Uma das maiores, ou a maior, empresa operadora de cartões de crédito publicou os seus demonstrativos financeiros de 2010 no dia 3 de fevereiro último (Jornal Valor), apresentando interessantes informações, entre as quais alguns dados relativos ao ISS de suas operações.
A empresa fechou o exercício com um lucro líquido de R$1,394 Bilhão. A receita líquida de serviços totalizou R$2,6 Bilhões e o total de ISS pago somou R$17,5 milhões. Se deduzirmos da receita líquida os valores recebidos de “aluguel de equipamentos” (R$747 milhões) e “outras receitas” não explicadas (R$119,2 milhões), sob a suposição de que não sofrem incidência do imposto, a receita tributável teria sido de R$1,775 Bilhão. Sendo assim, o ISS representou, em termos médios, 0,98% da receita tributável. Se a alíquota mínima do ISS é de 2%, parece, em princípio, que está faltando dinheiro no recolhimento declarado. Aliás, a maioria dos Municípios estabelece a alíquota de 5% para esse tipo de serviço. Para dar apenas uma ordem de grandeza, se a alíquota média do ISS fosse 3%, a despesa tributária de que se trata teria sido de R$53,2 milhões, uma diferença, portanto, de R$35,7 milhões de ISS não recolhido.
O relatório da Diretoria explica as modalidades de serviços prestados pela empresa:
a) Cartões de crédito e débito: captura, transmissão, processamento e liquidação de transações comerciais e financeiras dos cartões de diversas bandeiras. “Pela prestação desses serviços” (sic) a empresa cobra dos estabelecimentos uma taxa de desconto, que tem por objetivo: (i) remunerar o emissor dos cartões de crédito e débito mediante repasse de uma taxa denominada taxa de intercâmbio; e (ii) remunerar os serviços prestados pela empresa.
b) Pré-pagamento das transações com cartões de crédito mediante solicitações dos estabelecimentos e somente sobre as transações já capturadas e processadas.
c) Locação dos equipamentos Point of Sale (POS, POO e Pin Pad), de propriedade da empresa e utilizados pelos estabelecimentos para a captura eletrônica das suas transações.
d) Serviços prestados para empresas parceiras mediante captura, roteamento e transmissão de transações realizadas com cartões de benefício (voucher), tais como alimentação, refeição, combustível, entre outros, além dos cartões private label.
e) Prestação de serviço aos estabelecimentos de consultas de cheques recebidos dos seus clientes, utilizando-se dos equipamentos alugados da Companhia. A receita da empresa é constituída de tarifas cobradas diretamente dos estabelecimentos.
Poderíamos dizer, ainda de forma muito subjetiva, que as únicas receitas das detalhadas acima que não seriam passíveis de tributação do ISS estão identificadas no item (i) da alínea (a), porque não se incorpora ao patrimônio da empresa, repassada que é às instituições financeiras emissoras dos cartões; e a alínea (c), porque se trata, aparentemente, de locação de bens móveis.
Importante salientar que a própria empresa explica que a receita descrita na alínea (a) já é apropriada de forma líquida ao resultado, ou seja, deduzida das taxas repassadas aos bancos emissores e às bandeiras. Como se sabe, os Bancos e as bandeiras recebem parte desse serviço, mas essa parcela não é contabilizada no resultado da operadora. Em outras palavras, quem efetua a operação financeira de adiantamento é o Banco, mas essa receita (realmente financeira) não é contabilizada como receita da empresa operadora. Está claro, da forma anunciada pela própria empresa, que a receita da alínea (a) decorre da remuneração dos serviços por ela prestados. Já em referência ao item (i), a receita da operadora é a cobrança de uma taxa “de intercâmbio”, ou, em outras palavras, pela intermediação que ela exerce entre o usuário e o Banco. E, assim, serviço tributável pelo ISS.
Interessante, também, são os comentários sobre o Passivo Contingente - Perda Possível. Destacamos os seguintes comentários, únicos referentes ao ISS:
“2. Por meio de auto de infração lavrado em 6 de maio de 1999, a Secretaria de Finanças do Município do Rio de Janeiro constituiu crédito tributário no valor de R$1,2 milhão, sob o argumento de que a Companhia teria recolhido, intempestivamente, o imposto sobre serviços (ISSQN) relativo à competência de dezembro de 1997 e de que não teriam emitido notas fiscais de serviços correspondentes ao período de novembro de 1996 a novembro de 1997. Em 2 de junho de 1999, a empresa apresentou impugnação ao auto de infração, julgada improcedente em 5 de fevereiro de 2010, pela Coordenadoria de Revisão e Julgamento Tributário daquele município. Em 3 de agosto de 2010, a empresa apresentou recurso ao Conselho de Contribuintes do Município do Rio de Janeiro, requerendo o cancelamento do auto de infração, por entender (i) improcedente a aplicação de multa pela não emissão de nota fiscal, tendo em vista a caracterização de denúncia espontânea, em razão da apresentação de pedido de regime especial em agosto de 1997; e (ii) equivocada a base de cálculo utilizada pelo fisco municipal para cálculo da multa. Em 31 de dezembro de 2010 o valor total é de R$6,7 milhões”.
“3. Por meio de notificação de lançamento lavrada em 8 de abril de 2010, a Secretaria Municipal da Fazenda do Município de Salvador, Bahia, constituiu crédito tributário no valor total de R$2,9 milhões, por suposta infração da Companhia em razão da não tributação do ISSQN incidente sobre as receitas financeiras decorrente das antecipações de vendas. A Companhia entende que a receita decorrente desse desconto deve ser classificada como receita financeira e, como tal, não está sujeita à incidência de ISSQN. Em dezembro de 2010 o valor total é de R$6,7 milhões”.
Bem, como dito acima, quem efetua a antecipação da receita, mediante uma operação financeira de adiantamento ou desconto, é a instituição financeira e não a operadora do cartão de crédito. De qualquer modo, cabe às partes, ou à Justiça, decidir a lide.
Fica uma dúvida: será que somente os Municípios do Rio de Janeiro e de Salvador estão cobrando o ISS da empresa? Ou os demais casos estão sendo regularmente pagos?
Roberto Tauil - março de 2011
Fonte: Os resultados econômicos e sociais da empresa foram publicados no Jornal Valor, de 3 de fevereiro de 2011. Os números são fidedignos ao relatório apresentado, mas achamos por bem não divulgar o nome da empresa, ou Companhia.
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