Ao chegar de viagem recebi a notícia de que o nosso vizinho, do lado direito de quem vai, havia enlouquecido e encaminhado incontinenti ao manicômio sob camisa de força. Contaram-me que durante a janta, durante acalorada discussão dele com a televisão, remeteu um cinzeiro de pedra, bem pesado, contra a cara do âncora que transmitia as notícias sem esconder aquele sorrisinho idiota a mostrar seus dentes álveos e brilhantes, prenúncio da propaganda que vinha logo a seguir da kolinos, por certo aquele sorriso lhe renderia um cachê.
A vizinha, esposa do desvairado, já andava apreensiva com a saúde mental do marido, pois a mais ou menos um mês atrás ela confessara à minha mulher certas atitudes estranhas do indigitado cônjuge, como, por exemplo, a mania de discutir com a televisão.
“Ele não aceita as mentiras das notícias e começa a discutir com a televisão”, dizia ela. “O pior é que a televisão não responde, nada escuta, ela não tem a educação de interromper a programação para ouvir as ponderações e contestações do meu marido, e isso o deixa exasperado”. E continuou: “Fica o comentarista dando aquele boa noite e meu marido gritando para que ele continue na tela e enfrente o diálogo se for macho, mas que nada, o sujeito some e aparece logo uma mulher pelada tomando banho e dizendo que o sabonete Hólio é o melhor do mundo. Meu marido, irritado, muda o canal esperando encontrar alguém capaz que tope uma discussão”. E concluiu, tristonha, “isso acontece toda noite, coitado do Chicão” (Chicão é o marido)
Minha mulher, na época, tentou reanimá-la: “Por que você não procura conversar com ele. Certamente, seu Chicão está precisando de alguém para conversar”. Choramingando, ela respondeu: “Já tentei, mas ele diz que eu sou escrava da televisão, que ela me dominou, já fui subjugada, que eu já faço parte do enorme grupo de alienados. Ele diz que eu sou uma televisada, não sei bem o que isso significa, e tudo porque gosto de novelas, os programas do Faustinho, do Ratão, do Dudu Liberado, as pegadinhas, ah, adoro ver gente sendo enganada e levando tombo, como gosto também dos programas sérios, aqueles que fazem milagres e cura os doentes na nossa frente... Você assiste televisão, não é?” Minha mulher mudou de assunto.
No dia seguinte, de acordo com os preceitos sociais de boa vizinhança, fui ao manicômio visitar o meu vizinho, encontrando-o, que surpresa, bem disposto e falador, como de costume. Disse-me estar arrependido da agressão cometida, atirar um baita cinzeiro na cara da televisão, mas não resistiu quando o sujeito das notícias comentou que o desemprego estava caindo, o PIB está subindo, o serviço público está melhorando e a conta de luz vai baixar. “São vergonhosas mentiras, vizinho! Como pode alguém entrar na minha casa, dizer mentiras e desaparecer da tela, sem ouvir uma pronta contestação? Isso é um desaforo! Um visitante educado não pode agir assim!” .
Explicou-me que o motivo de ser isolado ao manicômio foi o fato de agredir a televisão, aparelho dos mais respeitados e idolatrados de uma casa, o juiz estava visivelmente ofendido. Se tivesse atingido a geladeira, o fogão ou o computador, a pena seria atenuada, praticamente irrelevante, engoliria um calmante, um suco de maracujá e tudo se resolvia. Mas, a beata televisão? Crime hediondo!
De qualquer forma, ele estava bem, a conversar com os malucos e receber respostas adequadas, como convém numa conversa. A única coisa que não lhe permitiam era assistir televisão no refeitório. Afinal, quando a televisão fala todo mundo se cala e ninguém lhe tira a razão, menos o Chicão.
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