quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Assédio Moral no Serviço Público

Em 2013, a Justiça do Trabalho julgou 656 ações de assédio moral, culpando as empresas que nada fazem para impedir atos de seus chefes que humilham os funcionários. Em certos casos até incentivam indiretamente tais atos por meio da insidiosa pressão que exercem sobre os responsáveis dos setores administrativos e de produção. Os chefes pressionados descarregam sua fúria nos subalternos. Os subalternos atormentados pelos chefes descontam na família ou chutam o cachorro da casa. A família fica infeliz; o cachorro vai morder o gato.

Esse é o chamado assédio moral hierárquico, o chefe promovendo terrorismo psicológico no seu setor, semeando a discórdia entre os funcionários, ridicularizando seus subordinados.

São consideradas práticas de assédio moral:
1– Marcar tarefas com prazos impossíveis;
2– Mudar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais;
3– Apropriar-se de ideia alheia;
4– Ignorar ou excluir funcionário só se dirigindo a ele por meio de terceiros;
5– Sonegar informações de forma reiterada;
6– Espalhar rumores maliciosos;
7– Criticar com persistência;
8– Subestimar esforços;
9– Determinar atribuições incompatíveis com o cargo;
10– Sonegar trabalho ao funcionário.

Diz-se que é considerado assédio moral quando a prática se torna repetitiva, persistente, rotineira. Deste modo, um ato isolado, um rompante ocorrido numa discussão, não chegaria ao ponto de ser considerado assédio moral. Contudo, alguns atos isolados podem repercutir e provocar reflexos no futuro, cujas consequências não cessam no momento ou no calor da discussão. Um exemplo seria o de direcionar a um determinado servidor toda a responsabilidade por um erro praticado no setor onde ele trabalha. O coitado passa a ser o bode expiatório das mazelas internas.

Diversos Municípios formularam leis que proíbe a prática de assédio moral nos órgãos municipais. Uma das leis define como assédio moral “toda ação, gesto ou palavra, praticada de forma repetitiva por agente, servidor, empregado ou qualquer pessoa que, abusando da autoridade que lhe confere suas funções, tenha por objetivo ou efeito atingir a autoestima e a autodeterminação do servidor, com danos ao ambiente de trabalho, ao serviço prestado ao público, bem como a evolução, a carreira e a estabilidade funcional do servidor”.

O Município de São Paulo já possui lei sobre a matéria desde 2002. Trata-se da Lei n. 13.288 que define assédio moral da seguinte maneira: "Para fins do disposto nesta lei considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a autoestima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de ideias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços".

Segundo a lei de São Paulo, o servidor que praticar assédio moral poderá ser suspenso, multado ou demitido.

A pergunta que se faz é a seguinte: O Município precisa de lei própria para proibir a prática de assédio moral? A pergunta é relevante, pois esse tipo de crime ainda não consta no Código Penal, embora circule no Congresso projeto de lei neste sentido. Todavia, o assédio moral não deixa de estar, subjetivamente, inserido como forma de dano à moral e à liberdade do trabalhador, e, assim, a sua reparação estaria explícita como ato ilícito previsto no art. 186 do Código Civil. Caberia, portanto, uma ação indenizatória por danos morais, mas, pelo menos por enquanto, não seria o caso de uma ação criminal.

Neste sentido, seria importante uma lei municipal dirigida exclusivamente aos seus quadros de servidores, a promover sanções internas aos que assediam os seus colegas de trabalho.

Aspecto importante é que cabe ao servidor provar que sofreu dano moral. Por isso, deve se cercar de provas do ato, inclusive atestados médicos que registrem os problemas físicos ou psicológicos atribuídos às condições de trabalho. O servidor deve reunir tudo que possa ser considerado como prova do ato e o seu nexo causal ao dano moral sofrido.

domingo, 19 de outubro de 2014

O Profissionalismo no Serviço Público

É preciso acabar de vez com a antiga história de que servidor público não é um profissional, para encerrarmos o nefasto círculo vicioso que conjuga o deficiente serviço público com o minguado salário que o servidor recebe. É assim: servidor público presta serviço ruim porque recebe salário ínfimo; servidores ganham salários ínfimos e, por isso, prestam serviços ruins.

