sexta-feira, 6 de junho de 2014

O Alvará de Funcionamento

Em remotas épocas, lá nos idos da década de 90, uma Prefeitura emitia o Alvará de Funcionamento, naquele modelo que parecia um diploma, colorido e muito bonito, com a seguinte mensagem no verso:

Senhor(a) Empreendedor(a),
Em nome do Município, agradecemos a sua iniciativa de investir em um novo empreendimento econômico em nossa cidade e fazemos votos que ele se desenvolva e prospere.
Permita-nos lembrar alguns cuidados que deverão ser tomados em relação ao seu novo estabelecimento:
- procure mantê-lo sempre limpo e asseado, sem obstáculos nas passagens dos visitantes e clientes.
- cuide dos aspectos de segurança, cumprindo as normas expedidas pelo Corpo de Bombeiros, mantendo livres as saídas de emergência e os extintores na validade exigida;
- os banheiros devem estar sempre limpos e higiênicos, e os seus equipamentos funcionando!
- mantenha a calçada frontal ao estabelecimento limpa e não deposite a sujeira nas sarjetas;
- coloque o lixo em recipiente adequado e de acordo com as normas de limpeza pública; e o deposite para recolhimento no dia em que a coleta de lixo for executada em sua rua;
- qualquer obra de reforma do estabelecimento deve ser comunicada à Prefeitura, a não ser pequenas obras, tipo pintura, instalação de pequenos equipamentos, pequenos consertos elétricos ou hidráulicos. Obras que alterem ou provoquem mudanças no projeto, devem ser requeridas com a apresentação do novo projeto, assinado pelo engenheiro ou arquiteto responsável;
- se estiver em dúvida se pode ou não pode fazer alguma reforma no estabelecimento, o melhor caminho é consultar previamente a Prefeitura.
Evite o constrangimento de ser advertido ou autuado pela Fiscalização Municipal. Nós também não queremos que isso venha a ocorrer.
Desejamos-lhe muito sucesso!
O Prefeito

Tinha gente que dizia que a mensagem era politiqueira, mas, na verdade, não constava o nome do Prefeito e este modelo de Alvará passava por diversos mandatos eleitorais. A mensagem, porém, trazia uma responsabilidade para a própria Prefeitura: ter servidores aptos a receber os contribuintes, ouvir suas pretensões ou dúvidas e explicar, educadamente, o que seria ou não permitido, nos termos da legislação em vigor.

E ter servidores treinados e capacitados para exercer o atendimento é problema de gestão administrativa. Aliás, é comum gastar grandes recursos em locais de Atendimento ao Contribuinte e nada na capacitação e motivação dos servidores.

O Jornalista Carlos Alberto Sardenberg publicou artigo no Jornal O Globo, de 5/6/2014, sob o título “Quem quer empresas?”. Ele, de início, critica a legislação que em vez de incentivar a abertura de novos negócios, procura criar todas as dificuldades possíveis, algumas delas nas raias do absurdo.

Ele conta que um microempresário tentou abrir uma empresa de informática em São Paulo, num sobrado em bairro residencial. Não recebe clientes e todo o trabalho é on-line. No cardápio de exigências, havia laudo do corpo de bombeiros, projeto de engenheiro... e até a exigência de contrato de convênio de estacionamento! O microempresário gastou mais de R$3.000,00 só para conseguir os papéis exigidos.

Em outra história, o Jornalista conta a odisséia de um casal que exerce atividade de Artesanato há quinze anos. De repente, a Receita Federal resolve alterar o CNAE da firma, porque a atividade de artesanato tinha sido excluída do cadastro. O CNAE foi direcionado para o código mais próximo, batizando a firma com a atividade de “Agência Matrimonial”, coisa que nunca fizeram e não entendem patavina do assunto. A piorar, o local do estabelecimento, de acordo com a lei de zoneamento municipal, só permite indústria. E de artesanato deu um pulo para indústria, com o recheio de Agência Matrimonial. Foram obrigados a mudar de endereço.

Na Prefeitura, tiveram que responder um volumoso questionário com perguntas do tipo: Quantas árvores vão derrubar? Qual a área de manancial a destruir? Quantas toneladas de lixo industrial serão produzidas? E tudo isso para fabricar pequenos artefatos artesanais. O casal ainda tentou convencer um Fiscal para visitar a “empresa” e verificar o que faziam. O Fiscal recusou, dizendo que se fosse até lá teria de autuá-los porque a atividade era exercida de forma irregular.

Em minha opinião, acho que o casal devia desistir de trabalhar e inscrever-se no programa Bolsa Família. É mais fácil.  


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