A sala estava
em silêncio fúnebre. Os três senhores, cada um com o seu copo de uísque nas
mãos, olhavam, pela janela envidraçada, a cidade anoitecida lá embaixo, esfumaçada, estática, como um cartão postal falso e artificial.
Depois de um
longo silêncio, um dos senhores resmungou: “nenhum de nós poderá assumir, esta
é a verdade dos fatos”. Outro senhor depositou o copo na mesa e comentou: “Não
adianta chorar o leite derramado, fizemos o que tínhamos que fazer naquela
época”. E o terceiro, depois de dar um gole na sua bebida: “Era pegar ou
largar, aceitar ou sair do mercado”.
Os três se
afastaram da janela e sentaram-se nas poltronas. Um deles disse em voz calma e
moderada: “Afinal, quem tocará a empresa?”. Os seus olhares não se cruzavam,
não tinham coragem de se encarar. Olhavam para as suas próprias mãos cruzadas
no colo, ou a alisar os dedos no copo da bebida.
“O seu filho
também está queimado?”, perguntou um deles, dirigindo-se a quem fez a pergunta.
Este balançou a cabeça em desalento: “Também está, assim como os seus, assim
como o neto dele. Nem pensar nos membros das nossas famílias”. “E nem nos
diretores, essa corja de delatores”, completou o avô.
O terceiro
senhor olhou para o teto e suspirou. “Tenho um sobrinho, por parte da mulher.
Engenheiro, ele é dono de uma pequena empresa de reformas de prédios”. O senhor
que ainda estava com o copo nas mãos levantou as sobrancelhas: “E você nunca o
convidou para trabalhar com a gente?”. O outro alargou os ombros,
espreguiçando-se: “Não! Apesar de ser sobrinho é um cara meio antipático e turrão”.
E o outro perguntou: “Mas, pelo menos, é um cara competente?”. O tio esboçou um
sorriso: “Você já viu um pobretão ser competente? Vive lá, de suas obrinhas,
dirigindo uma fiorino, trabalhando da manhã à noite, morando numa casinha
apertada, filho em colégio público, um típico perdedor”.
O terceiro
curvou-se na poltrona: “Mas tem ficha limpa, não tem?” O tio deu uma risada:
“Claro que tem! Nunca teve qualquer oportunidade naquela vida medíocre que leva!”.
“Oportunidade de sujar-se?”, perguntou o outro. O tio deu uma golada no uísque,
foi até a mesa e completou outra dose da garrafa. “Quem não assume riscos não
tem futuro. Foi assim com a gente!”. “E agora estamos ferrados!”, disse o
terceiro.
“Converse com
o seu sobrinho, talvez ele aceite”. O tio olhou o outro de forma zombeteira: “Se
ele aceitar, o que duvido, os negócios passarão a ser preto no branco! Vamos
quebrar!”. O outro se levantou para repetir a dose. “Talvez não, nós nunca
tentamos, e, pelo menos, teremos uma ficha limpa na presidência”. E o terceiro,
também já de pé: “E nós, por de trás, vamos acertando as coisas”.
“Isso não vai
dar certo, conheço o meu sobrinho, é do tipo trabalhador estúpido, mas, se vocês
querem, farei contato”.
E os três
voltaram a olhar pela janela a cidade lá fora. Centenas de edifícios, todos
perfilados, e em cada uma daquelas salas iluminadas haveria de ter um trabalhador
estúpido trabalhando em busca do seu salário.
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