Um engenheiro servidor público, por exemplo, não pode, em hipótese alguma, receber salário abaixo do piso profissional da categoria. Mas, isso não significa que o engenheiro servidor público tem que ganhar o piso profissional, ou seja, o salário mínimo profissional. Tem que ser daí para cima, numa escala evolutiva por tempo de serviço ou por mérito.

Servidor público não é serviçal, é servidor. Não tem que ficar chamando os usuários de sahib, como os indianos chamavam os senhores ingleses. Tem que tratar o usuário com educação, mas em igualdade de condições. Aliás, a educação se reflete em todos os atos do servidor: ao despachar um processo na forma cortês de redigir; ao emitir uma notificação; nas relações internas; no respeito aos ocupantes de cargos de chefia (e vice-versa).

Alguns péssimos costumes ficaram arraigados no serviço público. Certos despachos processuais ainda utilizados simbolizam o ranço da arrogância, tipo, “Cumpra-se!”; “Indefira-se!”; “Arquive-se!”, sem explicar os motivos de cumprir, de indeferir, de arquivar.

Uma das medidas para profissionalizar o serviço público é a instituição de cargos de carreira, com servidores aprovados em concurso público. O exercício de atividade pública exige conhecimentos específicos e não é mais cabível agrupar pessoas que se revelam totalmente inadequadas ao cargo. Esta tática de nomear por apadrinhamento pessoas incompetentes e desclassificadas, com vistas a manter o controle dos poderes políticos, tem que ser erradicada de uma vez por todas. A famigerada técnica de nomear por indicação política é a responsável pelos desmandos, pelo rigor patológico da burocracia (a insegurança do gestor gera excessos burocráticos) e pela improbidade. O caso atual da Petrobrás é um ótimo exemplo.

Serviço público existe para satisfazer as necessidades sociais, tanto faz a função exercida pelo servidor, pois este representa o interesse da coletividade. Atua como se fosse um representante da população, cumprindo a legislação aprovada por seus mandatários. Para tanto, o servidor tem que exercer suas funções com independência, sob a qual responde por seus atos discricionários, assume responsabilidades e sobre as suas consequências.

São tolos aqueles que nomeiam por lealdade, laços de sangue, amizade ou identificação  ideológica, acreditando que assim se previnem contra os desmazelos e corrupções. Esquecem que tanto o incompetente quanto o corrupto, ao assumir o poder somente bajulam seus nomeantes para assegurar-se no cargo. O pior servidor (em qualquer área) é aquele que sobrevive pela bajulação. E o pior gestor político é aquele que se alimenta da bajulação recebida. Se um dia ele perder o posto, os bajuladores nunca mais o procurarão. 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A entrevista gramatical

- A senhora acredita que a situação econômica do Brasil vai melhorar em 2015?
- Não sei responder por que não sou videnta!
- VIDENTA? Não seria vidente?
- Eu sou mulher, homem é que é vidente.
- Tudo bem. O próximo governo será diferente do atual?
- Eu queria dizer que no próximo mandato eu serei estadista, enquanto que no atual eu fui gerenta!
- GERENTA? Não seria gerente?
- Gerente é homem, gerenta é mulher.
- Tudo bem. E os escândalos de propinas serão esclarecidos?
- Sem dúvida! Eu serei inclementa contra os ladrões!
- INCLEMENTA? Não seria inclemente?
- Sou mulher, portanto, sou inclementa.
- Já entendi. E o PIB vai melhorar?
- Não vou tolerar pibinho! Eu sou uma mulher persistenta!
- PERSISTENTA? Não seria persistente?
- Eu não sou homem para ser persistente.
- Está bem. E a bolsa família vai continuar?
- Não só continuar como crescer. Quero criar a bolsa mulher! Quero ver todas as mulheres deste país felizes e sorridentas.
- SORRIDENTAS? Não seriam sorridentes?
- Sorridentes são os homens. Eu falei nas mulheres.
- E vai ter dinheiro para suprir esse novo programa?
- Farei tudo com os pés no chão. Eu sempre fui prudenta!
- PRUDENTA? Não seria prudente?
- Não esqueça que eu sou mulher!
- Desculpe. A senhora é religiosa?
- Eu sempre fui uma mulher tementa a Deus.
- TEMENTA? Não seria temente?
- Não confunda o meu sexo, por favor!
- E como a senhora vai formar o quadro político do governo?
- O quadro tem que ser, obrigatoriamente, técnico. Não sou atendenta de pedidos políticos.
- ATENDENTA? Não seria atendente?
- Já lhe disse que sou mulher!
- Em suma, o novo governo será diferente do atual?
- Em alguns aspectos, sim, mas nunca esquecer que a palavra final será minha, pois eu continuo a ser a principal DIRIGENTA!
- E senhora vai com tudo nesse segundo turno?
- Claro que sim! Eu sempre fui uma mulher COMBATENTA!!

