Catafrino Tosamosca foi eleito Prefeito de Catulelê do Brejo em acirrada disputa eleitoral, vencendo por dois votos de diferença, dando margem às desconfianças e decisão de recontagem dos trezentos e vinte votos dos eleitores do Município, mas, ao final do somatório, o juiz em trânsito bateu o martelo e confirmou a vitória de Catafrino, motivo de muita festa e briga violenta no bar do Napoleão, resultando em três mortos e oito feridos, dos quais um morreu na ambulância-carroça, porque o jumento empacou no caminho e ninguém conseguiu convencê-lo a reconsiderar sua decisão, a gerar profunda discussão filosófica entre os presentes sobre a sabedoria ou asnice do asno, e todos esquecendo a situação do desditoso passageiro quase-defunto, pelo menos até aquele momento. Catafrino assumiu o poder e mandou, em primeira ordenança, jogar fora o quadro do prefeito anterior que o olhava desconfiado na parede do gabinete, e colocar seu retrato, foto antiga a registrá-lo abraçado ao pescoço de um boi sorridente, fato inusitado na época, tempo em que o gado era sempre carrancudo, emoldurado em madeira lavrada de belo efeito e motivo de efusivos elogios da vereança amiga, projeto produzido por antigo companheiro marceneiro, o qual foi devidamente recompensado mediante recursos do tesouro municipal, fato que surpreendeu o novo prefeito, a tomar conhecimento de que não precisaria mais mexer nos bolsos a procura de dinheiro, se bastava assinar um papel e dar ordem ao pagamento e as moedas tilintariam por encanto, a jorrar como água cristalina de uma fonte da montanha. O marceneiro advertiu, contudo, da necessidade de umas pinceladas de verniz na madeira nobre da moldura, com o intuito de perpetuar a obra e torná-la resistente às pragas da natureza, ou às sujeiras das moscas e varejeiras, que tão desagradável aspecto provocaria no passar do tempo, incômodo a desaparecer com ligeira limpeza de paninho úmido graças ao verniz aplicado, sugestão logo aprovada pelo prefeito e a pedir providências imediatas de alguém produzir um papel daqueles que, depois de assinado, faria surgir o dinheiro necessário num passe de mágica. Disse-lhe, porém, o guarda-livros da prefeitura que, neste caso, outros mais papéis seriam necessários para formar um conjunto a ser chamado de licitação, cujo objetivo seria saber o melhor preço do verniz e do aplicador, embora Catafrino Tosamosca exigisse de pronto o serviço do marceneiro, pessoa merecedora de toda a sua confiança e, afinal, autor da obra e pensador da ideia providencial. Pretensão merecida e justa, disse-lhe o guarda-livros, antigo atendedor das classes chefiativas e mandatárias, a não causar problema algum, a não ser um acréscimo no preço e lobrigar prováveis exigências de comissões aos fazedores de papéis e aos perdedores juramentados da concorrência pública. De tais pormenores não se deu conta o prefeito, se jorra um litro jorra um balde, a fonte era inesgotável, sem perceber que a aplicação do verniz já ultrapassava o custo da obra original, são curiosidades da governança e peculiaridades da burocracia, matéria que não lhe dizia respeito, como a explicar o vento forte de hoje e a brisa mansa de ontem, ou a chuva torrencial de amanhã, coisas obscuras da natureza desumana, qual esse monte de papéis despejados ao colo, a requerer o desenho do seu nome. Vem daí uma nova ideia, agora de um vereador alvissareiro, que, após vociferantes prolegômenos civilistas alardeados à platéia rude, sugere a prolificação da obra, a adornar as paredes de todas as casas, públicas, particulares ou de destinação duvidosa, e ser assim alvo de admiração da coletividade, principalmente na hora das refeições, como incentivo péptico à população em geral. Catafrino disfarçou constrangimento, mas diante da aceitação de todos os presentes - contumazes bajuladores oficiais - deu-se por aprovada a moção e novas ordens ao guarda-livros, agora um projeto de vulto já denominado de Operação Boi Sorridente, nome mais indicado diante da modéstia do novo prefeito. E assim foi a gestão de Catafrino Tosamosca, carinhosamente alcunhado nas esferas sociais de “amigo do boi”, de gestão marcada pela modernidade dos investimentos infraestruturais, sempre a confiar na constância do jorro das águas e na multiplicação das espécies celulósicas.
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