terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Cadastrando o IPTU

Da série: Manicômio Fiscal

No Setor de Atendimento da Prefeitura:
- Bom dia, eu queria que o IPTU da minha casa fosse feito em meu nome...
- Qual é a inscrição da sua casa?
- Está aqui... A senhora pode ver que ainda está em nome da loteadora...
- Estou vendo aqui no computador que a sua casa pertence à Loteadora Lava a Jato Ltda.
- Pois é. Mas esta loteadora faliu há mais de trinta anos e os donos fugiram.
- Tudo bem! O senhor me traz a escritura registrada no Cartório, seu CPF e RG, certidão de nascimento, certidão negativa do imóvel e comprovação do pagamento do ITBI que eu transfiro o imóvel para o seu nome.
- Mas eu não tenho escritura! Sou posseiro do imóvel.
- Ah, sem escritura não posso mudar o nome.
- Mas, minha senhora, fui eu que construí essa casa e vivo lá há mais de vinte anos!
- Não tem jeito, sem escritura não dá.
- Deixa eu mostrar à senhora... Veja, aqui estão os carnês desses anos todos! Sou eu que pago!
- Isso não prova nada! O senhor tem o contrato de promessa de compra e venda?
- Não! Eu comprei o terreno do seu Bidinho, que vivia lá desde que a loteadora faliu. Olha, eu tenho aqui o papel da compra...
- Papel de pão?
- É o que a gente tinha na hora. Está vendo esse X aqui? É a assinatura do seu Bidinho.
- Meu senhor! Eu não posso usar esse papel como documento de aquisição. Preciso da escritura!
- Mas, minha senhora, nem o seu Bidinho tinha escritura. Ele só ocupou o terreno e fez um barraco. Fui eu que construí a casa muito tempo depois.
- Em português claro, o seu Bidinho invadiu a propriedade, não é mesmo?
- Invadiu é uma palavra forte. O seu Bidinho, que Deus o tenha, era um homem de bem. Ele ocupou o terreno que estava abandonado.
- Mas tinha um dono...
- Uma loteadora que não existia mais!
- Bem, não importa! Sem escritura não altero o nome do proprietário.
- Então, me diz uma coisa: se eu deixar de pagar o IPTU, a Prefeitura vai cobrar de quem?
- Ora, isso não é assunto meu, é lá do pessoal da dívida ativa, mas acho que o IPTU vai ser cobrado da loteadora.
- A loteadora não existe há séculos!
- Então, acho que vão atrás de quem mora lá...
- Que sou eu!
- Vão cobrar do senhor!
- Ué! Como vão cobrar de mim se eu não sou proprietário?
- Não importa! A lei diz que o possuidor também é responsável pelo IPTU.
- Este é o ponto, minha senhora! Se eu também sou responsável, por que a casa não pode estar no meu nome?
- Porque o senhor não tem escritura!
- Mas para cobrar de mim não importa se tenho escritura, é assim?
- É mais ou menos assim.
- Minha senhora, sou pobre, mas não sou burro. Vou fazer o seguinte: vou deixar de pagar o IPTU e a Prefeitura vai me cobrar o imposto. Então, peço para que a Prefeitura prove que eu sou o posseiro. Quando ela provar, pago tudo e venho aqui para mudar o nome do proprietário. Assim, fica tudo certo, não é mesmo?
- Ah não sei! O senhor faça do jeito que achar melhor. O PRÓXIMO!!