NOTA: Apesar da brincadeira acima, não podemos esquecer que Machado de Assis, em Obras Póstumas de Brás Cubas, escreveu no Capítulo 80 - Do Secretário: “Na verdade, um presidente, uma presidenta, um secretário, era resolver as cousas de um modo administrativo” (o negrito é nosso).

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Tumulto na Comunidade


O Posto de Saúde da comunidade foi inaugurado com pompa e circunstância. Foguetório, trio elétrico, passistas de escola de samba e um mundo de autoridades. A comunidade em peso foi lá participar da festa, afinal, uma novidade não se desperdiça, ainda mais que agora é possível gravar o capítulo da novela e assistir depois.


Dia seguinte, o posto estava cheio de gente. Doentes, mais ou menos doentes, sadios e mais ou menos sadios, todos foram ao posto para serem atendidos e admirarem o prédio novo. Os azulejos brancos e novinhos das paredes já estavam repletos de papéis colados, dando avisos escritos a mão: vacinas pra lá, remédios pra cá, idosos à direita, crianças à esquerda, não fume, uma infinidade de valiosas informações grudadas com cola ou fitas adesivas, que ninguém lia. Todos queriam falar na recepção, onde atendentes desesperadas procuravam atender a todos. Uma festa!


Zeca do Peixe, com seus oitenta anos, lá estava também, querendo ser atendido por um médico qualquer. Depois de duas horas de espera, o que não o incomodou, pois estava em boa conversa com o seu Broa, foi atendido por um médico cubano. Com certa dificuldade de comunicação, conseguiu, enfim, explicar ao médico que ele nada sentia de ruim, sintoma que o preocupava, porque homem de oitenta anos tem que sofrer de alguma coisa, não é natural um velho não contrair uma doença, não ter uma dorzinha aqui ou ali, essa falta de problemas o incomodava muito.

O cubano receitou uma caminhada diária, era preciso fazer algum exercício. Zeca do Peixe saiu aborrecido da consulta, onde já se viu médico não receitar nenhum remédio, ainda por cima nem sabe falar direito, “parece o japonês do pastel”. Seu Broa meneou a cabeça concordando. De qualquer forma saiu do posto e foi caminhar no calçadão da praia. Mas, depois de alguns passos, não gostou de caminhar e resolveu correr. E depois de uma corrida de uns quinhentos metros sentiu falta de ar e caiu desmaiado. Os bons samaritanos acudiram e o levaram depressa ao posto de saúde. Já chegou morto, infarto bravo.

A morte do Zeca do Peixe causou perplexidade, comoção e revolta, nesta ordem. Todos que estavam no posto de saúde tomaram conhecimento da triste notícia e o murmurinho inicial transformou-se em gritaria. Discursos acalorados ressoavam nos corredores do posto. “O culpado foi esse médico cubano!”, gritou Índio das Verduras sob os uivos da multidão. O Henheco, eletricista comunista, vociferou: “O posto, em vez de trazer saúde, trouxe a morte para a comunidade”.

Começou o quebra-quebra e a perseguição ao cubano. O coitado do médico corria como louco, fugindo da turba até levar uma cadeirada de rodas nas costas e tombar no corredor. Quem o derrubou foi a dona BPereira que passeava pelo posto na cadeira de rodas que pegou no almoxarifado. Dona BPereira estava grávida pela vigésima terceira vez, mas ainda forte como um touro.

A segurança conseguiu resgatar o que sobrou do médico e o levou para destino ignorado na ambulância do posto de saúde. Tudo ficou destruído. Um candidato a Deputado Estadual prometeu a reconstrução do posto e garantiu não realocar médicos cubanos. A turma foi embora já na expectativa de uma nova festa de inauguração. Cada um levava um santinho com o número do candidato.