorização de nota fiscal? Disse que não conseguia entrar pela Internet...
- Lembro e não vi novidade nenhuma; este sistema de nota fiscal eletrônica vive dando pau, saindo do ar, uma loucura...
- Pois é, contratam um sistema, pagam um dinheirão e a coisa não funciona...
- E nem nos consultam! E ainda querem que a nossa legislação se adapte ao sistema, quando o sistema deveria se adaptar à legislação! Daqui a pouco o legislador municipal passará a ser as empresas de informática!
- Não falta muito pra isso! Mas deixe eu te contar: achei estranho o endereço daquela firma, porque é no bairro onde moro e nunca soube de firma de gráfica naquela rua.
- E você foi até lá dar uma espiada?
- Exatamente! E sabe o que encontrei no endereço?
- Uma residência particular.
- Nem isso! Encontrei um terreno baldio!
- Terreno vazio? Sem nada?
- Sem nada, nem muro, completamente abandonado!
- Que estranho... Gráfica tem máquinas, tem empregados...
- Pois é. E você viu o faturamento dela?
- Eu não vi nada, quem atendeu foi você.
- Eu vi! Receita de empresa grande! Nem é do Simples! Olhei as notas fiscais anteriores e só tem clientes poderosos, quase todos lá da Capital!
- Mas o ISS é nosso! Está pagando?
- Tudo direitinho...
- Então, onde será que ela faz o serviço... Me diz uma coisa, você sabe qual é a alíquota de gráfica na Capital?
- Lá eles não perdoam, é tudo 5%.
- E aqui gráfica paga 2%... Acho que este é o motivo...
- Você está dizendo que esta sede da empresa é de mentirinha?
- É lógico! Ela deve ter uma oficina escondida lá na Capital.
- E finge que a sede é aqui para pagar 2%...
- Está na cara, não é?
- É... Pode ser isso... E o que devemos fazer?
- Olha, de certa forma o nosso Município está ganhando, mas não gosto de compartilhar de falsidades, e isso é uma imoralidade!
- Por que imoralidade? Isso não seria aquele negócio de elisão?
- Elisão? Fingir que tem sede num terreno baldio? Isso é pouca vergonha, isso sim!
- Na verdade eu nunca entendi esse negócio de elisão.
- Elisão é quando se aproveita da lei para pagar menos tributo. E está na cara que a nossa lei não permite uma gráfica fantasma, localizada num terreno baldio!
- E eu fico pensando como conseguiram o alvará...
- Xiii! Ainda deram alvará? Então, não houve vistoria, não houve nada!
- Pois é, tem gente aqui da casa envolvida neste trololó. Você não acha melhor a gente ficar quieta e deixar pra lá?
- Claro que não!! A dupla Tommy e Tuppence Beresford vai entrar em ação! Vamos pedir ao chefe uma ordem para fiscalizar essa empresa e jogar a sujeira no ventilador, doa a quem doer!
- Meu Deus! Lá vamos nós criar confusão novamente...
- Fiscal não cria confusão, Fiscal apura os fatos! É pra isso que somos pagos!!
- É, aquele dinheirinho mixuruca que entra todo mês... Bem, pelo menos eu vou ser este tal de Tommy... Gosto mais deste do que aquele outro, Porrô! Você inventa cada nome!!