domingo, 14 de dezembro de 2014

Aperreio no ISS

Da série: Manicômio Fiscal


- Senhor Fiscal, eu estou com uma dúvida atroz! Não sei onde pagar o ISS!
- O senhor pode explicar o problema?
- Perfeitamente, senhor Fiscal. A empresa é sediada no Município de Pantaleão, onde fica a administração. Tem filial em Capenga, que atende a região onde o serviço foi prestado. O serviço foi prestado em Chulé, cidade vizinha de Capenga. O serviço é desenvolvido em Pirão, onde ficam os técnicos. Em qual Município eu devo recolher o ISS?
- Qual é a atividade?
- A empresa desenvolve sistemas de software.
- Bem, de acordo com a lei, sistemas de informática são tributáveis no estabelecimento prestador...
- Isso eu sei, mas qual é o estabelecimento prestador?
- O senhor deveria fazer essa consulta por escrito e receber uma resposta oficial, mas me parece que o ISS deve ser pago em Pantaleão, onde fica a sede da empresa.
- O problema é que a nota fiscal foi emitida em Capenga.
- A empresa tem estabelecimento em Capenga?
- Claro que tem! É uma filial estabelecida!
- Bom, então eu acho que deve ser em Capenga.
- De início também pensei assim, mas ao examinar a lei verifiquei que o estabelecimento é aquele que desenvolve o serviço. E o serviço foi desenvolvido em Pirão, onde ficam os técnicos de sistemas.
- Realmente, o senhor tem razão. A lei diz que se considera estabelecimento o local onde o contribuinte desenvolve a atividade de prestar serviços. Acho que o ISS deve ser pago em Pirão.
- Ocorre que Pirão somente desenvolve. Quem fecha o negócio na região é o pessoal da filial, em Capenga. E segundo o Superior Tribunal de Justiça, o ISS incide onde o negócio se perfectabiliza.
- E o negócio se perfectabilizou em Capenga...
- Exatamente! Todos os negócios da região são perfectabilizados em Capenga.
- E onde os contratos são assinados?
- Bem, são preparados em Capenga e a diretoria assina em Pantaleão.
- Então, quem vai perfectabilizar o contrato é a assinatura, que é feita em Pantaleão! O ISS deve ser recolhido em Pantaleão.
- Acontece que o cliente assinou o contrato em Chulé e só neste momento o negócio foi perfectabilizado...
- Tem razão. Acho que o ISS é devido em Chulé.
- Senhor Fiscal, desculpe a minha ignorância, mas o que significa realmente o verbo perfectabilizar, palavra usada pelo Superior Tribunal de Justiça? Eu procurei no dicionário e não encontrei este verbete.
- Devo confessar que também procurei e nada achei, mas encontrei o adjetivo perfectível, que significa aquilo que é suscetível de ser aperfeiçoado.
- E o que tem isso a ver com o local da prestação do serviço?
- Talvez signifique que o ISS incide no local onde o serviço é aperfeiçoado...
- Mas, no meu caso, onde o serviço foi aperfeiçoado?
- Aperfeiçoar tem o sentido de terminar o que está incompleto...
- E a prestação do serviço foi completada em Chulé, quando foi entregue ao tomador, não foi?
- Tem razão. O serviço foi prestado em Chulé.
- Sendo assim, o senhor concorda que devo pagar o imposto no Município de Chulé?
- Olha, não concordo com nada! Faça a consulta por escrito e aguarde a resposta oficial, está bem?

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

As pedaladas contábeis

O assessor entra suspirando na sala do chefe.

- Chefe, não adianta! A contabilidade não bate!

O chefe olha irritado o assessor.

- Você fez tudo que eu mandei? Escondeu as propinas? Disfarçou as retiradas dos sócios? Camuflou despesas? Aumentou as receitas cambiais?

- Tentei tudo! Não adianta! A empresa continua dando prejuízo!

O chefe dá um murro na mesa.

- Não pode!! A empresa tem que dar lucro! Os sócios precisam receber dividendos!

- Desculpe, chefe, mas não sei mais o que fazer.

O chefe levantou-se da cadeira e passeou na sala.

- Faz o seguinte, aumenta a receita!

- Mas, e a contrapartida? Para aumentar a receita é preciso fechar o lançamento.

- Quem disse isso?

- Ora, é a técnica contábil, das partidas dobradas...

- Quem inventou isso?

- Ah não sei, chefe. Isso vem desde o tempo do monge Paciolo...

- Monge Paciolo? Nunca ouvi falar... Trabalhou aqui?

- Não, chefe! Ele viveu antes do Brasil ser descoberto!

O chefe gritou feroz.

- O quê? E nós temos que obedecer ao que este monge maluco disse no tempo da idade média?

- Mas é a base da contabilidade... Um crédito corresponde a um débito...

- De jeito nenhum!! Estamos na época dos computadores! Vamos adotar outro sistema! Fala com o pessoal da informática! A partir de hoje o nosso sistema será o da pedalada! Um crédito corresponde a um crédito, um débito corresponde a outro débito, e assim por diante.

O assessor ainda tentou convencer o chefe.

- Chefe, se fizer desse modo, a contabilidade não retratará a realidade da empresa...

O chefe deu uma risada.

- E desde quando a contabilidade retrata a realidade da empresa?

- Não retrata?

- Claro que não! Não seja idiota! Ela serve para disfarçar a realidade, não é isso que estamos discutindo aqui?

- Mas, então, vamos ficar perdidos...

- Perdidos? Claro que não! O que retrata a realidade são esses cadernos que guardo aqui no cofre... Por falar nisso, me traz mais um caderno novo.